Entrevistas

ENTREVISTA 1:

Entrevistado: José Costa Matos

Costa Matos Entrevista4Publicada no Jornal O POVO, de 20 de novembro de 1977. A EAT oferece esta preciosidade aos seus alunos e fãs de Costa Matos, in memoriam.

[Abre aspas]: BALAIO traz hoje uma entrevista singular. O entrevistado é o versátil professor Costa Matos, que acumula funções de mestre da UNIFOR (ensina Literatura e Língua Portuguesa), escritor, filósofo, poeta e funcionário público.

Dez de seus alunos (JV de Miranda Leão Neto, Luis Carlos Gomes, Isaías Henrique de Lima, José Ferreira Martins, José Maria Soares Sales, José Roberto de Alencar Lopes, Learth P. Lira, Fátima Maria Freire, Roberto Correia São Thiago e Marilene Munguba) o entrevistaram, numa sabatina que incluiu de literatura a religião, passando pela pedagogia e pelo comportamento. O resultado é o que apresentamos a seguir.

COSTA MATOS, para os que não conhecem, é o autor de dois livros de poesia já publicados (“A Viagem” e “Pirilampos”) e tem um no prelo (“O sono das respostas”). Escreveu também “O enfoque Sócio-Econômico do Problema Tributário” (é funcionário da Receita) e o seu livro de contos “Marcelino Calça Preta”, foi agraciado, no Rio de Janeiro, com um primeiro lugar num concurso de contos. Vamos ver o que o professor Costa Matos tem para nos dizer.

A ENTREVISTA

1 – JV de Miranda Leão Neto: Como você explica a alegria e a paz que emanam de você?

– COSTA MATOS – Encontrei meios de alcançar a compreensão da unidade universal dentro do plano de Deus. Vejo, positivamente vejo que a realidade é um continente com muitos países. Assim, há uma realidade para ser conhecida predominantemente com a razão. E ela se chama ciência. Há outra para ser descoberta com o nosso faro de beleza, e é a arte. Há outra para ser sondada com as antenas da nossa fé, e é o mistério. E há uma realidade total que só se entende com muito amor. Ora, eu penso e sinto e creio e amo. Está na moda a concessão de títulos de cidadania aos forasteiros que se revelam bons ou úteis? Pois eu recebi as bandeiras de todas essas pátrias. Estou seguro e alegre em todas elas. Quero que todos saibam que isto é humano e possível, mas cada um tem que descobrir o seu caminho no mundo. Há caminhos tão estranhos, que os viajantes preconceituosos refugam logo aos primeiros passos. E se perdem, porque ninguém por perto sabe dizer que vale a pena ter crença na estranheza.

2 – Luis Carlos Gomes: Por que se expressa, nas aulas e nos poemas, como se você estivesse impedido de falar tudo?

– COSTA MATOS – Pressinto que nem tudo pode ser dito a todos. Cada um de nós tem o seu nível de entender um livro ou uma palavra. Para evitar malentendimentos, fique bem claro que ninguém, até hoje, se aproximou de mim para dizer que devo falar mais baixo. Sempre tive a liberdade de que preciso.

3 – Isaías Henrique de Lima: Suas aulas e suas poesias nos demonstram uma fé infinita. Quando ela nasceu e em que se fundamenta?

– COSTA MATOS – Minha fé continua nascendo… A fé, como tudo neste mundo, é cumulativa. Para quem tem muito dinheiro, é facílimo ficar mais rico. À medida que o avião sobe, o vôo vai ficando mais leve. As pessoas que afundam no infortúnio tendem a ficar mais amargas, até a perdição total, se não for quebrado o processo acumulador de insatisfação. Acredito na graça de Deus, esse tema de tanta vergonha para os espíritos que se dizem modernos e são apenas positivistas… O dia-a-dia confirma invariavelmente, as visualizações da minha fé e, por isso, ela adquire um dinamismo que quase me espanta. Mas isto é assunto para teólogos. Eu não sou teólogo.

4 – José Ferreira Martins: Quem foi Jesus Cristo para você?

– COSTA MATOS – Meu Mestre. Aquele que, no tempo de Simão Pedro, como agora, tem “palavra de vida eterna”. Jesus Cristo é: há um equívoco no passado do verbo empregado na pergunta.

