Existem muitas hipérboles ao longo da Bíblia Sagrada. Mas particularmente esta, decretada pelo apóstolo Paulo, parece ser uma estranha e inquietante exceção.
Os militares sabem muito bem disso. Sempre foram treinados com este sentimento, a saber: que numa ameaça de genocídio, tudo é válido para eliminar o ameaçador (aquele que pretende matar milhões); assim como, numa ameaça de extermínio total, tudo é válido para salvar o último casal, ou, em última hipótese, salvar um só, que possa salvaguardar o DNA humano e preservar a Humanidade num outro planeta ou numa terra sem a ameaça. Estas são as considerações de emergência intrínsecas e formais no pensamento apocalíptico militar, e nenhuma “mente sana” se voltará contra ele, sobretudo se habitar um corpo fardado. Tudo isto está na consciência do mais alto escalão e faz parte do “esprit de corps” das forças armadas de todos os países, sobretudo das superpotências nucleares.
O que teria isso a ver com o Evangelho?
O Evangelho também traz a sua lista de instruções apocalípticas, ou que devem ser usadas em ocasiões de emergência, sendo o fim do mundo a principal delas. Lendo as regras a vigorar na Grande Tribulação, tem-se a nítida certeza de que as coisas mudariam bastante naquele período, e tudo leva a crer que o Julgamento de Deus (a julgar apenas por aquela ocasião) não levará em conta tudo o que levaria noutra época, ou não condenaria nem salvaria alguém pelos critérios utilizados antes da instauração do caos final. Pior, para este que vos fala, pois é extremamente problemático tocar neste assunto, porque NADA que estejamos fazendo agora pode ser, nem de longe, comparado ao que estará ocorrendo na época do caos que antecederá a parusia. Assim, todo e qualquer pensamento que chegue acerca do que está sendo tratado aqui, será, necessariamente, impreciso ou simplesmente equivocado. Mas vou em frente. Há tanta coisa pior no porvir que um mal-entendido agora nada significará.
O exemplo discutido neste artigo será o da hipérbole paulina que diz: “TUDO FAÇO por amor ao Evangelho” (I Co 9,23). Tudo leva a crer que a expressão se vincula ao contexto não-apocalíptico de todos os tempos, sobretudo ao tempo apostólico, no qual Paulo redigiu suas cartas (não considerar aqui que os apóstolos acreditavam na volta imediata de Jesus já naquela época). Assim, ao escrever aos crentes de Corinto “TUDO FAÇO por amor ao Evangelho”, estava na verdade usando uma hipérbole temerária, pois o apóstolo provavelmente sabia em que riscos uma declaração daquela implicava, sobretudo numa era de “multidões sem pastor”, e sem as leis hipócritas de uma sociedade subserviente como a nossa.
Porquanto Paulo sabia que “tudo posso” jamais poderia significar TUDO mesmo, porque isto iria destruir toda a boa fama que o Evangelho precisava ter para conquistar o revanchismo judeu e a barbárie dos povos gentios, acostumados a agir sem a menor consciência moral. “Tudo posso” na boca de Paulo era tão somente uma expressão martirial, relacionada aos mais ingentes sacrifícios feitos em nome da verdade da Ressurreição de Cristo, e jamais algo que abrangesse pecados e muito menos crimes que viessem a manchar a boa fama dos seguidores de Jesus.
Inobstante, o tempo passou. Passará o céu e a terra mas a Palavra de Deus permanecerá para sempre. E o tempo, além de trazer a mensagem de Cristo para dentro da realidade, trouxe também a realidade para dentro da mensagem, e assim esta encontraria inexoravelmente os critérios de exceção que os cristãos utilizariam para cumprimento total de sua missão. A principal exceção é a Grande Tribulação, em cujo interior vigorariam as regras da guerra, a saber, não há regras. Todo mundo sabe que quando há uma ameaça maior à Constituição, ela própria abre exceções para protegê-la, sob pena de não restar mais nem ela própria nem povo algum para obedecê-la.
Como numa guerra se sabe que a primeira vítima é a verdade, é também na guerra que certos requisitos legais cedem lugar à Lei Moral maior, ou de uma Moralidade superior, em nome da qual vigoram leis que se impõem para salvar a Verdade que a guerra tenta destruir. Noutras palavras, se em tempo de paz ninguém pode matar ninguém sem ser condenado à pena máxima, numa guerra onde as próprias leis estão sob ameaça a Constituição permite atos (aparentemente) “ilegais” para salvaguardá-la. É por isso que matar alguém numa guerra não é considerado crime, sobretudo se o morto for um soldado inimigo ou um desertor-traidor, que muitas vezes faz mais mal do que um simples inimigo.
Isto também vale para a última guerra, chamada “apocalipse”, ou Armagedom. E ela é uma guerra essencialmente travada por causa dos cristãos e para a sua exterminação total, como plano secreto de um inimigo que nem precisa aparecer. Eis a síntese perfeita do fim do mundo.
Sendo assim, tendo início uma era de exceção mundial, que visa a exceção de eliminar cristãos, e sobretudo após tal determinação se transformar em perseguição declarada e em guerra urbana, o que poderiam os cristãos fazer para se auto-preservarem e protegerem seus familiares? (Nota: aqui digo “familiares não-traidores”); o que os cristãos não poderão fazer? É aqui que entra a salvadora frase de Paulo: “TUDO FAÇO por amor ao Evangelho”. E nem precisamos ficar só em Paulo. Jesus mesmo disse coisas terríveis, como: “os inimigos do homem serão os de sua própria casa”; “sereis entregues até por vossos pais e filhos”; “filhos mandarão matar pais e vice-versa”. Isto é guerra total: é preciso dizer mais alguma coisa?
