A Idolatria da Bíblia

A crença de que Deus é o autor da Bíblia tem confundido quase toda a Cristandade e impedido o crescimento espiritual das almas, que acabam crendo de forma mística naquilo que combatem. É contra esta realidade que o Magistério Eclesiástico se levanta e publica atualizações.

Idolatria da Bíblia

Não há quem não conheça ou quem nunca tenha experimentado a noção de idolatria defendida pelo protestantismo, num fenômeno até certo ponto mundial, independente do grau de instrução dos cristãos ou daqueles a quem eles dirigem a Palavra. A ideia é radical e impede até mesmo a inocência da veneração, sentimento nobre da alma que ama o seu próximo como a si mesma, sem perder a pureza dos afetos pueris louvados por Cristo. Sem falar das vezes em que a acusação de idolatrar alguma coisa é arremessada sem dó nem piedade, até com hostilidades, contra imagens e outras relíquias de valor inestimável para quem as venera.

Todavia a questão não para na simples ignorância ou intolerância de quem julga o coração do próximo, acusando-o de colocar a criatura no lugar do Criador. Infelizmente, porém, o fenômeno aqui reportado também cai na incoerência comum da humanidade descrente, ou seja, na velha ironia do sujo falando do mal lavado e vice-versa. Ao examinar a questão pelo que Jesus disse em Mateus 7:1-7, seria possível aceitar as acusações dos julgadores se eles estivessem certos (ou inculpáveis) e não possuíssem o pecado que dizem ver nos outros. Mas não é o caso aqui. A acusação de idolatria espalhada aos 4 ventos deveria ser feita a eles mesmos, pois também estão idolatrando algo em suas vidas, incorrendo na mesma sentença bíblica de condenação.

Isto posto, e dada a quantidade de idolatrias na vida dos crentes (dinheiro, sexo, trabalho, etc.), vou me ater aqui tão somente ao caso bíblico, ou seja, àquela idolatria que está oculta numa das tentações mais sutis e insidiosas, de tantas quantas o diabo distribui para desviar o coração humano do único Senhor. Refiro-me à idolatria da própria Bíblia, ou seja, o modo pegajoso de tratar um mero livro humano como se ele fosse obra direta das mãos de Deus, quando não é obra nem mesmo das mãos de Jesus.

Porquanto partir da premissa de que a Bíblia foi escrita por mãos (e cabeças) humanas deveria servir, de imediato, para conscientizar e lembrar que, neste sentido, ela é um livro como outro qualquer, exceto quando uma investigação mais acurada aponta um número muito menor de falhas e incoerências, deixando em evidência a crença sadia de que Deus de fato inspirou a maioria das Revelações ali expostas. Afora isso, suas linhas e textos dão uma ideia muito segura do modus operandi da mente humana, cuja estrutura foi criada para servir à aprendizagem e ao ensino de outras mentes, na chamada “escola da vida”.

Entretanto, não é assim que os crentes reformados enxergam as Escrituras, sobretudo quando não se preparam suficientemente, ou quando se deixam levar apenas pela emoção da pertença a uma determinada denominação eclesial, não importando o que os estudiosos e teólogos porventura tenham descoberto e informado aos seus leitores (pior, os pastores dessas denominações, seja por preguiça, proselitismo ou má vontade, i.e., propositalmente, usufruem desta situação sem dar qualquer aviso que impeça as ovelhas de descobrirem tal realidade, e assim o rebanho deles fica muito mais dócil à dominação).

Isto tudo fica bem esclarecido quando ocorre qualquer discussão onde uma parte da lógica da Revelação não aparece visivelmente nas linhas da Bíblia, estando oculta nas entrelinhas pela pura vontade de Deus de que o rebanho desse ouvidos aos teólogos ou, como Paulo explicou, aos doutores e mestres (Ef 4,11-12 e I Co 12,29) auxiliares do processo de conscientização humana do Plano de Deus (é bom reler Atos 8,27-31 agora, e ver o que explicamos NESTE livro).

Por exemplo, isto acontece com revelações posteriores da verdade salvífica que não ficaram expostas NA LETRA das Escrituras, e às vezes nem nas entrelinhas. É como se Deus não pudesse se expor o suficiente para caber na mente humana, e por isso algumas mentes reconheceriam partes da revelação a posteriori, ou seja, após o tempo em que a evolução humana (pessoal e coletiva) se firmasse em determinados pontos, e assim alguns atalhos fossem ficando claros apenas após seus caminhos terem sido percorridos a pé, quiçá em sofrimento.

Na prática, pode-se dizer que o Cristianismo experimentou transformações ao longo da História que foram idealizadas por Deus e gestadas ao longo das gerações, com algumas mudanças cruciais na teoria e na prática da fé, como por exemplo:

  1. No início do Cristianismo, as comunidades não batizavam crianças. Depois, com o passar do tempo, a consciência cristã foi evoluindo e percebeu que, dados os exemplos de “crianças endiabradas”, literalmente (e hoje em dia, crianças que até matam pais), o mais seguro era dar-lhes o Selo do Espírito para posterior acerto com Deus, visando garantir a nutrição espiritual que também salva adultos (os sacramentos).

  2. No início do Cristianismo, a cristandade entendia que a Terra era o centro do Universo e o Homem a obra mais perfeita da Criação. Hoje em dia o Cristianismo Oficial admite a Terra como um mero ponto perdido no cosmos (não sendo centro nem mesmo de seu Sistema Planetário) e o Homem uma obra inacabada, em constante evolução para um padrão superior de corpo e alma.

  3. No início do Cristianismo, a cristandade entendia que a única fonte confiável da Revelação era a letra propriamente dita das Escrituras Sagradas, com os eventos decorrentes de autoritarismos nascidos por reis e governantes que usavam as “letras” para a opressão das massas. O tempo passou e a Igreja entendeu que a revisão teológica era fundamental, e o Magistério passou a orientar os fiéis na forma de ler e entender a Revelação, além do que estava escrito na simples letra morta. (Isto é apenas um breve resumo do que tem providenciado o Sacro Colégio).