5 – José Maria Soares Sales: Cite o melhor escritor português de todos os tempos, um brasileiro do passado e um atual.

– COSTA MATOS – Em Portugal, Eça de Queiroz. No Brasil, Machado de Assis e Graciliano Ramos. Você me permite apontar um poeta que nunca foi estudado neste País e que é um mestre de beleza e de vida? Raul de Leôni. Quanto se aprende no livro único desse poeta de trinta e um anos! [Em particular, Costa Matos citou também Luiz Carlos Lisboa, como um dos melhores escritores brasileiros de todos os tempos – Nota do revisor].

6 – José Roberto de Alencar Lopes: Se você tivesse que fazer uma modificação no Ensino atual brasileiro, qual seria?

– COSTA MATOS – Com muita utopia na pretensão, a mudança de quase tudo. Para isso, uma reordenação dos valores desta civilização. As preocupações monodimensionais do tempo esbarram, sempre, no econômico: mais recursos orçamentários, melhor remuneração para os professores. Essa visão marxista da Educação não tem soluções globais. Dentro da dinâmica social, há uma infinidade de valores interagentes. Sem amor ao magistério, por exemplo, um professor pode centuplicar o seu salário e continuará ensinando apenas a sua pobreza espiritual. Mas, diante do complexo problemático da Educação, fiquemos com a modificação unilateral pedida: é tempo de podar a “superstição do curriculum vitae”. Há profissionais do magistério que possuem um monte de diplomas e não conseguem ser professores na sala de aula. Para não aterrorizar os que só pensam o que já foi pensado por estrangeiros, aqui vai o exorcismo: esta posição é de Alvin Toffler. Melhores salários? Eu também quero. Mas quero muito mais do que isso. Muito mais.

7 – Learthe P. Lira: Você tem “uma sabedoria à parte”. Além de seus estudos, leituras e vivências, de onde provém a maior parcela de tudo que você aprende?

– COSTA MATOS – Se eu não houvesse prometido responder a todas as perguntas… Muito bonita, mas muito estranha a afirmação de que tenho “uma sabedoria à parte”. Eu não poderia confirmá-la. Ou então não tenho uma boa percepção de mim mesmo. Tudo que sei é o resultado de colheitas que faço naqueles países integrantes do continente da realidade. Em cada um deles, vivo mais intensamente o verbo mais próprio: penso, sinto, creio, amo. Além disso, quero muito bem a quem me dá uma lição de humildade. Porque o orgulho é a burrice das pessoas inteligentes…

8 – Fátima Maria de Souza Freire: O que você acha que ocorrerá, na verdade: haverá menos ou mais fé nos homens do futuro?

– COSTA MATOS – Há sinais de que vem um dia novo por aí. Os jovens procuram a poesia e se voltam para Deus. A corrida do ouro está cansando a todos: cansam os ricos e cansam os pobres. O racionalismo pretendeu ser a luz do mundo e só conseguiu descer esta noite sobre as esperanças humanas. Quem não vê a inquietação dos povos ricos? Mas está amanhecendo, com poesia e com fé. Com a beleza e com Deus.

9 – Roberto Correia São Thiago: Sobre as chamadas “perguntas primárias” do Homem, responda-nos: quem é você? Que faz no mundo? De onde vem? Para onde vai?

– COSTA MATOS – Se você cavar mais fundo nas palavras que falei, nesta entrevista, vai encontrar as respostas que posso dar a essas perguntas. Não é muito, mas quem pode saber tudo isso?

10 – Marilene Munguba: Se o mundo o escutasse agora, que mensagem lhe daria você?

– COSTA MATOS – Nenhuma. O mundo não sabe escutar. Não se salva o mundo. Prefiro dizer a quem se aproxima de mim: – Você não sabe que há um telefone tocando junto ao sono de sua alma?

[Fecha aspas]. ____________________________________________

Jornal O POVO, de Domingo, 20 de novembro de 1977 – Caderno Fim de Semana, pág. 6.

Entrevista gentilmente concedida por aquele que foi o nosso mais inspirador mestre brasileiro, e do qual tivemos a honra de conhecer e conviver longos anos de profícua amizade.

Digitalização e revisão: JV.

