A Canonicidade de CS Lewis*

“Tomar Lewis como autoridade canônica se faz necessário para obter muitas revelações omitidas involuntariamente pela Palavra de Deus, livro que não podia conter TODA a Verdade”. Isto, no mínimo, é um bom exercício do direito ao livre-pensar.

Aslam e Jack sentado

O argumento do presente artigo é a canonicidade de livros sagrados, para alcançar a razão da canonicidade das obras de C.S. Lewis, mestre inspirador da criação desta Escola. Ser um autor canônico significa que seus escritos tiveram interferência direta de Deus, e por este motivo foram incluídos no Depositum Fidei dos cristãos, ou seja, o Cânon pelo qual se regem todas as doutrinas do Cristianismo. Apontar CS Lewis como um cânon tardio é, portanto, uma das afirmações mais estapafúrdias a ocorrer no meio cristão, porque o grosso da cristandade rejeitaria tal proposta, de olhos fechados. Porém é com os olhos fechados que cometemos nossos mais graves erros.

Por que os livros encontrados na coletânea de escritos chamada Bíblia foram considerados canônicos, já que todos eles foram redigidos por homens de carne e osso? Qual a alegativa que vingou como justificativa válida para tal asseveração? Ao que consta a esta Escola, foram três as principais razões encontradas, a saber: (1a) São escritos de pessoas que estiveram em contato com Deus ou estiveram em alguma teofania confiável; (2a) São escritos de profunda coerência interna, aprovada com lógica pelo bom senso; e (3a) São escritos cuja veracidade foi testemunhada pelas comunidades que as redigiram, com registros verificáveis.

Isto posto, deve-se seguir e perguntar, antecipadamente, se entre os cristãos poderia vingar alguma crença de que o Cânon não fosse um registro fechado (inalterável e eterno) e se o mesmo poderia abrigar alguma outra revelação que contivesse os mesmos três requisitos abonadores do Cânon aceito como oficial. Além disso tudo, deve-se perguntar também por que cargas d’água alguém “fecharia” o Cânon, ou por que este dito cujo deveria ser fechado? Porquanto se tal cousa for ao menos pensável, e se os pré-requisitos de fato incidirem sobre uma outra comunicação, então a cristandade deveria se manter antenada e com os ouvidos atentos aos sons do Planeta, porque um belo dia um sussurrinho de Deus poderia não permanecer inaudível por muito tempo.

É aqui que entra CS Lewis, porta-voz de um outro sussurro de Deus, ou melhor, canal por onde Deus revelou muitas outras coisas e por cuja interpretação a Palavra de Deus foi ampliada e iluminada. É este o ponto fundamental na crença desta Escola Teológica, e por isso ela se difere de todas as outras, sejam do meio protestante ou católico. Este artigo vem dar mais subsídios para se entender melhor esta “aparente loucura”.

Partamos do princípio defendido por Lewis de que a própria Escritura só vingou porque os cristãos deram a ela todo o peso da autoridade de seus autores, ou simplesmente creram que todas as alegativas para sua defesa eram verdadeiras, e aqueles homens, de fato, estiveram com Cristo ou em alguma teofania confiável. Não esquecer que “fechar” ou impedir novas revelações serviu (e ainda serve) para evitar os abusos da manipulação e da imaginação humanas, as quais tenderiam a falsear por copiagem ou multiplicar as histórias com “estórias” semelhantes, naquilo que ficou conhecido como “estratégia da serpente”.

Isto posto, é possível encontrar na história pós-Cânon algum registro verdadeiro que falasse de Deus? Haveria algum argumento teológico coerente para assumir que Deus permitisse uma teofania pós-Cânon? Ou melhor: teria Deus alguma razão para impedir que seus próprios anjos ou mensageiros contatassem alguém e lhe contassem algo novo ou iluminassem melhor as Escrituras? Estas perguntas servem para apontar para a justificação de aprovação de uma mensagem pós-Cânon ou extrabíblica, já que a própria Escritura tem como único critério válido a teofania e a inspiração divina como autoridade, e estas precisariam constar da nova revelação para garantir-lhe a credencial canônica. É isto que alegamos para validar a canonicidade da “Teologia Lewisiana(NR1) ou do que chamamos de “Lewisianismo(NR2).