Portanto, somos forçados a reconhecer que a lista completa daquilo que se pode fazer dentro do sentido da frase paulina equivale a todo o conjunto de exceções da Constituição para tempos de guerra, e nenhum cristão deveria, a rigor, se espantar com tal coisa. Aliás, o espanto só tem uma causa: os crentes de hoje jamais se prepararam para viver a Grande Tribulação e foram ensinados pela mídia a descrer da Volta de Jesus, com culpa direta das igrejas que jamais lhes instruíram neste mister.
Nada obstante, a lista de atos tornados possíveis pelo período de exceção da Grande Tribulação não pode deixar de incluir coisas como “pecar pelo Evangelho”, “roubar pelo Evangelho”, “morrer pelo Evangelho”, “matar pelo Evangelho”… A maioria atos abomináveis em quaisquer circunstâncias, a exceção de uma guerra pela sobrevivência (talvez tais atos poderiam estar incluídos na declaração do Nazareno que dizia “os filhos das trevas são mais hábeis que os filhos da luz”). É claro que tudo isso, no detalhe, teria que cumprir estrita razão de ser, a saber, a última hipótese para salvar a si ou a outrem, como acontece na guerra comum ou em legítima defesa.
O que seria pois, “um pecar qualquer pelo Evangelho”, que comportasse a exceção de ser um ato aceitável por Deus? Seria agir de tal modo que nenhum pecado estaria contemplado no ato, no sentido de não ser algo praticado com a concupiscência e a condescendência do mal, que o torna, afinal, o mal que ele é. Seria uma coisa tal como o contar sem contar, ou o pecar sem pecar. E como é pecar sem pecar?
Ora; todo pecado é, além de um ato físico visível na nossa terceira dimensão, uma colaboração consciente do espírito a um desejo incontrolável da alma (ou do coração), que arrasta o indivíduo a executar um serviço que fará inevitavelmente mal a si e ao próximo, inexoravelmente. É preciso, pois, uma conjugação de “acordos” internos para que o ato mal seja praticado, embora aja tais acordos para atos bons e haja atos maus que não precisaram de tríplices acordos entre corpo, mente e espírito. Aquele, pois, que é classificado como pecado, seria a estrita obra de crueldade premeditada na alma, auxiliada ou tolerada pelo espírito e praticada pelo corpo. Só assim é um pecado.
Eis que, se usarmos o estrito conceito técnico de pecado (esse descrito acima), certamente JAMAIS um cristão praticará pecado algum, no sentido estrito e teológico, podendo ser chamado de pecado tão somente pela ignorância popular e pela maledicência dos maus espíritos. Mas vamos aos exemplos práticos.
Imaginemos que começou a Grande Tribulação – período que antecede a Guerra Final em mais ou menos 7 anos – e a morte de todos os bons cristãos do mundo passou a ser algo legal e popular, e também o alvo direto de todas as ações de governo. É um período em que até mesmo outros cristãos, engajados em igrejas (estas ali protegidas pelo Estado), entregarão ou dedurarão os cristãos mais fiéis às forças policiais, e estes não estarão seguros nem nas igrejas e nem nas suas próprias casas! (Ler agora textos como João 16,2 e Mt 10,21-22 e 36 fará um bem enorme ao argumento). Entender a atitude dos maus cristãos contra outros crentes será fácil se pensarmos que eles estarão com suas mentes ‘convencidas’ de que os outros cristãos são “lobos em pele de ovelha” ou coisa pior, como hoje já se ouvem cristãos dizerem abertamente que padres pedófilos devem ir para a cadeira elétrica e pastores corruptos devem ir pra cadeia! Na Grande Tribulação aqueles crentes não necessariamente terão praticado algum crime, mas o fato de terem estado com pedófilos ou outros bandidos (sem saber) levou os demais a enquadrá-los como “farinha do mesmo saco” e julgá-los como igualmente indignos. Isto é apenas um vislumbre do que estará ocorrendo ali, pois até o ato de culto e a própria consciência dos crentes estará “auto-satisfeita” com a delação dos crentes que aparentemente traíram a sã doutrina, e as ações da militância cristã contra crentes aparentemente infiéis será a bola da vez na cabeça de todos, que então estarão felizes por “passar a igreja a limpo”.
Mas qual seria um ato praticado pelo crente fiel que configuraria um pecado perdoável em tempos de guerra? Seria algo como roubar (por exemplo, roubar uma Bíblia, livro raro na época); seria algo como desviar uma verba maligna para uma família cristã desprotegida (um dinheiro que estava sendo direcionado para programas de perseguição a crentes); seria algo como “eliminar” alguém que foi incumbido de entregar crentes, e com isso diminuir o quorum dos últimos seguidores de Cristo (Lc 12,58 e 19,27); etc. – Muito cuidado com os dedos-duros, pois ninguém sabe onde eles estarão!…
Isto posto, conclui-se que aquilo que o mundo chama de PECADO poderia sim aparecer no currículo de um bom cristão na época da Grande Tribulação, até porque toda a cristandade estará cometendo o pecado de delatar crentes e entregá-los aos tribunais iníquos. Naquele terrível clima de “salve-se quem puder” e de “maldito o homem que confiar no homem”, nenhuma lei estará mais em vigor, pela ótica do próprio Deus, e por isso as Escrituras Sagradas já nos deixaram o aviso e o escape (I co 10,13) daquela situação, dizendo: “onde não há lei também não há transgressão” (Rm 4,15). Só nos resta orar para que aquela maldita época ainda esteja bem longe de nós…
2 respostas a “Tudo faço por amor do Evangelho”