ENTREVISTA 2:

O Paparazzo e Dona Saúva

Kid Papus e Saúva PorcristusEra uma vez uma formiga operária chamada Saúva Porcristus. Como o seu nome indica, ela era uma tremenda trabalhadora de todas as horas (como o povo diz, “pau pra toda obra”), além de ser uma serva de Jesus, salva pelo sangue do Cordeiro derramado na cruz.

Um belo dia ela ia atravessando uma grande ponte (na verdade o enorme tronco de uma árvore caída na floresta) e, no meio do caminho, pousou um grilo falante com crachá de jornalista cristão. Como ele já vinha de microfone ligado, dona Saúva imediatamente soube que ele queria fazer-lhe mais uma das suas intermináveis entrevistas, que a floresta inteira já conhecia. Assim sendo, ela deixou claro para ele que aquela seria uma entrevista curta, pois ela estava com pressa para um serviço de emergência no formigueiro da cidade.

Então começou o grilo (cujo nome era Kid Papus):

KP – Dona Saúva. Estamos publicando uma entrevista com crentes num grande jornal nacional e o seu nome foi escolhido por sabermos que você é uma cristã genuína, que além da fé inabalável em Cristo, tem também um dos melhores testemunhos de vida entre os salvos por Jesus. Então, a Sra. aceita conceder uma palavrinha para o nosso jornal?

SP – Sim. Claro. E alguma vez alguém pode recusar-lhe uma entrevista?…

KP – Pois bem. Trata-se da simples pergunta: a Sra. diz que está salva. Então explique: por que você está salva?

SP – Em primeiro lugar a pergunta não é simples, e por isso minha resposta também não vai ser simples. Eu estou salva porque Deus me ama.

KP – Mas, é só isso?… Ora, se é só isso, então TODOS estão salvos porque Deus ama a todos!

SP – Sim. Deus ama a todos. Mas você não deixou eu completar minha resposta. Eu estou salva porque Deus me ama e porque eu amo a Deus!…

KP – Ah! Êpa! Espera aí: mas como o seu tão minúsculo coração pode significar alguma coisa para Deus, já que Ele não precisa de nada e muito menos de nós pobres mortais? (Ora, se o maior de todos os amores angélicos não passa de uma migalha insípida para Deus, como o amor frágil e até certo ponto imundo de uma formiga poderia ajudar na sua salvação?)…

SP – É justamente aí que a barata se esconde! E só posso explicar a sua ignorância por um erro lógico de sua teologia. Veja. Deus é, além de onipotente, onisciente e onipresente, o grau mais elevado, aliás, o infinito, da humildade! E então cabe a você me responder agora: O que interessa infinitamente à humildade perfeita?

KP – É. Creio que estou começando a ver agora. A humildade perfeita não se interessa por pompas e templos suntuosos, feitos por mãos humanas! Tá escrito no início do sermão profético.

SP – Sim. A humildade infinita prefere uma igrejinha pobre e mal pintada. Assim, ela se compraz perfeitamente com amores frágeis, pobres, precários e sem brilho, do tipo que homens ricos e anjos rebeldes desprezariam. Então posso dizer que Ele se alegra de receber o mínimo de quem só pode dar o mínimo, mas faz desse mínimo a alavanca do ágape e o vínculo da perfeição! É muito diferente de quem pode dar mais e só dá o mínimo: Não estou falando disso. Estou mostrando que o gigantesco amor do coração de um anjo, que tem tanta luz que ilumina seu sidéreo inteiro, tem o seu lugar e é bem-vindo com toda alegria; mas o tênue amor do coração de uma pulga, cuja luz é tão ínfima que aparenta externar o inferno, satisfaz de modo particular o infinito coração, pois a ausência total de arrogância na alma de Deus fá-lo desejar ser amado por débeis criaturinhas como pulgas e formigas. É a mesma coisa que acontece com o louvor. Você pensa que os louvores das grandes orquestras de adultos “tocam” mais a Deus do que o louvor baixinho e desafinado de um menininho pobre que mal sabe falar? Ora; pense em qual louvor agradaria mais a humildade infinita! Você já havia pensado nisso?