Claro que, infelizmente, em paralelo a isso, também houve a “evolução trágica” (involução), que é quando uma compreensão anterior deu lugar a uma ideia posterior incorreta, como nos seguintes casos:

  1. No início do Cristianismo, as comunidades pós-Pentecostes entendiam o milagre da glossolalia como uma obra divina para ajudar na divulgação do Evangelho, que precisava de espalhar-se pelo mundo todo e salvar gentios e pagãos estrangeiros. Passou o tempo e a “evolução trágica” fez a cristandade inculta pensar que falar em línguas era balbuciar sons e sílabas repetitivas para falar como os anjos, como se isso fosse a língua “solar antiga”, como diria CS Lewis.

  2. No início do Cristianismo, a Cristandade entendia todo o valor de Maria no plano de Deus e a levavam na devida conta de auxiliar no processo, já que qualquer santo poderia orar por outro, e interceder pela recuperação, já que ninguém está morto aos olhos de Deus (Lc 20,38). Todavia, no final da Era Medieval, a Igreja entendeu que Maria subiu aos céus, como Jesus, e nem levou em conta que Maria já estava no Céu, inteiramente, como mostrou Lewis em “The Great Divorce” (explico mais sobre isso no livro “O Grande Divórcio do Egocentrismo”). Logo, o dogma da assunção de Maria é um erro, ou no mínimo, um grave esquecimento.

  3. Nos primeiros séculos do Cristianismo, a Cristandade pensou corretamente que o próprio Deus estava presente, em corpo e sangue, nos elementos materiais do pão e do vinho, e a Eucaristia tinha todo o peso da mecânica salvífica de Deus, ampliando o leque de opções de caminhos para as almas perdidas. Quando a Reforma chegou, os cristãos reformados passaram a pensar que na Santa Ceia estavam presentes apenas pão e vinho, e nada mais, dilapidando uma das mais ricas fontes de salvação oferecidas por Jesus, a sua própria carne (Jo 6,54-56). E assim por diante…

Entretanto, foi justamente aqui que entrou o maior problema: a evolução trágica fez a cristandade reformada entender que a Bíblia não é um livro humano, e que por isso não pode estar sujeita à evolução da compreensão da mente, sendo forçada a informar apenas aquilo que condizer com a interpretação mais antiga, aliás, com a interpretação já consagrada pela cultura reinante numa determinada denominação, particularizando e bitolando a sua abrangência.

Quem lê um só livroTodavia isto levanta um terrível problema: é que assumir que um livro humano seja tomado por uma obra divina comporta todo o teor do misticismo formador de uma idolatria, e assim o texto canônico passa a ser perigoso, tal como a energia nuclear, que é benéfica mas perigosa em mãos erradas. Um livro de leis (como é a Bíblia), caído nas mãos erradas dos maus intérpretes, se transforma num verdadeiro manual de execução de um regime autoritário, onde pode ocorrer, no mínimo, uma dilapidação da verdade ou um cerceamento da liberdade de pensamento. Chegando-se a este ponto, nada mais tem validade e a única regra admitida é a imposta de cima para baixo, i.e., passa-se a viver então uma ditadura tirânica, com todas as letras maiúsculas.

Sente-se tal coisa em meras conversas sobre temas da espiritualidade. Quando vemos crentes a discutir qual ponto-de-vista é o correto, p.ex., acerca do divórcio, imediatamente se ouve algum deles a irromper (triunfal) dizendo: “vamos ver o que diz a Bíblia! Se for isso o que ela diz, é assim que deve ser”. E lá vão todos eles, cabisbaixos, conformar-se a uma letra morta, ou que pode ter morrido pela “inanição teológica” ou pela quebra da razão social da regra; ou seja, de uma regra que servia direitinho a um tempo de respeito às leis e a Deus, mas que se tornou uma obra de satanás se imposta noutro tempo (onde uma separação trará muito mais paz de espírito do que a manutenção forçada de uma relação, quando nenhum dos cônjuges quer mais viver em comum). E lá vem de novo outro crente citar outra regra morta, dizendo que se houver separação, mesmo consensual, que nenhum dos dois se case novamente, e assim a roda viva da infelicidade só aumenta, na bola de neve do sofrimento humano.

Pior, isso se dá também com regras e conceitos puramente espirituais, relativos à salvação das almas, e não apenas a casamentos e vida social. Senão vejamos…

Quando se discute a salvação das almas, a maioria das denominações tende a colocar um ponto final na questão da exclusiva participação de Cristo, como único caminho da Graça de Deus. Assim, segundo este ponto de vista, basta alguém crer em Cristo que já possui ingresso imediato ao Reino de Deus, como se a longa caminhada não contivesse responsabilidades mil, inclusive morais, de amparo ao necessitado e outras caridades. Pior, nem as linhas e nem as entrelinhas acatam tal simplismo, e a profusão de textos onde Jesus expõe a polissemia da salvação acabam calando qualquer sofisma teológico. Como exemplos, basta citar a parábola do bom samaritano, a parábola do Juízo Final, o encontro de Jesus com o jovem rico e a epístola de São Tiago, irmão de Jesus. Se um cristão lê tudo isso e deduz que é apenas a fé que salva, não precisa de Cristo, e sim de um oculista.

Eis exposta a idolatria da Bíblia. Querer forçar a barra crendo que naquele monte de páginas está a voz audível de Deus sem qualquer interferência humana, é o mesmo que acreditar que numa gravidez não há participação de nenhum espermatozoide. O Homem está por trás da Revelação de Deus, tal como Deus está por trás da saúde mental humana. Se Deus deu ao Homem poder (leia-se cérebro) para entender a sua santa Revelação, deu também a inteligência para descobrir cada vez mais dentro dela, ao longo do desenvolvimento científico e intelectual da Humanidade. Se o cérebro parar no tempo e enxergar apenas aquilo que os antigos entenderam, acabará engolindo a crença perigosa de que a Bíblia é a própria voz de Deus (sem qualquer necessidade de discernimento) e um dia irá idolatrá-la. Já vem tarde a evolução deste raciocínio.

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O abismo absurdo da resposta protestante

Numa explicação completamente equivocada, o Protestantismo afunda na sua própria inconsistência, criando “um obstáculo para a Onipotência” e dividindo ao meio toda a Cristandade.

O abismo absurdo1Quando o assunto é escatologia e nosso interlocutor é um cristão “egresso da Reforma”, invariavelmente está proibida uma conversa sobre salvação após a morte, e assim qualquer trecho bíblico chamado para ajudar será interpretado como má interpretação de nossa parte, e sempre com o velho argumento de que estamos extraindo o texto do contexto e vice-versa. A estupidez é tanta que ele nem se lembra de que as asseverações de sua denominação, conquanto forjadas na boa intenção de salvar almas, também são produto de interpretações particulares, igualmente temerárias.

