(“QUEM SERIAM HOJE EM DIA AS PEDRAS NO CAMINHO DE JESUS?”)
Ele foi a voz no deserto, aquele que endireitou e aplainou os caminhos do Senhor, preparando-lhE terreno fértil para a semeadura da Verdade que salvaria o mundo.
A “pseudo dominação do Sagrado”, representada por todas as instituições religiosas que “organizam” a fé, constituem-se, hoje, no maior inimigo da espiritualidade e da salvação das almas. Chamo “pseudo” porque não há como dominar o Sagrado, por óbvio, ficando subentendida, na expressão, o controle ditatorial de todas as formas de culto pelos “homens do sagrado”, o clero ou as lideranças religiosas das inúmeras denominações da modernidade. Com tais “controladores” de plantão, sem dúvida, fica impossível a qualquer cidadão ocupar o púlpito por algumas horas, mesmo sendo um bom teólogo ou evangelista experiente, sobretudo em igrejas que impõem um sacerdócio ordenado, como o Catolicismo Romano.
A ideia de que Jesus teria remado contra a correnteza do Espírito Santo – que sopra aonde quer – e de seu próprio Pai, impondo ao mundo engolir uma única liderança eclesial e uma única forma de culto, deveria saltar aos olhos de todos os credos existentes, seguindo a lógica do Livre-arbítrio e o bom senso salvador do pensamento humano. A lógica de um mundo decaído e mergulhado em todos os tipos de pecado (nos quais a pedofilia do clero chamará mais atenção), deveria levar os cérebros pensantes de cada religião a oferecer sempre uma opção a mais para salvar as almas, na medida em que veiculassem a fórmula salvadora do Cristo (o amor ao próximo), que é universal e independente da cultura e até da “religião” reinante no lugar.
Assim, pela lógica, deveriam existir cultos livres, onde a ‘gloriosa liberdade dos filhos de Deus’ se fizesse presente, em grandes salas de debates, tal como cresceram mentalmente os gregos com as discussões filosóficas nas praças públicas e nos “areópagos da vida”. E nem precisava haver conflitos ali, porquanto o clima de aprendizado, auxiliado por ótimos recursos audiovisuais, bastaria para gerar motivação, entusiasmo e pesquisas multidisciplinares, únicas capazes de ajudar a compreender os inesgotáveis mistérios do universo. E mais, deveriam estar ali também astrônomos, historiadores, psicólogos, filósofos, biólogos, etc., todos com participações empolgantes em suas respectivas áreas de atuação, com contribuições além da Ciência Oficial e muito aquém do que puderam enxergar os mais brilhantes teólogos. Eis aí um quadro de como poderia estar o mundo moderno, moralmente perdido, mas espiritualmente sadio, sem nunca matar a esperança e o otimismo.
Infelizmente, nada disso ocorre hoje em dia. Talvez ocorra (in)justamente o contrário: por medo de perder seguidores ou por desejo proselitista de angariar segurança patrimonial e financeira, as lideranças (muitas biônicas e/ou impostas) se fecharam cumulativamente sobre seu próprio modo de interpretar as Escrituras Sagradas, ao mesmo tempo em que as igrejas se tornaram cada vez mais aquarteladas, como verdadeiras fortalezas inexpugnáveis das crenças monótonas e monotônicas, encerrando seus fiéis no claustro do endocatecismo, e julgando os de fora como desregrados ou desgarrados. Qualquer inserção de elemento minimizador ou relativizador das diferenças é tomado como influência separatista do inimigo, devendo ser evitado a qualquer custo. Houve mesmo época – ainda recente – onde nem mesmo uma música evangélica poderia ser tocada numa missa ou uma música católica num culto evangélico, como se o Deus de ambas fossem dois deuses, ou como se as letras das músicas, lindas, pudessem ser compostas por demônios! Os dois lados esqueciam que “todo dom perfeito desce do Pai do Céu”, de onde provém toda beleza. Este exemplo basta.
