Longe de deixar uma alma no vício que mais aprecia, a estratégia satânica prioritária é instaurar o caos, no qual não haja lei nem ordem alguma, e onde qualquer opção sem controle é preferível.
A observação mais cuidadosa do mundo atual dá uma excelente visão da realidade invisível da Grande Conspiração, desejo maior do príncipe deste mundo, como alavanca para conseguir a subjugação definitiva das vontades livres dos homens, seu verdadeiro gozo escatológico. Parar para olhar as vidas de promíscuos e drogados, nesta acepção, se torna uma tremenda perda de tempo, e a rigor não leva a conclusão alguma, exceto a da destruição do Reino de Deus no Homem, ou naquele homem em particular, e isto é óbvio demais para exigir o fim da investigação.
Ruas sem sinal (trânsito sem regra), portas sem chaves, carros com direção defeituosa, boeiros de calçadas explodindo, tremores de terra, filhos desobedientes, empregados em greve nos serviços essenciais, burocracias inúteis, incoerências entre eleitores e eleitos, opiniões ilógicas, corrupções na presidência, imoralidade nas igrejas, enfim, este é quadro cuidadosamente pintado pelos demônios, combatentes do Bem desde antes da criação da matéria, com cores mais evidentes nestes últimos anos.
Até seria recomendável lembrar agora o cotidiano do Paraíso, no qual uma ordem extrema estaria supostamente em vigor, deixando a bem-aventurança eterna como uma desconfortável chatice, com homens, animais e anjos a medir limites, cuidando de “não errar” em medidas exatas, tensos com a possibilidade de ferir a ordem pétrea inquebrável, no afã de jamais desagradar um milímetro sequer da volitus Dei. Este seria o quadro pensável oposto ao caos extremo implantável no mundo (veja aqui um exemplo de caos extremo), se uma salutar visão do Reino não tivesse sido iluminada pelas Crônicas de Nárnia, do mestre irlandês CS Lewis. Porquanto ali ficou patente a noção de que Aslam não é um “pé-no-saco” e nem um desmancha prazeres, fiscalizando o passo a passo de criaturinhas minúsculas como esquilos e homens (tão minúsculos quanto), esperando flagrá-los em algum deslize para apontar culpados. Pelo contrário, a sensação geral ao lado de Aslam é a da paz, da bondade em tudo e da liberdade livre de medos, embora ali ninguém aja irresponsável ou maliciosamente.
Não há, também, qualquer sinal de desordem no Céu, e a limpidez de tudo aponta para uma administração perfeita, onde nada se altera para ficar fora do lugar, exceto aquilo cuja alteração não prejudica ninguém. É como uma casa em ordem, cheia de crianças ordeiras mas felizes, podendo curtir todos os bens dados por pais ordeiros. Neste sentido, configura-se numa utopia absolutamente inalcançável na Terra, uma vez que a organização completa depende da não existência de nenhuma laranja podre dentro do cesto, e a pureza geral só será alcançada após o Juízo. Claro que há pessoas, famílias, lares e empresas ordeiras em Tellus, porém são exceções de ouro, incapazes de resistir a uma análise mais minuciosa ou ao esmeril do tempo.
Ao contrário, o padrão do mundo é a desordem. É nela que mora o perigo, a angústia e toda a vontade do inimigo, pois nada há no universo mais desmoralizador e desanimador do que encontrar uma sociedade onde nada funcione direito, ou tudo seja procrastinado. Satanás sabe que inaugurar e manter em Tellus uma terra-sem-lei é o requisito essencial para desmoronar todas as obras de Deus, cujas tarefas e materiais estão postos e pressupostos para funcionar direito, e fazer o direito funcionar. Não havendo ordem, todas as instruções para garantir a paz e a ética são postas em dúvida e geram desleixo, e por isso os países do Terceiro Mundo são modelos em miniatura de uma parte do inferno onde ninguém obedece nada, nem mesmo os seus próprios desejos (então já subjugados subliminarmente pela vontade que os engoliu). Aliás, discuto o assunto com mais vagar em um livro que escrevi sobre Nossa Senhora, mostrando que o desejo secreto de satã, a rigor, nunca foi nos fazer imorais, mas sim infelizes (acesse o livro NESTE link).
Como a Escritura induz a pensar que tanto o Céu quanto o Inferno começam na Terra, então há uma pedra-de-toque muito especial para ser sacada, e ela é posta assim: “onde quer que se imiscua um sinal de desânimo para com o agir correto, ou uma preguicinha para com uma instrução de Deus, ou um desleixo qualquer para com uma regra do lar, podemos ficar convictos de que o inferno começou ali, e, a menos que façamos algo em contrário, ele vai se encorpar gradativamente e ganhar força, até não encontrar mais oposição”.
Isto explica e explicita bem o estado atual do mundo! Com efeito, quase não há mais lugar no planeta onde se veja a ordem vencer a desordem, a lei vencer a corrupção e o honesto vencer o enrolão. Quase não há mais uma criança obediente em lugar nenhum e também pais que ainda tenham ânimo para estabelecer limites, o que leva ao retrato exato das famílias desestruturadas de hoje, sem considerar famílias que nem parecem mais famílias (onde existem dois pais, duas mães, incestos, pedofilias e promiscuidades consentidas). Um ataque de incoerência fica evidente quando lemos livros como “Cartas do Inferno”…
Ali está a desordem em seu mais refinado sentido. É este o mote e a mola-mestra desejada pelas trevas, as quais desejam não a pura desordem em si, mas a libidinagem encorajada por ela, pois a imoralidade total – a ausência de moralidade – é também uma ausência de comando. Ninguém que assuma responsabilidades se dá a compactuar com comportamentos vazios de sentido, e até na hora do clímax, o homem mais lascivo pensa em algo mais concreto após uma relação sexual (mesmo que seja uma noite de sono). O prazer pelo mero prazer só reside por alguns segundos na sedução e por alguns segundos após o ato, e isto explica porque os corpos humanos precisam comer, e comer exige trabalho, e trabalho toma tempo. Não há, mesmo num inferno consumado, ocasião para o desfrute eterno de prazeres (con)sensuais, pois o prazer da mente dominante nunca abre brecha para outra mente, e esta míngua eternamente no vazio (dizem que o vazio também dá prazer, mas ninguém consegue capturá-lo, tal como jamais se pode saber o sabor do veneno por quem se suicidou com ele).
O leitor é chamado a ver mais uma vez que tudo no lado negro é o oposto do lado branco, por assim dizer. Tudo no reino infernal da desordem é o contrário do que ocorre no Reino de Deus, onde reina a ordem e a paz. Nem chega a ser um susto descobrir, de repente, que “para o diabo ser feliz” (ele nunca é; pelo contrário, num sentido é 100% infeliz), basta a preguiça da desorganização! Assim e para nossa perplexidade, toda a luta de Deus é para fazer o Homem voltar a ser igual ao Nazareno, isto é, alegremente ordeiro, mesmo numa casa pobre, mas vivendo uma organização séria e descontraída com a única regra eterna: a humildade feliz de sua família.