Porém o que há de incongruente ou biblicamente incoerente na afirmação de que Jesus também salva os mortos? Uma simples observação mais cuidadosa facilmente constatará que Jesus é salvação em qualquer lugar, e que as mesmas regras dadas para salvar homens de carne e osso, servem direitinho para alcançar almas desencarnadas (até porque a salvação anunciada aos vivos se dirige às almas, e não aos corpos!).

Aliás, a inesgotável descoberta de referências bíblicas acerca do tema da salvação post mortem apontam justamente para o fato de que, se há um assunto que as Escrituras mais apontaram e mais abundantemente expuseram, foi justamente a universalidade do plano de resgate ou a amplitude do raio de ação do amor salvífico de Deus. Na verdade, qualquer tentativa de bitolar ou limitar o alcance da Graça Salvífica deve ser encarada como uma obra de satanás, a quem interessa ocultar a verdade que lhe combate diretamente e desmorona seus planos.

Por tudo isso, a expressão direta de São Pedro (“pois para isso foi o evangelho pregado também aos mortos”) é a mais perfeita síntese de toda a soteriologia bíblica, e as demais indicações nem precisariam “descer” a termos mais populares, já que o povo judeu nunca teve qualquer dificuldade de identificar vivos e mortos, e, pelo contrário, sabiam perfeitamente o que são os vivos e os fantasmas, ao ponto de confundirem Jesus com um deles em várias ocasiões (e nestas, não recebendo de Cristo nenhuma reprimenda que os desestimulasse a crença em almas desencarnadas, como explicou CS Lewis), como na caminhada sobre as águas.

As Escrituras falaram em “Cristo ir pregar aos espíritos em prisão” (I Pe 3,18-19) – e não adianta pensar que o trecho se refere apenas à Humanidade pré-diluviana, porque o tempo que vigora após a morte é o Kairos, ou tempo de Deus, e ali existe apenas um presente eterno, como explicou Lewis quando falou sobre Apocalipse 13,8). Depois as Escrituras falaram também sobre a forma como Deus vê os seres (humanos), “porque para Ele todos vivem” (Lc 20,38); contaram também uma estranha história acerca de “um povo que andava em trevas e viu grande luz, e ao povo que andava no Vale da Sombra da Morte resplandeceu-lhes a luz” (Is 9,2); um grande servo de Deus, falando de algo como uma experiência pessoal antecipada, chegou a dizer acerca daquele lugar tenebroso que “ainda que ele andasse pelo Vale da Sombra da Morte, não temeria mal nenhum, porque Deus estaria com ele” (Sl 23,4); o próprio Cristo um dia disse que “aquele que crê em mim, ainda que esteja morto viverá” (Jo 11,25); Paulo contou com convicção que nem mesmo o abismo pode nos separar do amor de Cristo (Rm 8,38-39), pois é Jesus que guarda as chaves da morte o do inferno (Ap 1,18) e Ele poderá abri-la a qualquer momento; aliás, o Velho Testamento diz até que “as portas do abismo estão escancaradas diante de Deus”; e Pedro explicou “porque para este fim foi o Evangelho pregado também aos mortos” (I Pe 4,5-6); etc., etc., num corolário de citações auspiciosas e sintomáticas sobre a verdade de Deus do outro lado, matéria própria da Escatologia cristã.

Entretanto o texto mais explicativo e direto acerca do assunto é aquele que serviu de inspiração para o título deste artigo, a parábola do rico e do pobre (Lc 16,19-31). Ali naquela pérola de ensinamento o Senhor expõe uma experiência que só Ele poderia descrever por experiência própria, e confeitá-la com figuras que alcançassem, de modo mais prático, o pífio entendimento do povo iletrado da época. Então Jesus contou que dois homens morreram e foram cada um para o seu próprio caminho, antecipadamente escolhido na terra. Um deles escolheu um caminho que noutra ocasião o Nazareno chamou de loucura (Lc 12,20) e desceu ao mais fundo de sua perdição; e o outro escolheu o caminho ascendente de Deus, que levava ao paraíso prometido. Num plausível diálogo entre os dois (como CS Lewis teve com George MacDonald), houve uma conversa terrivelmente frustrante para o homem rico, que ao final ouviu a bofetada de Lázaro sobre a descrença de seus familiares tão descrentes quanto São Tomé: “ainda que um morto ressuscitasse, eles jamais iriam crer”.

Maroto na dúvidaE aí chegamos à nossa questão teológica. No versículo 26, Jesus introduz a figura física e tridimensional de um abismo como forma de alarmar a perigosa situação de quem voluntariamente se separou de Deus, por preferir a vida “independente e moralmente livre” do que a dependência do Pai, parafraseando o diabo que um dia disse “prefiro ser rei no inferno que escravo no céu”. Todavia o ABISMO que aparece na parábola do Rico e de Lázaro (e também na desculpa dos protestantes para escamotear a Revelação de uma salvação post mortem), é completamente ilógico para com a coerência interna do Evangelho. Um abismo (abissal) é sempre o lugar mais baixo ou mais profundo na geografia e na estrutura de um planeta. Da mesma forma, o inferno é também, por definição, o lugar mais profundo na topografia do pensamento e na engenharia da criação, e por isso colocar um abismo entre o inferno e o Céu é uma tosca incongruência lógica, pois nada poderia estar abaixo do inferno, e assim o abismo só pode ser o próprio inferno. Se o abismo é o inferno, então aventar a hipótese de que não se pode passar do inferno para o Céu PORQUE HÁ UM ABISMO ENTRE ELES, é o mesmo que dizer que não se pode sair do inferno para o Céu porque há um inferno entre eles! Ora, assim sendo, então este segundo inferno só pode ser subjetivo, interior ou psicológico, e é exatamente isto que Isaías diz quando explica o PORQUÊ do aparente “abandono” de Deus aos pecadores. Como nós já vimos aqui, Isaías diz que o abismo é interior, quando explica que “os vossos pecados fazem SEPARAÇÃO (divórcio, abismo) entre vós e o vosso Deus e escondem o seu rosto de vós”.