E onde está a teofania por trás de Lewis? Declaremos antes que a canonização dos escritos bíblicos se deu por conta e ordem da crença na veracidade dos relatos que os originaram, i.e., que os cristãos depositaram toda a sua fé na Tradição que asseverava o contato pessoal com Jesus ou com seus anjos, como ocorreu em diversas passagens do livro de Atos. Todavia e a rigor, nenhum dos relatos teria validade sem esta crença, e o próprio Paulo disse que tudo perderia o sentido se os cristãos não cressem que Jesus de fato ressuscitou. Vê-se, com efeito, que é a “simples” crença que sustenta o Cristianismo, sem nenhum demérito para a nossa boa consciência. Porquanto a Igreja se acostumou a pensar logicamente e já provou que a fé é o firme fundamento de tudo e a prova das coisas invisíveis, servindo muito bem para alicerçar a ciência e outros ramos do conhecimento.

Joy e Jack sentados2

Então aqui se vê a canonicidade dos escritos de Lewis, porque eles também dependem de fé! Mas onde está a teofania credenciadora de Lewis? Ora, nas Escrituras a teofania se deu pelo contato com a Sarça Ardente, com Jesus ou com algum mensageiro celestial, no caso, anjos, que vieram testemunhar algum evento de Deus presente ou futuro. E todos voltam os olhos para a Bíblia e podem ver a Sarça e o anjo! Afinal, nenhum autor bíblico contou tratar-se de um conto de fadas e com isso tornando difícil a crença! Pelo contrário, todos afirmaram tratar-se da mais crua verdade, e eles próprios estiveram diante dos fatos…

Em CS Lewis não foi possível declarar isto! Se Lewis ousasse contar que os fatos por ele narrados eram a expressão da mais pura realidade (tal como na Bíblia), quem iria crer nele? Ao contrário da Bíblia, isso iria desencorajar a fé, pois uma teofania POSTERIOR ao período bíblico seria rejeitada até pelos cristãos! Isto sim era o grande problema. Assim sendo, e com a tremenda inteligência que Deus lhe deu, Lewis armou o seu testemunho das mais diversas ferramentas e camuflagens, permitindo que até mesmo ‘descrentes’ pudessem ter uma chance de “ver” com os olhos da fé, colhendo frutos nas entrelinhas e subliminares de suas obras, lá onde ateísmo nenhum chegou. E se céticos podiam ver, quanto mais cristãos, se fizessem as ilações corretas ou tivessem a orientação devida.

Em quais obras Lewis contou acerca das teofanias posteriores ao período canônico ou quais obras Lewis “camuflou”? Foi em seus livros chamados “ficcionais”, ou não-doutrinários, sobretudo naqueles que perfizeram uma certa “trilogia espacial”. Ali, sem papas na língua, Lewis contou que ele foi obrigado a se utilizar de um artifício editorial para alcançar alguns raros corações que conseguiriam acreditar na narrativa, fechando todas as portas para os demais. Tratava-se de uma revelação que Deus endereçou para ALGUNS RAROS corações e fechou para todos os outros! E isto também a diferencia das Escrituras, que foram escritas ‘sem’ camuflagem (até onde podemos ver) e foram endereçadas para a Humanidade inteira, inclusive para os céticos.

