Como a modernidade pretende acabar com o drama dos obesos sem confessar a extrema infelicidade de quem terá uma vida muito mais difícil após a cirurgia.
Observem esta auto-entrevista concedida por Lewis a ele mesmo. É um monólogo por isso, mas é um diálogo na verdade, entre seu corpo e sua alma. Inspirem-se nele.
É verdade que a História sempre registrou a existência de obesos, e por isso a rigor nada há de “novo” na estatística da obesidade, exceto o fato de que nos dias de hoje isso virou pandemia, por culpa da vida desregrada que a pós-modernidade entendeu como sinônimo de liberdade e felicidade. Em nome desses valores (impostos ditatorialmente), tudo o mais foi jogado no lixo, e pouco importa o quão infelizes fiquem os indivíduos – os outros –, contanto que o ego humano esteja saciado com sua “felicidade” a qualquer custo. Esta foi, com efeito, a base fabril e febril do conceito de Edonismo que domina todas as áreas do cotidiano atual, através da qual todos os alimentos tiveram que se adaptar às novas exigências de sabor ou simplesmente sumir dos cardápios. Aqui está a raiz ou o estopim da obesidade epidêmica.
O problema, portanto, é muito anterior à obesidade, e nenhuma cura poderia ser sugerida sem a consciência de um problema muito antigo, que advém do âmago da alma humana, a saber, a busca da felicidade nas miragens enganosas do prazer.
Criada para ser feliz na condição de dependência da perfeição do Criador, a alma humana pôs tudo a perder quando imaginou – auxiliada por alguém ainda mais auto-iludido – que a felicidade infinita poderia existir longe do Amor infinito, ou que uma semi-felicidade tivesse sido concebida para satisfazer semi-pessoas. Com efeito, Deus nunca pensou em imperfeições felizes, e jamais planejou qualquer item de sua criação cuja satisfação estivesse nessas traquinices humanas. A mente perfeita só concebe a felicidade perfeita em seres perfeitos, o que a rigor é a única forma possível da felicidade propriamente dita, em qualquer sentido. Ser meio-feliz ou gozar prazeres imperfeitos nunca foi moeda de troca com a lógica divina, cujo coração jamais se contentaria com um “meio-amor”.
Assim sendo, foi este princípio lógico que norteou toda a obra da Criação, e a alma humana foi criada para gozar a perfeição, conquanto a liberdade concedida fosse utilizada para o Bem comum, condição sine qua da própria validade da existência. Iludida na caminhada, a Humanidade trocou a proposta original de felicidade infinita e por um semi-prazer ligeiro (“um guisado de lentilhas”, como lembrou CS Lewis), curtido sob a ilusão da liberdade total, que só existia em consonância com o Criador da própria capacidade de sentir prazer.
No meio do caminho, os “prazeres” foram se sucedendo aos borbotões nos corações desviados do plano original de Deus, numa série quase infinita de sugestões cada vez mais frustrantes (tanto mais sedutoras quanto menos duradouras) e a sua escalada – a começar do sexo – veio desembocar na gula, que modernamente foi reconceituada para expressões como “excessos da boca”, ‘maus hábitos alimentares’ ou simplesmente “má-alimentação” – i.e, comer muito ou comer aquilo que não alimenta bem, contribuindo mais para engordar do que para nutrir.
O problema é que quem foi por este caminho, o do prazer de comer, acabou seguindo apenas o faro do prazer, e não o da quantidade ideal de nutrientes para a saúde do corpo, que geralmente só volta à consciência quando alguma doença aparece. Isto explica porque a pós-modernidade vive a desesperada “febre do sabor”, ou seja, a moda – já dominante do subconsciente – de que o que se deve buscar à mesa é o prazer de comer. Daí que as festinhas, as amizades, as reuniões – inclusive de trabalho – os encontros (sobretudo noturnos ou de fim de semana) e até os namoros, devem incluir sempre o ‘comes e bebes’, pois sem a boca cheia tudo perde o seu valor. Neste sentido, o prazer de comer – a antiga gula, que era entendida como um descontrole dos apetites – ganhou disparado de todos os outros prazeres, dado o lugar constante de sua presença em qualquer ocasião, lugar este que não se pode dar sempre ao sexo, até porque não se pode fazer sexo o tempo todo e em todo lugar!