Finalmente, está claro a impossibilidade de qualquer obstáculo impedir a entrada de Deus em qualquer lugar, e por isso o Amor Infinito vai buscar a centésima ovelha no mais longínquo abismo, sem qualquer impedimento lógico e muito menos físico. Pensar que um simples abismo topográfico separaria Deus de uma alma é uma tremenda idiotice, sobretudo se a alma perdida se arrepender e clamar ao Senhor dos altos céus. Porém, cuidado, pois será impossível a Deus salvar uma alma que voluntariamente quis perder-se no Hades… Ocasião em que terá criado, entre ela e Deus, o único abismo intransponível, ou seja, o Grande Divórcio.

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NOTAS FINAIS:

– Toda a matéria aqui tratada é discutida amplamente no livro O Grande Divórcio do Egocentrismo, que o professor desta Escola, o teólogo João Valente de Miranda L. Neto, escreveu com o apoio desta instituição de ensino e das editoras Agbook e Clube de Autores. Para chegar ao livro, basta digitar seu título no Google.

– O StudioJVS publicou um pequeno vídeo sobre o assunto. Veja NESTE link.

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Quem tem mais fé em Cristo? Católicos ou Protestantes?

A eterna lenga-lenga entre os dois maiores ramos do Cristianismo se centra sobre uma discussão bizantina e inadequada para salvar a boa imagem do Evangelho, e pode ter um final surpreendente

Pulo sem fé

 

A ideia da ala reformada do Cristianismo é a de que o povo chamado “protestante” está mais ao agrado de Deus do que a ala católica, em relação à fé no Salvador, e tem por base o princípio bíblico de que sem fé é impossível agradar a Deus (Hb 11,6). Sem considerar que centrar o próprio Plano de Deus sobre uma fé exclusiva em Jesus possa ser um equívoco de simplificação ilógica, podemos iniciar a discussão concordando com a ideia protestante de que a fé em Jesus é o centro de tudo, e sem a qual tudo perde o sentido. Será este o nosso estopim.

Isto posto, se a fé em Jesus é tudo, então vamos explicitar esta crença, pedindo desculpas pela repetição constante da palavra fé, pois “crença” não é a mesma coisa, segundo o notável Jacques Ellul.

CS Lewis explicou muito bem que a realidade de Deus é multidimensional, e que a evolução do conhecimento teológico iria, de passo em passo, nos levar à doutrina da Trindade, que ele fez em um capítulo intitulado “Para além da personalidade”, ou “Os primeiros passos na doutrina da Trindade”. O nome do livro em questão é “Cristianismo puro e simples”, mal traduzido de “Mere Christianity”.

No último livro deste volume, cujo título expomos acima, Lewis conta que Deus é muito mais “REAL” do que nós, pois Ele não só está presente mas ocupa todas as dimensões, ao contrário de nós, que estamos presentes e ocupamos apenas a 3a Dimensão, sendo simplesmente ausentes ou inexistentes em todo o resto do universo. Além do mais, dentro dos inúmeros limites da Terceira Dimensão, ocupamos apenas um átimo de tempo entre o passado que já se foi e o futuro que ainda não chegou, e por isso somos, tecnicamente, inexistentes até em nosso mundo.

Deus, ao contrário, está tão presente que ocupa um lugar no tempo (um presente eterno) que abarca todo o passado e o futuro, e não sofre qualquer alteração de envelhecimento por não ser jamais atingido por entropia ou corrosão. Ao mesmo tempo, por estar presente em um lugar, não deixa de estar presente em todos os lugares, embora possa sumir de todos eles e ainda manter-se comunicado a tudo. O Salmo 139 expressa isso muito bem, explicando que para onde quer que o salmista corra, lá estará Deus, que sempre o enxergará “in loco” (Sl 139,7-16).Reflexo de Cristo Chegamos ao ponto do não-retorno, e o aqui se plasma pela pergunta óbvia: “haverá algum lugar onde Deus não esteja em gênero, número e grau? Haverá algum lugar onde Deus não esteja em corpo, alma e Espírito?”… Se existir este lugar, é completamente fora do Cristianismo, e em breve coroará o ateísmo. Qualquer religião, afinal, que acate a noção de um Deus-criador, terá como ponto de partida a certeza de que Ele ocupa todos os lugares e todos os tempos.

Ipso facto, quando se discute a fé em Deus entre cristãos, todos sabem que o Pai, o Filho e o Espírito são um só Deus, que Lewis explicou como sendo um Deus Tri-pessoal. Assim posto, os cristãos também não recusarão entender que, onde o Pai estiver, o Filho também poderá estar, tal como Ele estava no Filho e o Filho nEle, quando Jesus andou entre nós. Logo, a discussão sobre qual grupo crê mais em Jesus (que parte da premissa temerária de que a fé é o mais importante) é portanto endereçada para o cerne da Doutrina da Trindade, a mais complexa de todas as doutrinas.

Crer em Jesus assim é acreditar que o Filho, assim como o Pai, está presente em todos os lugares, abarca todas as realidades e que não há realidade alguma que O abarque, porque a própria realidade é uma criatura, sujeita às leis que Ele mesmo criou. Ao mesmo tempo, ao reduzir-se à realidade humana, Ele se sujeita a ser abarcado pela realidade, motivado por seu infinito amor de Salvador, e por sua infinita humildade de servo de suas criaturas. O esquema teológico de Sua sujeição e de ser abarcado pela realidade minúscula da Humanidade foi expresso pela Encarnação, que serve de modelo a todas as demais sujeições e abarcamentos por Ele experimentados. Logo…

Para ter uma maior fé em Jesus seria necessário crer que Ele estaria presente em realidades ainda menores do que a humana, tal como Lewis disse que o Infinito se encontra dentro da menor florzinha do campo, e não necessariamente além das maiores galáxias. A pergunta para medir a fé é: o Cristo de sua fé está presente além do universo? Está presente no universo? Está presente no nosso sol? Está presente no planeta Terra? Está presente na Igreja? Está presente nos corações humanos? (“Ele está no meio de vós?”), enfim, está em toda parte? Até na morte e no Hades?

calice01Ora, se Jesus se deixou abarcar pela realidade humana por ser 100% humilde, e se está em toda parte por ser 100% Deus, por que cargas d’água Ele não poderia estar abarcado na realidade do Pão Eucarístico, transformando os elementos do pão em sua própria carne? Por que não poderia estar no vinho, transformando a química do vinho em seu próprio sangue? (João 6,54-56). Aqui se vê (sem qualquer desrespeito ou apenas tecnicamente) que a fé em Cristo dos cristãos reformados é deficiente ou faltosa, pois não crê na presença viva de Cristo no pão que Ele próprio criou, num milagre cuidadoso de sua própria inteligência, motivada por sua amorosa vontade de salvar. E a verdade final é esta: católicos creem tanto em Jesus que até O adoram em forma presencial, da qual crentes duvidam! Eis o mistério da fé, que o protestantismo erradicou, e ainda se voltaram contra o Catolicismo, acusando-o de ter menos fé em Jesus, pode?