Cremos que tal policiamento dos “4 muros” que separam as religiões se deva ao medo pecaminoso de perder o domínio das massas, herdado desde a época da diáspora, quando os primeiros cristãos experimentaram toda a dor da perseguição e do martírio, em nome da intolerância para com os falsos deuses ou contra o Deus-único. Não será nada surpresa se um dia o próprio Deus mostrar, num ajuntamento solene ou num tribunal branco, que todos os deuses do mundo nada mais são – ou eram – do que as inúmeras teofanias de Sua Santa Presença, na lógica da Transposição do Infinito para vários “retratos finitos” dEle mesmo. CS Lewis um dia escreveu que o deus das colheitas, o deus do vinho, o deus das árvores, o deus dos mares e até dos abismos, eram apenas “sombras” do próprio Deus, preparando-nos para receber o verdadeiro e único Criador, num processo de incorporação cada vez maior dos mitos até a tridimensionalidade do Cristo, O qual reuniria, no corpo de um só Homem, toda a convergência ontológica para a qual os mitos apontavam. Não há, portanto, para Deus, qualquer demérito ou vergonha em ter sido pré-figurado por tais seres, e nem que nós humanos os tenhamos chamado de deuses, como o próprio Cristo nos chamou (João 10,34-36). Se assim era e é, por que cargas d’água as igrejas se encheram de muros, ou se ergueram entre muros, ou se incharam de regras separatistas, dividindo às vezes até famílias e irmãos de sangue, porque um é católico, outro evangélico, outro ecumênico, etc.? Seria tudo isso agradável a Deus? Não é a fé que O agrada? (Hb 11,6): Que diferença faz entre uma fé católica sincera e uma protestante? Deus lançará no inferno os rotulados ou os rebelados? Jesus receberá no Céu os crentes de credo “x” ou os que amaram ao próximo?
Eis que está claro a necessidade de mudança na mentalidade eclesial da pós-modernidade. É preciso urgentemente eliminar ou no mínimo relativizar a exigência de filiação a uma igreja em particular, ressaltando em troca a necessidade de fortalecimento da fé, da esperança e da caridade, únicas virtudes divinizadoras do homem. Este é o primeiro passo, sem o qual nenhum outro poderá ser dado. Porém, infelizmente, este passo depende muito mais das lideranças do que dos fiéis. É aí que o bicho pega e o caldo engrossa.
Não é fácil crer que as lideranças de qualquer coisa mudem seus modos de proceder, os quais foram, quase sempre, fortalecidos ao longo de muito tempo, e este tempo fica cada vez mais “verdadeiro” quanto mais passa, mesmo que doa na mente a noção diabólica de que “quanto mais se repete uma mentira mais ela transparece como verdade”. Isto praticamente elimina todas as chances ou esfria todas as esperanças de mudar a partir do alto (da hierarquia religiosa), deixando as ovelhas a mercê de um milagre vindo de mais Alto ainda.
Se as lideranças não vão mudar, ou simplesmente não se muda uma instituição (sobretudo empresas antiquíssimas quanto as religiosas), então um dado bíblico torna-se cristalinamente claro. Revisitemos o trecho onde é narrada a história belíssima de São João Batista. João foi apresentado como “aquele que faria o anúncio prévio do Salvador”, desde as profecias do Velho Testamento. Como a Bíblia descreveu a missão dele? “Aquele que veio para endireitar e aplainar os caminhos do Senhor” (Mt 3,3, Mc 1,2-3 e Lc 3,4-5). Por que alguém precisava “endireitar, aplainar ou até ‘limpar’ os caminhos” do Deus onipotente 100% puro? Óbvio que devia haver alguma coisa torta, suja ou desaplainada naquele caminho. O que estava torto ou sujo no caminho de Jesus? A única resposta teologicamente certa para esta pergunta é: “o Judaísmo”. De fato, foi o Judaísmo que forneceu os principais “princípios-inimigos” da mensagem de Jesus, e também os ‘inimigos-principais’, pois foram os judeus que O rejeitaram, como João Evangelista explicou em João 1,11, e Jesus escancarou em Mt 23…
Ora, fazendo a atualização do Evangelho ou contemporizando conosco, o que poderia estar torto ou sujo no caminho de Jesus hoje em dia? Ou o que poderia ser atualmente o único modo de fazer o que João Batista fez à época de Jesus?… Deixo a resposta nesta reticência proposital para o leitor pensar… Do contrário, talvez fosse eu o decapitado por algum Herodes eclesial moderno. Perdoe-me o leitor a omissão, mas aposto muito mais neste silêncio do que em mil palavras que Deus me animasse a falar.