Outras expressões “incompreensíveis” na Bíblia Sagrada

Após saber de expressões “pouco misericordiosas”, temos a perguntar como e porque os autores canônicos registraram frases que não se coadunariam com nenhuma lógica e muito menos com a Teologia Cristã

Após saber de expressões entendidas como “pouco misericordiosas” na esteira de “supostas” declarações de Jesus (confira antes o artigo que trata do assunto NESTE link), temos a perguntar como e porque os autores canônicos registraram frases que não se coadunam com nenhuma lógica e muito menos com a ‘Teologia Bíblica dos Apóstolos’, senhora mestra absoluta de todo pensamento cristão. É isso que este artigo se propõe a tratar, na medida do possível, pelas fontes por nós pesquisadas.

Todo o problema parece residir, até onde conseguimos enxergar, na diferença entre: (1) aquilo que Jesus de fato disse; (2) aquilo que os autores canônicos conseguiram SE LEMBRAR das palavras de Jesus; (3) aquilo que Jesus permitiu aos autores canônicos fazer na hora de registrarem, para as gerações futuras, as palavras que Ele de fato proferiu; e (4) aquilo que Jesus permitiu aos autores canônicos escolher na hora de registrarem palavras que Ele gostaria de ter dito na ocasião e não disse, e cuja revelação iria ajudar na melhor compreensão do plano de salvação.

Isto posto, podemos utilizar mais ou menos 3 (três) expressões – ou pensamentos – de Jesus para não nos excedermos nas dimensões cabíveis a um “artigo de jornal”, utilizando as mesmas em cada um dos 4 pontos acima descritos relativos ao registro das palavras de Jesus. Senão vejamos.

As coisas que Jesus disse, aquelas mais capazes de dar exemplo ao nosso argumento, seriam as seguintes:

  • Primeira expressão: “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem” (Lucas 23,34);
  • Segunda expressão: “Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do homem ser-lhe-á isso perdoado; mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir (Mateus 12,32);
  • Terceira expressão: “Pai, graças te dou porque me ouviste; aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste” (João 11,41b-42).

(a) “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem”: Por que Jesus disse isso? O Pai do Céu por acaso não sabe que o povo é ignorante e absolutamente alienado? Ou então, numa hipótese trágica e impensável, o Pai do Céu não seria tão misericordioso quanto Jesus acreditava? Ou, então, mistério dos mistérios, Jesus NÃO TERIA DITO tais palavras? Ou seja, elas seriam um acréscimo posterior, do tipo “populista”, inserido pelos escribas das comunidades fundadas pelos discípulos? Isto é, um “enxerto dos seguidores dos apóstolos” (doravante ESA)? Pior, nesta expressão, a rigor, pode-se ver até um “defeito técnico” sutil no âmago de tal pensamento, pois a Bíblia registra casos onde ficou claro que não haverá afrouxamento na severidade do julgamento de Deus, mesmo para quem não tivesse conhecimento pleno da Revelação (vimos isso na sentença “Deus não tomará por inocente aquele que levar seu santo nome em vão” – Êxodo 20,7 e Jesus a reforça em Mateus 12,36-37!), ou mesmo para quem não cometesse um pecado grave e apenas fosse medroso ou tímido, como no caso da Parábola dos talentos (Mateus 25,24-30).

Neste caso, a mera alusão a um perdão dado gratuitamente só porque o pecador não sabe o mal que está fazendo, põe em discussão até a validade da Revelação, já que a própria Escritura diz que “aqueles que sem lei pecaram, sem lei serão julgados”! O questionador perguntaria: “não seria mais fácil salvar uma Humanidade inteiramente ignorante, do que arriscar-se a dar-lhe um conhecimento que ao final lhe trará culpabilidade”?… Mas uma vez é aqui que entra CS Lewis, pois só ele explicou –para quem souber ler – que o desejo profundo e secreto de Deus é nos levar À PERFEIÇÃO, e para isso o próprio Criador julgou valer a pena correr o risco de perder as almas cuja mente jamais se ajustasse às exigências severas da Moral Cristã. Enfim, Ele é o Juiz perfeito e o Amor Justíssimo, e por isso se Ele julgou positivo correr este risco, nossa única opção é aplaudi-lo e louvá-lo por isso.