Durma-se com um barulho desses, mas que ele não acorde os inocentes católicos que, contra todas as acusações de ignorância e heresia, conseguem ver com os olhos da fé (Hb 11,1) que, ao mastigar a Hóstia, operam o milagre gigantesco da salvação assegurada por Deus, por ter-se feito mastigar pelos homens e nos dar a maior lição de humildade: “se eu que sou o mestre e Senhor fiz isso, fazei-o vós também uns aos outros” (Jo 13,13-14), e alimentai os outros na fé salvadora.

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Para crer em Jesus é preciso crer num milagre anterior de logística

Pregar ou discutir sobre Jesus não deveria ser algo tão comum quanto se vê hoje em dia, pois toda a crença em Cristo depende de se ter como verdadeiras algumas afirmações decisivas do Novo Testamento.

Luz do RessurretoDe que adianta dizer que a Bíblia é Palavra de Deus quando alguém pode acreditar em Deus mas jamais crer que Ele “tenha escrito” um livro para a Humanidade? Ou como fazer a Humanidade acreditar nas instruções bíblicas quando a Ciência tem sérias dúvidas quanto à autenticidade dos registros? Logo, aquilo que parece uma simples negação da verdade pode conter uma lógica racional e eficaz contra a alegação cristã de autenticidade das Escrituras.

Porquanto e com efeito, a discussão e sobretudo a pregação das igrejas deveria se pautar por uma espécie de iniciação doutrinal, na qual a única preocupação (a primeira, sine qua), seria a de levantar argumentos coerentes que demonstrassem a lógica da Onipotência, na qual a missão de Deus é muito mais importante do que qualquer palavra que comunicasse o plano de salvação, e que este independe do que a Humanidade tenha conseguido “filtrar” das Escrituras ou de suas inúmeras interpretações. Neste sentido, crer que a Bíblia é divina seria de somenos importância, desde que o interlocutor se convencesse, racionalmente, de que seria bastante lógico a Onipotência comunicar uma verdade à Humanidade, mesmo que tivesse que contar com uma linguagem tosca e limitada como a nossa (de todos os idiomas da Terra), e mesmo que todas as comunicações oriundas da mente de Deus tivessem que passar pela hermenêutica humana.

Logo, qualquer crente é obrigado a reconhecer que o conjunto completo de doutrinas cristãs fica sempre na dependência da crença em 3 ou 4 versículos cruciais de logística da comunicação, dos quais sempre dependeria a validade do restante contido na Palavra de Deus. Para o leitor visualizar melhor o argumento, os versículos logísticos seriam os seguintes: (1) “Ele vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito” (João 14,26); (2) “Nenhuma palavra das Escrituras provém de interpretação particular, mas de homens santos de Deus [e jamais de mentirosos]” (II Pedro 1,20); (3) “Estes porém foram escritos para que creiais no nome do Unigênito de Deus” (I João 5,13); Etc. E agora veja o leitor as implicações decorrentes destes versos e as ideias que desembocam neles.

  1. Ao dizer “ELE vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito”, a Bíblia faz um colossal resumo do que é exigido da fé aqui, pois o texto implica em acreditar que foi o próprio Deus, o Espírito Santo (outra crença difícil), quem se imiscuiu na mente dos escritores canônicos e ali inscreveu, a ferro e a fogo, as expressões necessárias à comunicação do plano de salvação da Humanidade; e pior, isso de modo exclusivo (segundo os crentes que defendem a inviolabilidade e a irrevogabilidade das Escrituras) para algumas poucas pessoas e a mais ninguém, numa estranha confiança de Deus num determinado grupinho de escribas. Pode-se, tranquilamente, perguntar por que cargas d’água Deus escolheu tal grupinho e não muito mais gente, ou por que não espalhou pelo mundo um número muito maior de “avisos do Caminho” (livros) para que muita gente nem precisasse procurar por uma única “seta indicativa” chamada Bíblia. Pior, todo crente com certo nível de instrução sabe que os evangelhos (como muitos outros livros da Bíblia) não foram escritos pelos apóstolos, e sim por escribas escolhidos pelas comunidades fundadas pelos apóstolos; e tais escritos foram produto de lembranças “aproximadas” e geralmente dispersas de seres humanos, cuja memória é uma das coisas mais falhas da mente após a Queda (tão falha que foi preciso Jesus criar um sistema no qual o próprio Deus é quem nos faria lembrar de alguma coisa…) – E chegamos ao segundo versículo.

  2. Ao dizer que “Nenhuma palavra das Escrituras provém de interpretação particular, mas de homens santos de Deus [e jamais de mentirosos]”, a Bíblia (Pedro) volta ao tema de um grupo particular de homens inspirados por Deus, a rigor, selecionados a dedo, independente de haver no mundo muita gente que mereceria a confiança de Deus. Aliás, ao chamá-los de “santos”, a Bíblia faz a seleção moral dos escribas, e nós sabemos (por ela mesma) que NENHUM homem merece confiança (“maldito o homem que confia no homem” – Jr 17,5) e que “todo homem é mentiroso” (Romanos 2,4 e 11). Afinal, se o critério é a moral e a ética, então isto significa que os erros de comunicação e de memória, que ocorrem independente de ser santo ou profano o escriba, ainda estarão incidindo sobre os fatos comunicados, e por isso a expressão petrina a rigor NÃO QUEBRA a Lógica dos ateus nem resolve o problema. Logo, o raciocínio ficaria assim: “para crer em Deus, eu preciso crer que Ele comunicou alguma coisa à Humanidade, e que esta Comunicação foi tão diretamente auxiliada ‘por Suas próprias mãos’, que Ele ESCOLHEU pessoas ‘a dedo’, e pessoas cujos pecados jamais interferiram na sua obra e nem na sua memória, e onde as próprias deficiências ‘naturais’ da Comunicação foram corrigidas diretamente pelo Espírito de Deus, que eu nem sei se tem espírito, porque nem sei se existe um Deus”. Pior, isto tudo sem levar em conta que as memórias dos escribas foram coisas naturalmente “mal” resgatadas após 30, 40 ou 60 anos depois da ocorrência dos fatos, e por isso Deus precisou especificar e detalhar (como nas minúcias de um relato onde uma mulher “invisível” tocou a orla das vestes de Jesus) cada relato como se emprestasse Seus próprios olhos e memória àqueles a quem caberia contar o que aconteceu. Assim, aqui mais uma vez se pode perguntar por que Deus teria sido assim tão seletivo, quando a própria Bíblia diz que Ele não faz acepção de pessoas e por isso qualquer um, a rigor, poderia ter a sua vida e memória lavada para comunicar a Verdade.