Logo, hoje em dia acorda-se e come-se, senta-se e come-se, trabalha-se e come-se, almoça-se e come-se, descansa-se e come-se, despede-se e come-se, retorna-se e come-se, janta-se e come-se e deita-se e come-se! (durante os dias úteis). No fim de semana, faz-se tudo isso e come-se, e ainda se convida para festinhas e encontros e come-se à vontade, pois tudo gira em torno do ato de comer. E se esta onda louca atinge a quem supostamente ainda não foi contagiado pela entronização da comilança, ela contaminou pesadamente as almas cuja fome de ser feliz foi conduzida – pela genética ou pelo espírito – para um número maior ou por um número maior de sensores nas papilas da língua ou da boca, o que acabou por se traduzir em vício de comer, vício que faz comer mesmo sem necessidade do corpo. E pior, quando o vício se instala (e geralmente o faz já na infância), ele também se distribui pelos campos da alma independente da quantidade de alimentos ingeridos, o que explica porque gente que come pouco pode se tornar obeso!
É aqui que começa a aparecer a terrível “solução” da cirurgia bariátrica. Terrível porque não garante cura definitiva ou mesmo eficaz, e a sua própria lógica não convence aquele subconsciente já viciado de que diminuindo “o depósito” de comida, entrará menos comida pela boca! Ora, o gordo sabe que não foi o montão de comida que lhe fez engordar, mas a quantidade de vezes que seu cérebro foi obrigado a ‘engolir’ a ordem de “coma isso, coma aquilo, coma mais, prove isto, prove aquilo, etc.” (naqueles que engordam por quantidade, o cérebro foi obrigado a engolir somente a frase: “ainda cabe mais, então engula!”).
Logo, se o gatilho da obesidade está na mente obrigada a entender-se num corpo entupido de coisas que ele não precisava, e depois disso a ver-se no espelho como gordo mesmo, não poderá ser uma cirurgia de redução de estômago que porá a roda para girar ao contrário! Pelo contrário, a mente poderá até rir da alma! E dirá: “Então você se viciou num excesso desnecessário e agora acha que vai emagrecer simplesmente por golpear uma área de seu corpo que não tem nenhuma culpa pelos seus excessos? Ou você pensa que com um estômago pequeno o seu vício de comer pouco ou de provar tudo vai convencer seu subconsciente de que você não é gordo? Ora: você ficará muito pior, pois terá um depósito menor para seu prazer e ainda voltará ao velho drama, i.e, engordar comendo pouco – sem contar que na velhice estará com todo o seu metabolismo fragilizado e mais propenso a pegar outras doenças que não teria com seu estômago original” (é duro ouvir tudo isso, mas que o leitor receba como um desabafo). Lewis um dia cunhou uma frase-bomba sobre este ponto: *.
Com efeito, para não ver apenas o lado negativo da cirurgia, é preciso dizer também que tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus (Rm 8,28), e que portanto a redução do estômago implica num compromisso sério do cristão obeso com seu Deus, o qual é Senhor das alianças e das missões assumidas a dois, deixando um caminho de sucesso para quem quer que se comprometa com Ele numa obra de responsabilidade! Isto significa que se o cristão obeso fizer a cirurgia e cumprir “todas as determinações de segurança da equipe responsável pela intervenção”, e for fiel no cumprimento das regras e regimes impostos para o sucesso da operação, então ouso aventar a hipótese de que a cirurgia pode ser um grande bem, e levar alguém de fato a uma espécie de ressurreição ou milagre, voltando a ter saúde num nível bastante razoável.
Todavia, mesmo assim, nada impedirá a pergunta incômoda: “ora, mas se era para cumprir regras e regimes rigorosos após a cirurgia, por que não tentar tais regras ANTES da mesma? Ou seja: se uma alma é capaz de seguir a risca dietas exigentes após jogar fora parte sadia de seu corpo, por que não tentar cumprir regras com o corpo completo?”… Eis a questão: ser ou não ser…
3 respostas a Cirurgia Bariátrica: Um compromisso com Deus