Assim como para Deus-filho a experiência da vida humana lhe deu uma sabedoria inédita, para Deus-pai a vida espiritual no coração de Maria fez-Lhe viver um amor até então jamais vivido na íntegra de uma experiência em carne e osso.
Sob o consenso da maioria dos teólogos cristãos, o milagre da Encarnação foi o maior de todos os milagres. Nele, o Filho de Deus, segunda pessoa da Santíssima Trindade, se esvaziou de toda a sua onipotência e se fez carne, assumindo de vez a natureza humana e passando a vivenciar experiências que Deus, enquanto Deus, jamais o vivenciou “in loco”, ou dentro de um corpo de carne e osso(1*). Este fato e seu efeito na história divina será o ponto central deste artigo.
Entendida sob a ótica humana, essa experiência transcendental do Criador foi a única hipótese para vários milagres ocorrerem, não apenas aqueles tornados possíveis para um Homem 100% homem (Jesus), mas para outros a ocorrer DENTRO de Jesus, tal como Ele passou a habitar DENTRO de nós, tornando-se um só espírito com quem crê nEle (I Co 6,17). Se Ele jamais tivesse habitado entre nós na carne, qualquer milagre necessário – à nossa salvação ou a qualquer outro propósito – encontraria uma tremenda dificuldade de ser percebido, uma vez que tanto os milagres microscópicos (dentro de nós) quanto os milagres cósmicos, ficam ocultos à pequeneza de nossa visão, tal como revelam a Homeopatia, para os pequenos, e a Astronomia, para os grandes. Se era, pois, necessário, por culpa de nossa doentia incredulidade, que Ele operasse milagres que autenticassem sua Pessoa e Missão, era também necessário que Ele se tornasse “do nosso tamanho” para operar milagres “medianos” (por assim dizer), ou milagres que estivessem ao nível de nossos olhos tão desatentos.
O problema se agudiza quando entendemos, pela mecânica da salvação, que o grande milagre da Encarnação opera, no próprio Encarnado, pequenos e grandes milagres invisíveis (o único visível é o corpo vivo de Jesus e os milagres que Ele fez por meio do corpo), os quais se tornaram o único “modus vivendi” de um Deus entre nós, um Emanuel, que precisou de todos os cuidados de uma mãe e de toda a proteção de um pai humano para prosseguir crescendo em graça e sabedoria diante de Deus e dos homens. O que é preciso pontuar agora é que estes “mini-milagres” (grosso modo) não apenas serviam para Deus viver e cumprir as tarefas visíveis de sua missão terrestre, mas serviam também a operações DENTRO do próprio Deus, influenciando toda a sua vida divina na eternidade gloriosa, aquela que Lewis chamou de “Zoe”. Aqui deve-se deduzir, por óbvio, que o infinito Deus, o Senhor Onipotente que criou tudo, jamais havia passado pela miniaturização de sua onipotência desde o início da Criação, e por isso “adquiriu ‘boas novas’ inéditas” – como o outro lado da boa nova da salvação anunciada a nós – DENTRO de si mesmo, a saber, uma “ampliação de sua consciência” pela inusitada convivência encarnada com seres de carne, e assim também obteve um acréscimo de conhecimento até então impensável (impensável sim, se Ele se mantivesse apenas em sua vida gloriosa na eternidade), se é que haja alguém que possa entender como o conhecimento infinito ainda carecia de qualquer outro conhecimento.
E mais: Se Jesus passou por tudo isso e com isso passou a ser “um outro Deus” (bem entendido, um infinito ainda mais infinito), toda a santíssima Trindade foi ‘modificada’ num “plus” de qualificação indescritível, que mente alguma consegue ver a diferença introduzida, e muito menos a necessidade atendida. Porquanto se nada havia em Deus que fosse “melhorável”, em que Ele melhorou após a experiência humana ficará para as calendas gregas da Revelação ulterior que a Trindade fará de si mesma após o Juízo Final. E NADA mais se pode falar aqui, literalmente.
Mas podemos especular outro ângulo da missão de Jesus em que ele incorporou “novidades” para a Trindade. Ou outra área de sua atuação pela qual a santíssima Trindade colheu “dividendos” (perdoe Deus expressões tão pobres) ou “louros”, como sublimes fios de ouro para sua Glória excelsa. Podemos imaginar o Pai feliz ao final da missão vitoriosa do Cristo a colher todo o amor voluntário das almas bem-aventuradas, muito mais feliz pela solidez de almas egressas de um mundo-cão como o nosso, saídas literalmente de um inferno vivo. Porém nada se compara ao que a Trindade ganhou com a experiência íntima do Espírito de Deus no coração de Maria santíssima, que uma certa teologia nos autoriza a pensar, sem eufemismos, no Espírito feminino de Deus finalmente vivenciando em pessoa uma vida humana feminina, cumprindo em Maria todas as tarefas de uma mãe humana, sobretudo a mãe de seu próprio Filho, o Nazareno. [Discorro longamente sobre o assunto no livro “Radiografia de Maria”, encontrável no Google – Editoras Agbook e Clube de Autores].