  3. “Estes porém foram escritos para que creiais no nome do Unigênito de Deus”. Quando João disse isso, i.e., quando o seu escriba se lembrou do que João pediu para a sua comunidade contar, já havia na memória do escriba tanta dúvida quanto às demais vertentes e implicações das várias lembranças importantes a repassar, que ele aproveitou e registrou este “ponto final”, como se estivesse dizendo: “não hesitem, pois o que estamos revelando é aquilo que salva e é aquilo que Deus queria que fosse registrado”. Não é à-toa que o último verso do Evangelho deste mesmo escriba de João diz que “se fôssemos registrar tudo aquilo que Jesus fez, nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos”. E por que diz isso? Porque ele simplesmente não conseguia se lembrar de mais nada e acreditava (lá vem a fé de novo) que aquilo que já estava escrito era suficiente para encaminhar as almas à salvação, embora deixando ali uma enorme lacuna de ensino (que era pontuar a moralidade como instrumento número 1 de salvação, pois é por ela que as almas podem chegar ao arrependimento, sem o qual não há salvação!). Isto basta.

Está claro por que existe ateísmo no mundo. Os crentes não se dão conta do quanto é difícil crer, pois as bases das Escrituras oscilam entre as próprias lógicas por ela oferecidas, ou são tremeluzentes até para quem tem uma crença bastante sólida e antiga. Somente um escritor como CS Lewis, cujas memórias estavam vivas na época dos acontecimentos da vida dele, e recebendo de Deus a mesma inspiração dada aos escribas, poderia entregar um Evangelho à altura do argumento mais lógicos dos ateus, e dar resposta a questões que as Escrituras não deram, as quais foram silenciadas na expressão do último versículo de João (Jo 21,25).

Outrossim, toda a dificuldade de crer ainda é ampliada pela própria fragilidade da fé, pois por ser um sentimento (“e as emoções vão e vêm”, segundo Lewis) assentado sobre um coração quase sempre de pedra (por isso somos rebeldes pela distância da moralidade em que quase sempre nos colocamos), se Deus fosse esperar salvar a Humanidade pela simples fé, certamente não haveria lugar no inferno para tanta gente!

Logo, a salvação não pode contar somente com a Bíblia, e muito menos com a crença exclusiva nela. Isto abre um infinito horizonte de eventos a discutir. Senão vejamos.

Era preciso que o Homem tivesse algo mais que a fé, e também Deus tivesse algo mais que o perdão para aceitar almas humanas no Paraíso. Isto é bíblico? Sim, é. E não poderia deixar de ser, senão não haveria plano algum de salvação, e todo o universo se perderia num imenso absurdo (i)lógico. Todavia, como é fato que Deus existe, então a salvação não poderia depender de coisas frágeis – como as crenças em si – e nem de coisas duvidosas como os registros transmitidos via linguagem humana – como a Bíblia –, incapazes de iluminar e traduzir o universo multidimensional de Deus (neste momento seria urgente ao leitor ver toda esta dificuldade de Comunicação no texto de Lewis chamado “Transposição”). Logo, o que há além que garante a salvação humana?

O Amor. Chama-se Ágape, é eterno e não sofre qualquer deficiência de nossas precariedades. Então, como ele opera? O Amor precisa operar nas duas frentes do problema. Em Deus ou de Deus (fácil) e no ou do Homem (dificílimo).

Livro das fadasDe Deus: O Criador obviamente não ficaria na dependência de alguma revelação escrita e reproduzida sob as precárias condições da comunicação terrestre. Ele não ficaria a mercê de um livro feito de papel e tinta e de ouvidos propensos à surdez voluntária ou física dos nossos ossinhos e labirintos, bem como das intenções nem sempre louváveis de quem sai a pregar a sua visão particular da Revelação. Isto equivale a dizer que o Plano de Salvação independe do que os escribas tiverem lembrado das palavras do Mestre, e muito menos das interpretações que os bons e maus pregadores vêm fazendo ao longo dos séculos. Então, agora, nós podemos apostar com segurança que seremos salvos de qualquer maneira, independente de termos lido ou crido nas Escrituras, e de termos ouvido igrejas pregando suas crenças particulares. A salvação vai depender, sim, de outros fatores…. E aqui entra a parte…

Do Homem: Todo cristão sabe que não há salvação sem arrependimento. Sabe que o arrependimento é o único caminho, e não Cristo (Cristo é a avenida pela qual correm todos os caminhos ensejados pela misericórdia). Para se arrepender é necessário SER BOM, como explicou Lewis em “Mere Christianity”. Para ser bom, é necessário fazer com que a alma humana, viciada na prática da liberdade irresponsável, conceda se enveredar pelo vício oposto, i.e., perder a pseudo-liberdade e assumir regras organizadas de viver e conviver. Pior, o processo é lento, longo e até doloroso nos primeiros anos, e a maioria opta – entre saber que não é bom e saber que o prazer é bom – por voltar à lama e ao próprio vômito, desistindo daquilo que acaba chamando de “utopia do padrão divino”. Com efeito, em todas essas etapas pode crer em Jesus e nada alterará, a não ser que se arrependa, mas só pode se arrepender se alojar a bondade de Deus em si mesmo. Finalmente, se não conseguir se arrepender daquilo que nem considera pecado, só se salvará se enxergar a luz no fim do túnel e segui-la, até onde der na vista [para ampliar o que foi disto neste parágrafo, favor continuar a leitura NESTE link].