Mas isto não anula o sinete da consciência que o próprio Deus nos deu, pelo contrário, isto tudo levanta muito mais um problema do que uma solução: na verdade, se o Juízo Final vai ser algo ao qual TODOS comparecerão, é lógico supor que a questão da alienação estará superada, e por isso não haverá um único condenado que não tenha tido perfeito juízo de seus erros. Até porque o período irrecorrível de TODAS as almas no Purgatório “lavou-as e levou-as”, inexoravelmente, a enxergar pelo menos a inadequação de seus desejos perante a vontade do Criador, e isso as deixará com plena consciência de sua última decisão, seja para desistir de tudo ou para consertar-se moralmente com a purificação “gratuita” e misericordiosa promovida pelo “Vale da Sombra da Morte”. É isso.

(b) Como pode uma blasfêmia contra o Espírito Santo ofender a Deus e uma blasfêmia contra o Pai não ofender? Só uma resposta atende a esta pergunta com todos os elementos de Lógica que a noção de “família” (uma noção surgida somente a reboque da noção de “trindade”) introduziu na mente humana, e o raciocínio daí derivado é o seguinte: o Espírito Santo de fato só pode ser “a Mãe-sagrada de Jesus” e Este, como todos nós filhos, detestamos quando alguém fala mal de nossa Mãe!…

Neste caso, Jesus, por ter o coração perfeito e 100% equilibrado, teria que sentir ofensa com qualquer blasfêmia contra a sua família, e não apena contra sua Mãe-espiritual ou seu Pai celestial. Jesus deveria se sentir irritado até contra quem falasse mal de José, seu pai carnal adotivo. E a prova disso é aquilo que Ele disse “para justificar” sua ira dentro do Templo de Israel, quando chicoteou e surrou os vendilhões: “Vós transformais a Casa de Meu Pai num covil de salteadores!”. Por que uma ofensa à Casa de seu Pai o irou tanto e uma ofensa direta ao Pai foi relativizada na citação da blasfêmia contra o Espírito Santo? Enfim, aí está mais um mistério para exegetas mais capacitados investigarem com o esmero de quem quer saber a Verdade (ou, como Lewis diria, “com alma de cachorro”).

(c) Por que Jesus usaria uma oração (que Ele próprio pareceu menosprezar, no sentido de lhe dar menos valor) do tipo “didática” numa ocasião daquelas – a ressurreição de Lázaro –, quando Ele sabia e tinha já experimentado o alto poder de persuasão de suas palavras em seus discursos públicos? Uma oração como aquela da ressurreição de Lázaro é a ÚNICA IGUAL no Novo Testamento, ou seja, não há nenhuma outra igual nos Evangelhos, e por isso ela pode ter sido, por assim dizer, “manuseada” ou “remendada” pelas memórias longínquas do escritor canônico, querendo aproveitar a ocasião para passar mais uma lição teológica acerca da Santíssima Trindade.

Ao registrar “Pai, graças te dou porque me ouviste; aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste”, o escritor canônico incorre em pelo menos 3 erros toscos na lógica da Revelação. Dizer “graças te dou PORQUE me ouviste” é atribuir um erro brutal à consciência de Jesus, a menos que Deus também não ouvisse seu próprio Filho, já que a Escritura registra casos em que pecados humanos de fato “tapam seus ouvidos às nossas orações”, como disseram Isaías 1,15; Zacarias 7,13; Salmo 66,18 e 94,9. Neste caso, Jesus estaria apenas “simulando” uma situação de pecado onde Ele anteriormente não teria sido ouvido? Evidentemente isto nunca aconteceu. Por isso a expressão “aliás” é tão descaradamente um enxerto posterior da memória longínqua do autor canônico, que tentou justificá-la com uma saída medíocre: “assim falei por causa da multidão presente”; e ainda “para que creiam que tu me enviaste”, como se a multidão saber que Deus ouviu seu único Filho fosse motivo suficientemente forte para crer nEle!

Enfim, naquelas expressões ficam desnudos os traços humanos na letra da Revelação, o que jamais constituiria razão para a descrença na Teologia cristã, pelo contrário, a tornam muito mais divina por ter sobrevivido este tempo todo, APESAR da influência humana na origem de seu registro histórico. A Lógica divina está presente com a máxima exatidão, a saber, justamente no fato de que a vontade dEle, custe o que custar, doesse em quem doesse, triunfaria e sagrar-se-ia vitoriosa sob quaisquer circunstâncias, mesmo que seus ouvintes jamais lhe valorizassem, e até mesmo se seus próprios porta-vozes a manipulassem, seja por erro de memória, seja por desejo de torná-la mais didática para as almas perdidas. Em todo caso, triunfa a Verdade, que jamais sairia da boca de Deus sem cumprir o propósito para a qual o Senhor lhe premeditou.

 

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