Com esta declaração pontual de Lewis, ele se põe entre os cristãos, mas sem jamais assumir qualquer denominação religiosa, nem mesmo a sua própria. Afirmar que ele seja um protestante, à luz das profundas semelhanças do anglicanismo com o catolicismo, é querer tapar o sol com uma peneira.
Um drama colossal se coloca para quem se aproximar de Lewis. Um mistério que vai perdurar per saecula saeculorum, porque, invariavelmente, todo acesso a Lewis é feito por intermédio de uma editora, e a sua origem eclesial, a sua inspiração teológica e o dinheiro que a patrocina preponderarão sobre quem vender, comprar e, sobretudo, sobre quem ler as obras por ela publicadas. Eis aí o nó cego oculto que incapacita toda a cristandade de receber, de Lewis ou de qualquer outro, as idéias originais de quem pregar uma teologia “diferente” da corrente, ou das denominações que dominam o chamado “mercado da fé”.
Citando a guisa de exemplo, ninguém jamais saberá a origem espiritual de um “James T.”, simplesmente porque as editoras católicas ou evangélicas que lançaram seus livros, sempre o publicaram como um autor católico ou evangélico, que crê e prega como eles e assim cada grupo o encara como um “aliado”, por assim dizer. Nem mesmo o seu biógrafo escapa deste drama, pois ele próprio insinuará que seu biografado pensava de certo modo e tinha um conjunto de crenças como o dele, com insignificantes diferenças tratadas en passant ou com indisfarçável menosprezo. Assim, um Ellacombe, um Ellul ou mesmo um Carpenter sempre serão filhos da fé de seus divulgadores, e por estes modos a verdade é sempre a grande vítima na História.
E se esta verdade se faz tão eloqüente em relação a um Morgan, ninguém estará mais implicado por este fenômeno do que um CS Lewis, justamente porque a palavra de Jack é tão contundente e definitiva que padre ou pastor algum se sente seguro e feliz tendo um Lewis a falar algo “diferente” de seus ensinos. Assim a estratégia é sempre das duas uma (dependendo de o pastor/padre conhecer Lewis: pasmem, alguns nunca ouviram falar dele!): então se dá ora a omissão pura e simples de Jack – levando a uma perigosa ignorância da verdade – ora a manipulação do que Jack ensinou, como se ele fosse um pregador daquela igreja em particular.
Portanto e com efeito, não admira que Lewis seja uma espécie de “João Batista pregador no deserto”, ao qual o povão acorria de longe, mas jamais os mestres e escribas. Estes só o ouviam quando era necessário “o apoio” de João para alguma lei ou regra de contenção que queriam impor ao povo, porque temiam o povo. Mas a verdade verdadeira só João tinha. Os mestres poderiam inventar que João pregava o Judaísmo deles, pura e simples, mas somente João pregava a verdade, nua e crua. Temo que é isso mesmo o que ocorre com CS Lewis…
…Hoje em dia temos acesso imediato a inúmeras mídias que expõem Lewis de todos os modos, em livros, vídeos e áudios os mais diversos. A maioria das mídias, entretanto, é evangélica (no sentido protestante) e algumas poucas católicas, naqueles nichos editoriais e eclesiais que tiveram a sorte de conhecer Lewis. Inobstante, quando vamos ouvir seus representantes tratar do pensamento de Jack, o que se vê é um pregador – ou um grupo – a falar de Lewis como se ele cresse exatamente como o grupo crê, ipsis literis; e quando algo foge à regra, os pontos diversos são omitidos ou manipulados para parecer que Lewis era um protestante como eles. Não há exceção aqui. Isto é uma pena para aquele pobre leitor que teve a bênção de enxergar os pontos divergentes, e a partir dali não poder mais tratar o caso com seus irmãos correligionários. Quando o faz, ouve coisas como: “Lewis interpretou errado as Escrituras”; ou “Isto é coisa do folclore e da cultura britânica”; ou “Isto é influência do catolicismo anglicano”; ou “Isto faz parte das dúvidas que o próprio Lewis alegou que tinha”; ou, pior, “isto é ignorância de Lewis, porque ele nunca fez um curso de teologia”; e, no desespero, “nossa igreja só se interessa pela Bíblia” (que Bíblia?)…
Enfim, aí está o nó cego dentro do labirinto que se formou a partir da contundência da visão de Lewis, a qual escancarou a teologia cristã como jamais se fez, para temor e tremor de toda a cristandade. Deve-se admitir, portanto, que a Humanidade vive um momento palpitante e problemático, no qual os filhos de Deus, espalhados por inúmeras denominações cristãs, estão às voltas com “um novo João Batista”, pregando o puro Evangelho do Reino, ao ponto de lhes apresentar até mesmo uma visão clara do Reino, com detalhes nunca antes fornecidos, e explicando os destinos humanos à luz de involuntárias omissões do Cânon.
“Digo-vos, ou melhor, eu vos digo o que é o Cristianismo! Não o inventei”. Ele quis dizer: “Ouvi-o de Deus” (i.e., “eu o ouvi de Deus). Quem quer que tenha lido pelo menos um livro de Lewis, poderá sacar esta declaração nas entrelinhas, ou até nas linhas, se ler um livro como “Cristianismo puro e simples”, que não tem nada de simples. Todavia verá claramente que o que Jack pregava era “o” Cristianismo, e não uma doutrina protestante ou católica. Logo, todos os outros, dentro ou fora das denominações cristãs, deveriam estar de acordo com isso, se é que pretendem agradar ao seu Deus. Estava claro que Lewis pregava aquilo que nenhuma igreja deveria desconhecer ou omitir, pelo contrário, devia ter como regra central da Revelação de Deus. Por que Jack prega O Cristianismo e os outros não? Ninguém disse isso, mas se fôssemos responder esta pergunta de modo completo, a resposta não caberia nem num livro inteiro. Por tudo isso, dizemos que o leitor deve procurar ler, o quanto antes, todas as obras de Lewis, antes que sua denominação tenha avançado tanto no direcionamento proselitista que a verdade não possa mais ser vista em sua nitidez.
Como esta Escola explicou no post passado, ainda dentro da SEMANA LEWIS, o lugar ideal de posicionamento da Teologia Lewisiana deveria e deve ser galgado à condição mais preciosa para o Cristianismo, aquela que a este vem salvar das inconsistências seculares das interpretações vigentes, quase sempre proselitistas ou motivadas pela política partidária de cada denominação, independente do prejuízo que tal conduta provoca no discernimento das almas. As igrejas, afinal, querem quorum, casa cheia, gordas finanças, e a qualidade superior da estatura de Cristo que se lixe, ou fique reservada para obra do próprio Deus, após o fim desta vida. O resto pode ser enxotado como heresia.