Agora o leitor pode talvez entender porque a salvação é um Milagre. Ou melhor, porque é um milagre tão colossal, maior que o universo. Porém, seja lá como tenha entendido tal azáfama pela ótica deturpada que já lhe legaram, descobrirá também que quanto mais difícil é a salvação, maior será o Amor de Deus envolvido no processo. Porquanto salvar a meras criaturas pecadoras porque elas acreditaram num mero amontoado de papel, escrito às custas de memórias precárias de indivíduos escolhidos para assinar por outrem, seria tosco demais para caracterizar a nobreza inefável do sacrifício de Cristo, que iria buscar qualquer alma em qualquer lugar, mesmo que para isso tivesse que descer aos infernos.

Será que uma alma moderna vai entender o que acabou de ler? Certamente não entenderá, pois a mesma dificuldade de comunicação que Deus encontrou para inspirar homens a serem escribas de outros, é a mesma que ocorre agora, no escriba destas linhas.

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Por que alguns pregam com raiva?

Deixar de ouvir ou dar razão a alguém pelo simples fato de constatar revolta ou grossura em suas palavras, pode ser a mais nefasta forma de injustiça espiritual, com sério prejuízo à salvação das almas.

Pq pregamos Minister_shoutsA exemplo de nomes ilustres como o do ministro Joaquim Barbosa, temos visto diversos pregadores da Palavra de Deus angariarem antipatias e surdez voluntária por conta de seu jeito “violento” de falar, demonstrando estar revoltado ou raivoso com seus ouvintes; os quais, a rigor, nada têm a ver com o motivo da irritação, e sofrem a injustiça da situação ou somente a toleram por absoluta necessidade da informação. Um exemplo clássico deste fenômeno no meio evangélico é o do pastor Silas Malafaia, homem cuja palavra é preciosa para estes tempos de pregações chochas, permissivas ou voltadas exclusivamente para o bolso dos ouvintes.

Ipso facto, assim como o nosso país precisa desesperadamente de um magistrado como o professor Dr. Joaquim Barbosa, a igreja de Cristo (e toda a cristandade) precisa visceralmente de um homem como Malafaia, cujas “grossuras” ao pregar trazem as mais cristalinas verdades de Deus e são, por isso mesmo, absolutamente imprescindíveis neste deserto frio e silente em que se transformou o Cristianismo moderno. Adianto-me até para dizer: “ai de nós se não fossem esses homens grossos que, com seus corações feridos, despejam revolta em todas as mídias e terminam por inspirar outros, até que a chama da Justiça faça eclodir um movimento genuíno de protesto prático, no qual os desconstrutores do Reino de Deus sejam silenciados ou paguem pelo mal que causaram à sociedade”.

Citei dois exemplos de homens que, com cicatrizes abertas de dor em seu passado, não conseguem mais falar mansinho ou delicadamente, mesmo quando se lembram de que pode haver crianças na sala ou cidadãos e cidadãs de bem, ávidos por uma palavra de consolo e esperança num mundo que erradicou a civilidade. Eu até poderia citar outros nomes, mas julguei correto e mais justo falar de mim mesmo, pois também creio ter perdido o controle de meu temperamento, respondendo sempre “com a espada desembainhada”, como dizia o apóstolo Paulo (muitas vezes também acusado de grosso ou inábil). Assim sendo, vou contar a minha história pessoal, como resposta àqueles que deixaram de me ouvir por conta do clima de revolta transparente em minhas preleções, ou pior, que passaram a adotar a maledicência como pseudossolução, numa possível desmoralização dos “maus” pregadores.

Pq pregamos com raiva2No histórico de vida de quase todos os grosseiros e revoltados, algo aconteceu que magoou profundamente as suas almas, lá na profundidade de seu psiquismo, e a dor decorrente pode ter sido tão intensa que o Sistema Nervoso Central não pôde frenar o desgaste emocional. Digo isso porque é assim que eu entendo as respostas iradas de um Joaquim Barbosa e de um Malafaia, e apresso-me a dizer que só encontro esta opção para satisfazer meus ouvidos (por eles agredidos) porque foi isso mesmo o que aconteceu comigo.

Eis a minha história pessoal. Trato aqui de minha experiência no meio da cristandade reformada, e não por não ter encontrado padres grosseiros e ignorantes (claro que os encontrei, inclusive o último, que celebrou meu casamento, um velhinho “grosso que só papel de embrulhar prego”, mas também um doce de criatura, do tipo “seu Lunga”), mas porque jamais pude pregar na Igreja e por isso nunca fui ouvido – adianto também que nunca preguei não porque tenha sido de alguma forma proibido disso, mas porque não há necessidade de ensinar no meio católico, conforme ditam as minhas crenças pessoais.

No meio evangélico, onde a necessidade de ensinar o bom e puro Evangelho é uma constante necessária para evitar a perda de almas, me dispus a revelar minhas “credenciais” desde cedo, não necessariamente confessando meus “diplomas” (até porque acho que diplomas não valem nada!), mas entrando de corpo e alma nas agendas de preleções das igrejas, tal como a maioria dos jovens pregadores fazem em suas classes de jovens e os senhores em suas classes de adultos. E aquilo foi ocorrendo sem maiores complicações (nos primeiros meses ou anos em cada igreja), na mútua simpatia que havia entre um missionário convicto e uma liderança eclesial que, para todos os efeitos, se apressa para aumentar o rebanho, nem que para isso esteja contando com um pregador “de intenção desconhecida”.

E o tempo passava e muitas almas se aproximavam de mim pela coerência espiritual herdada de CS Lewis, e a paz estava intacta por um bom tempo, até que a Verdade ficava maior que a minha capacidade de resumi-la ou enfeitá-la; e então as pontas de seus espinhos dolorosos escapavam de minha vigilância e espetavam minha língua, e assim eu acabava batendo com a língua nos dentes, contando o que deveria contar apenas para os fortes na fé, ou aqueles que já estavam divinamente preparados para receber alimento sólido. E isto se repetia sempre, em todas as igrejas. E o que acontecia na ocasião?

Ora; quando uma verdade dessas chegava aos ouvidos da audiência, seja no santuário ou numa classe de jovens e adultos, quase ninguém se continha para guardar a Palavra de Deus no coração, meditando nela como fazia Nossa Senhora ao ouvir o anjo! Ou seja, a beleza ou o pavor da verdade fazia crepitar as labaredas da inquietação, e as almas não se continham e corriam para os ouvidos do pastor e o contavam inocente ou maldosamente, do jeito deles, com as palavras deles, i.e., com os erros comuns de ignorantes que espalham boatos. Então o pastor, com ignorância igual ou herdada, pré-rotulando todas as suas experiências, imediatamente subia ao púlpito e destilava a sua verborragia intolerante, nem sempre poupando o “herege” de dura crítica inquisitória, às vezes até citando o nome da pedra no sapato que Deus lapidou pela pedra angular.