Eis que este sinal aponta para todas as implicações de tão inefável Revelação, quando a pequeneza da mente humana recebe, pasma, o dado da “co-operação” íntima entre Maria e o seu Possuidor (nos dois sentidos, e mais que em qualquer um de nós), o Espírito que clama Aba-Pai dentro de todos nós, e que nela penetrou em todos os poros e chegou ao ponto de cobri-la até com sua sombra no momento da “concepção/fecundação” de Jesus em seu ventre (Lucas 1,35).
Sem um segundo de interrupção em sua graça santificante no interior de Maria, o Espírito do Senhor continuou sua minuciosa missão secreta em operações delicadíssimas e “perfeccionistas”, ‘lapidando’ a Virgem para a sua perfeita santificação mesmo na Terra conspurcada, resguardando-a de todos os deslizes próprios da criatura decaída que todos somos. Neste sentido, pode-se ver ainda melhor a missão do Espírito feminino de Deus em Maria, quando Jesus, quase 30 anos depois, diz haver perdão para quem blasfemar dele e até de seu Pai, mas do Espírito jamais (era como se Ele dissesse: “podem falar mal de quem quiser, mas nunca falem mal de minha mãe!”). Afinal, se Ele assumiu a natureza humana pelo milagre da Encarnação, nada mais lógico e justo que passasse a sentir, como um verdadeiro homem, um tremendo mal-estar com uma ofensa à sua genitora. E mais: a Teologia ensina que o tempo de Deus é apenas um eterno presente, não havendo para Ele passado e futuro. Isto é o que explica a ideia da Igreja de chamar Maria de Mãe de Deus, pois seus cuidados com Jesus “ainda hoje estão em andamento” (trabalho mais esta ideia NESTE link).
Inobstante, o que mais operou o Espírito de Deus no interior de Maria?
Em primeiro lugar, a lembrança dos cuidados de minha própria mãe, que não deixou faltar absolutamente nada para seus filhos, sua atenção irrestrita, sua liberalidade infinita, sua proteção onipresente, sua sapiência prática em todas as áreas da vida, enfim, faz lembrar um tipo de cuidado próprio do gênero feminino, como CS Lewis mostrou existir entre a construção de Perel e Malac [dois planetas: um construído por alma feminina e outro pela masculina]. Um pai jamais atenta a certas coisas que o olho de uma mãe vê. A instrução de um pai nunca vai tão fundo na alma quanto aquela cuja alma foi toda cimentada pelo amor irrestrito para fazer uma nova geração enfrentar o mundo. O pai sempre alicerça o espírito e a razão. A mãe prepara a inteligência emocional e faz vencer. Com efeito, posso raciocinar e concluir, hoje em dia, que se minha pobre mãe humana teve cuidados tão meticulosos na criação e educação deste seu rebento, o quão zelosos e grandiloquentes não foram os cuidados de Maria com o Menino Jesus, e o quão portentosa não é a sua providência atual para com os seus filhos espirituais? Como Deus-pai recebeu e recebe, ainda hoje, a constante interferência de sua “pequena” Mãe em favor de seus filhos, quando uma “justiça masculina” grita sozinha? Para o Pai do Céu, ceder aos apelos de Maria de Nazaré é mais do que uma “obediência”, é um carinho que também a Ele faz um bem enorme – bem que nos é impossível conceber agora, com nossos corpos de carne e osso. Quando nossa mente for revestida pela incorruptibilidade, e quando nos for apresentada a atuação da Mãe ao final, não sei quem resistirá, sem lágrimas, à Revelação de tão sublime amor.