Haveria algum recurso externo salvador de tal descrença? Sim, pois Deus não fechou a porta das pesquisas bem feitas, direcionadas às fontes certas e motivadas pelo espírito de humildade. Assim, se uma alma humilde deu de cara com o primeiro livro da Trilogia, sentindo-se inquieta pela veracidade intrínseca da narrativa, e com isso decidiu sozinha pesquisar, em silêncio, fontes como a Astronomia Indiana, a Ufologia Política ou a Exobiologia Mística, sem dúvida voltaria de tais estudos mais pasmo ainda, pois não encontraria nada que desmentisse Lewis, e passaria a crer “incomodamente” numa nova Revelação de Deus.

Finalmente, a última pergunta seria inevitável: existe na Bíblia algum trecho onde os autores canônicos apontariam uma época no futuro onde outras coisas seriam reveladas? SIM. Há vários. Pois ali encontramos passagens onde o próprio Jesus disse que “não nos havia contado tudo porque nós ainda não estávamos preparados para receber” (João 16,12), e que se Ele fosse contar tudo aquilo que conhecia do céu para nós, nós não iríamos crer porque não acreditávamos nem mesmo em coisas da terra! (João 3,12). Pior: profetizou que nada no mundo ficaria para sempre encoberto, e que um dia tudo seria revelado! (Mt 10,26). Até Paulo foi enfático, dizendo mesmo que evitou revelar coisas porque Deus o levou a ver que não seriam adequadas à consciência de sua época! (II Coríntios 12,1-4).

Enfim, isto deve estar sendo um choque e tanto! E eu não vou apertar o fio desencapado, pois agora já vejo que o tempo de uma nova Revelação de Deus chegou, e que todo o futuro do Cristianismo foi outrora prejudicado pela miopia dos canonizadores, que não se deram conta do quanto Deus ainda iria revelar à Humanidade, antes mesmo do Juízo Final! Benditos os nossos olhos porque viram, e os nossos ouvidos porque ouviram…

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NOTAS DO TEXTO

(*) – O leitor não pode confundir as coisas aqui. Este artigo não diz que Lewis deve ser canonizado. Diz que o pensamento de Lewis (i.e., a sua teologia) mereceria o mesmo posto canônico do Novo Testamento por aqueles que o canonizaram, se seus livros tivessem sido escritos à época da canonização. É isso. Agora, se o leitor, lá no seu íntimo, e depois de conhecer Jack a fundo, pensar que ele é um santo porque já está na glória, ah, isso é outra história.

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(NR1) – O exemplo mais chocante da autoridade canônica atribuída a Lewis é certamente a questão da pena de morte. Com efeito, talvez 99% de toda a cristandade reformada defende que um cristão não pode “matar” outro, baseada no mandamento mosaico do “não matarás”. Todavia Lewis consegue descobrir, nos originais, uma salutar distinção entre “matar e assassinar”, e diz que aos cristãos é proibido “assassinar”, e não ‘matar’. Explicando esta diferença sutil que encontrou nos autores sagrados, Lewis diz que um juiz cristão deve sentenciar um bandido à pena de morte, caso esta punição seja legal no seu país; e ainda diz que tal juiz deve fazer isso sem cara amarrada (ou sem remorso), sabendo que não está descumprindo absolutamente nada nem da lei dos homens nem da lei de Deus! Logo, é preciso ter Lewis como autoridade canônica para aceitar que um cristão possa “autorizar” a morte de outro.

(NR2) – O “Lewisianismo” não é uma interpretação protestante do pensamento de Lewis, nem propriamente uma interpretação católica-anglicana, por assim dizer. É simplesmente o pensamento de Lewis, livre e independente como a verdade, apontando coisas que nem católicos nem protestantes apontam, inclusive os erros que ambos cometem. Pensar que Lewis é protestante ou católico é apenas proselitismo, e isto é o que impede a visão límpida de sua canonicidade. Assim, creio que se poderia falar num “Lewisianismo-de-Lewis” (ou “Teologia Lewisiana”), cuja posse ninguém detém, e que segue livre e incólume a apontar para aspectos não visualizados pelas teologias comuns, ou por elas rejeitados, interpretando as Escrituras como o próprio Jesus o faria, se lesse as nossas traduções atuais.

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