KP – Puxa! É verdade. Então Deus também leva em conta o nosso amor?…

SP – Claro! É a única parte que nos cabe! Pois isto faz parte da “mecânica” ou da infraestrutura do amor, que não satisfaz quando não é recíproco. Um amor sem liberdade não pode ser amor, e só a liberdade dá ao amor uma qualidade do próprio Deus, que é a voluntariedade. Deus não desejaria nem veria valor algum num amor escravizado, que o amasse por obrigação. Então, quando amamos a Deus estamos dando a Ele a única coisa que Ele não teria se não existíssemos ou se não fôssemos livres. De fato, Ele não precisa de nada, de absolutamente nada, mas por seu infinito amor e humildade, passou a desejar receber algo que Ele só teria se viesse de uma criatura, e de uma criatura livre. Portanto em nós se realiza a perfeita exceção cósmica, pois somos a única coisa que Ele deseja e que não pode realizar sozinho!… Você enxerga um milagre maior do que Ele nos criar com Livre-arbítrio?

KP – Mas os cristãos vivem dizendo que a salvação depende apenas dEle; e também está na Bíblia que todas as nossas obras são trapo de imundícia!…

SP – De fato, nada que eu faça alcança a infraestrutura de Deus. Neste sentido, tudo o que eu faço é realmente inútil. Mas Ele tinha um desejo e um objetivo maior ao planejar a Criação: ser amado por alguém que não fosse Ele mesmo. Então, como esse amor poderia se realizar, a não ser vindo de fora dEle, por alguém que O amasse espontaneamente? Ou então, como esse amor poderia se traduzir, a não ser em atos exteriores a Ele? Não foi Ele quem disse que uma árvore boa produz bons frutos?… Mas cuidado! Veja que a árvore boa vem antes dos bons frutos! Assim sendo, é preciso que cheguemos a ser bons por dentro para poder darmos a Ele o amor que Lhe vale a pena. Os frutos nada são sem a árvore boa.

KP – E como se tornar uma árvore boa? Alguém pode se tornar bom apenas pela fé?

SP – É aqui que a coisa “pega”. Eu lhe disse que não poderia lhe conceder uma entrevista maior porque estava com pressa. E avisei também que a resposta não era simples.

KP – Mas, por favor! Só essa. Por favor. Prometo encerrar aqui…

SP – Uma árvore não se torna boa facilmente. Comece lembrando que quanto mais alta a árvore, maior a queda. Quando nós pecamos, caímos tão fundo no lamaçal da presunção que seria preciso Deus anular a lei do Livre-arbítrio para impedir a nossa ‘desintegração’ ou atrofia anímica. Mas Ele não faz isso. Ele não desobedece as próprias leis que cria. É o pecador quem precisa, voluntariamente, dar a si mesmo as condições de qualidade necessárias ao amor desejável por Deus. Então ele precisa ir nutrindo sua alma das virtudes que a qualificam até alcançar o ponto onde consiga amar a Deus com o ágape, e esta “nutrição” se dá pela transformação do coração de pedra em carne.

KP – E como se transforma pedra em carne?

SP – É preciso ser algo diário, sequenciado e contínuo, até “viciar” a alma na prática das virtudes, de tal modo que ela, enfim, se torne boa, de tanto praticar a bondade. E só há um meio de fazer isso: é tomando as decisões certas na vida, ou melhor, é fazendo as boas escolhas que o destino oportuniza a cada alma, ao invés das más escolhas. Assim, desta feita e com efeito, aquele coração vai ficando a cada dia melhor, a cada dia mais semelhante ao seu salvador, até ao ponto de retribuir-LHE o amor que fez valer todo o sacrifício da cruz!… Você compreendeu agora?

KP – Sim. E me dou por feliz… Feliz de poder ouvir isso neste mundo, pois o que se ouve por aí a 3×4 são os defensores das boas ações dizendo que as obras salvam e os defensores da fé dizendo que a Graça dispensa o amor a Deus! Sim. Só agora começo a entender porque a Escritura diz que “o amor cobrirá multidão de pecados” e porque Jesus disse “àquele que muito amou muito se perdoará”. Esta entrevista foi a melhor de todas! (porque ela vai aferventar as discussões que meu editor pediu para o nosso jornal). Muito obrigado por dar-me um pouco do seu tempo e sabedoria, e me perdoe por retardar a sua tarefa. Tudo de bom, siga em paz, e até outro dia.

SP – Ok. Eu também lhe agradeço. Fique com Deus. Tchau-tchau.

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Entrevista ficcional sobre a doutrina da salvação, inspirada a partir do pensamento de CS Lewis expresso no livro “Cristianismo Autêntico”.

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