Em segundo lugar, a Escritura diz que o Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. Porém pensemos: não seria esta expressão o único eufemismo possível para englobar outras tantas atuações secretas do Espírito Santo? Será que Paulo não poderia ter dito que o Espírito intercede por nós com cheiros inebriantes? Com canções pacificantes? Com toques sutis minudentes? Com ajustes transcendentes? Com manobras periciais? Enfim, com influências angelicais nas entranhas da glândula pineal? Ora, se tudo isso pode ser pensado sobre nós, o que não devemos supor ter ocorrido com Maria? Melhor: por que tudo isso não foi o máximo em Maria?(2*) A mãe-Lógica, pelo menos, está a favor da Mãe…
Mas o problema reside exatamente aqui. O planeta perdido foi forçado a ver Maria, ora pelos olhos corporativistas do Catolicismo, ora pelos olhos ignorantes do Protestantismo. A visão ora pendia para chamar o sexo de pecado, ora para chamar a veneração de idolatria. Todavia Maria está muito acima de tudo isso! Tão acima que certamente curvou o seu próprio Filho… Se não no sentido literal, mas no bíblico “encurvado” (encurvado é o sentido original da palavra “pobre”), e Jesus certamente regozijou-se não apenas com a honra de ter uma mãe tão humilde, mas de ver nela tão grande qualidade e força a ponto de suportar dores para as quais Ele próprio pediu para passar o cálice! Saber e viver a cena da convivência diária com a vida sofrida de Maria, de ver seus cuidados maternais perpétuos, sua devoção à palavra do Filho, sua dedicação tão perfeita à religião de seus patrícios (ao ponto de mostrar para Jesus o que seria a obediência perfeita que Ele teria que demonstrar até o fim de sua vida, i.e., a obediência total que Ele devia a seu pai-carnal como ela obedecia em tudo a José em perfeita submissão), enfim, as lições de vida dela para Ele não foram apenas decisivas, mas imprescindíveis para que seu filho se tornasse homem – justamente aquele Homem em que se tornou – e o salvador da Humanidade, em modelo de obediência imorredoura. Provavelmente Maria também foi modelo de obediência até para o sacerdócio judaico, o que ajudou muito a Jesus na sua infância e juventude, dando-lhe tanto a visão das bênçãos quanto dos perigos que derivam das lideranças religiosas.
Pode-se dizer agora que, sem medo algum, enquanto um grupo briga contra a estátua de sua mãe, o outro mal vê que a estatura dela faz sombra sobre Jesus, a mesma sombra que seu Pai lhe fez baixar lá na santa fecundação (Lucas 1,35). A lição de submissão que sua mãe lhe deu ao obedecer cegamente ao marido, foi não apenas perfeita, mas exemplar, já que Jesus “só” obedecia ao Pai, teoricamente “mais fácil” de obedecer no seio da Trindade, por assim dizer. Os olhares dEle e dEla se voltam então para a sua “Grande Mãe”, o Espírito que a criou e que O gerou, desde toda a eternidade, dando a ela os atributos da mãe-perfeita.
Se um cristão chegar a achar o Paraíso monoteísta meio monótono, não mais sentirá isso no colo de suas mães, na atmosfera da “feminilidade” do Céu, capaz de comover e encantar, enfim, até descrentes. Sim, a altura de Maria pode até ter eclipsado a Estatura de Cristo com a sua sombra, e Este sem dúvida a recebeu com prazer… Afinal, aquela Sombra também é seu Pai.
CHAMADAS DO TEXTO: _____________________________________
(1*) – Esta Escola crê que para a visão de CS Lewis, Jesus já experimentou outras “descidas” a planetas perdidos (outras encarnações, nunca reencarnação!), talvez muitas, a julgar por João 21,25, “vestindo-se” da matéria dos corpos dos seres locais, tal como ele mostrou nas “Crônicas de Nárnia”, quando Cristo encarnou no corpo de um Leão, num planeta próprio de animais, e onde os seres humanos eram “intrusos”.
(2*) – É muito provável que Maria, no Reino de Deus, receba muito mais atenção e honrarias do que o próprio Cristo. Isto se dá porque Nossa Senhora, além de ter sido o dócil receptáculo terreno do Salvador, foi também aquilo ao qual Ele quis “aninhar-se”, configurando-se e incorporando-se ao conjunto da natureza humana, e perdendo, para sempre, o “antigo” rosto veterotestamentário do Deus-pai “vingativo e autoritário”, passando a ser de agora e para sempre um Deus-humano, o que não apenas coroa com privilégios inefáveis toda a raça humana, mas também cria um novo mecanismo universal de administração do Livre-arbítrio, quando o próprio Deus a ele se sujeitou irrevogavelmente. Não é à-toa que a Igreja, Noiva indifamável do Nazareno, outorgou o título de RAINHA à Maria Santíssima, e lhe pôs na cabeça uma coroa que o próprio Deus jamais retirará, e com ela passou a dirigir-se à sua Mãe como sua Majestade. Tudo isso, diga-se de passagem, tem a inspiração direta do Espírito Santo, nossa grande Mãe divina a criar e entronizar Maria.
5 respostas a A estatura de Maria é muito mais alta do que podemos imaginar