Nomes de herege e falso profeta eram as pechas menos pesadas atiradas nas costas do intruso daquele rebanho, e suas mensagens nada mais eram que “um outro evangelho”, sinônimo anátema, merecedor da excomunhão que eles mesmos condenavam quando a viam no Catolicismo. Experiência idêntica tem revelado um excelente pregador protestante, de nome Ricardo Gondim, cujas feridas jamais conseguem ficar ocultas nas entrelinhas de suas pregações e artigos, provando que a intolerância que eu sofri não é privilégio de um católico infiltrado, e sim de quem quer que ouse trazer o diferente, aliás, o velho “Cristianismo Autêntico”, que Lewis chamou de “Mero Cristianismo” com base em ideia de Baxter.

Ora. Mesmo quando alguém ensina num colégio uma matéria equivocadamente, em prejuízo dos alunos, a ideia não poderia ser “a da simples excomunhão pelo cheiro de heresia” que os inquisidores transformaram em lei. Professores que ensinam errado devem ser reciclados e não expulsos. Abra-se um conselho e todos o ouçam, como sugeria Gamaliel e a Torah, e depois vejam se se tratava de fato de um erro intencional, ou de mera ignorância. Se se deu esta última, recicle-se e evite-se mais um desempregado. Se foi erro intencional, veja-se se a visão do “herege” não foi mais longe, e não se dê o caso de ele haver mostrado algo além, e não aquém, para seus alunos. Afinal, líder algum pode ver tudo e, a rigor, a verdade ainda está a se revelar, e surpresas são a bola da vez em qualquer situação de busca do saber.

Quem sabe aquilo que o vulgo chama de heresia não possa ser a pura e divina luz do Mistério que Deus usou para falar por meio de um instrumento insuspeito por sua aparente incapacidade? E assim a minha experiência foi sendo vivida, e a cada nova igreja uma nova dor surgia, com feridas e agressões violentas e revoltantes, cujo futuro ficava na conta de curas que certamente só a Pátria Celestial poderia efetuar. Nem preciso lembrar de coisas como injúrias e calúnias, pois estas são “delicadezas” típicas dos homens sem alma, e Paulo disse que tais coisas nem se nomeiam entre cristãos. Refiro-me a processos dolorosos de desmoralização de uma reputação em meio fraterno, sem que tal violência nem de longe chegue a acusar a consciência de pastores e teólogos, como se somente eles fossem usados por Deus, e suas gargantas jamais merecessem o “vade retro” que Jesus deu a Pedro (muito melhor líder e pregador que eles!).

Enfim, isto tudo foi crescendo como chagas abertas na minha alma e chegou a um ponto em que a doença alcançou a ausência terrestre do remédio, modificando minha maneira comum de falar e dando-me o ar de eterno revoltado contra fantasmas distantes, prejudicando os ouvintes atuais que nada têm a ver com as inquisições de meu passado (nada têm a ver? Será mesmo?)…

O problema é que enquanto não houver uma verdadeira revolução na Educação Religiosa das igrejas e seu minucioso acompanhamento por parte de um aplicado estudo bíblico doméstico, além de uma boa dose de estudo teológico de vanguarda, todos os crentes serão no fundo inquisidores, promovendo a intolerância bíblico-teológica contra qualquer alma que ousar explicar o “a-b-c” por um alfabeto diferente ou mesmo em caixa alta (A-B-C).

Isto constitui o momento em que cada denominação constrói muros de intolerância ao redor daquilo que chamam de “seu corpo doutrinário”, e ai daqueles que ultrapassarem seus limites, como se houvesse no mundo qualquer corrente capaz de prender o Espírito que sopra aonde quer, tal qual os ventos. Ninguém concebe um Evangelho 100% livre como águia, feito para voar às alturas e sem distinguir qualquer denominação, formando apenas um Cristianismo único, no qual a palavra final não seja a do pastor, mas a da Razão baseada na lógica da fé. Cercando-se de todos os cuidados neste mister, as igrejas formaram quartéis, os quais Jesus queria que lutassem contra o diabo, mas que nelas agora lutam soldados ignorantes, uns contra os outros.

Eis a razão da revolta! Eis a ferida exposta! Por que cargas d’água um cristão deveria sofrer tanto pelas mãos de outro cristão? Por que os pastores criaram um verdadeiro reino unilateral e monocrático, onde só a palavra deles é a lei e a verdade? E quem disse que essas igrejas, verdadeiras fortalezas de vaidade e vacuidade, deveriam se encastelar de tal modo contra a doce voz do Espírito Santo, que sempre inspirou gente pobre e sem expressão?

Não é coincidência: é a pura bofetada da justiça quando se ouve as respostas de um Joaquim Barbosa, de um Ricardo Gondim ou de um Silas Malafaia! “Quiseram gritar sozinhos e caluniar os servos do Altíssimo, agora aguentem o machado sobre a raiz das árvores infrutíferas, sepulcros caiados e guias de cegos! Quem dera esqueçam o seu azeite!”…

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Não importa quem escreveu a Bíblia

Seja lá tenham sido os seus autores conhecidos, seja lá tenham sido homens desconhecidos, o que importa é que a mensagem subliminar é transcendente e toca diretamente a alma humana.

Mão medieval escrevendoMuitos têm saído pelo mundo afora a tecer comentários pejorativos contra o valor das Escrituras, baseando-se na premissa de que os textos bíblicos são meros registros escritos por seres humanos, e por isso nada têm de especial e comportam as falhas comuns à nossa espécie. Todavia os que assim pensam não perceberam ainda que este argumento se volta contra eles mesmos, porquanto a chave das sagradas letras se dá justamente no contraste entre os dois pontos, a saber: ou as Escrituras foram escritas por homens especiais (que estiveram face a face com o próprio Deus) e por isso sua mensagem é tão importante e tocante; ou ao contrário, foram escritas por gente comum, inclusive de pouca instrução, e este dado então é que prova o quão inspiradas foram, já que gente comum jamais teria poder para ir tão longe e falar às almas.

O mesmo fenômeno paradoxal se dá contra aqueles que falam mal da Santa Sé, argumentando que “nunca houve na História nenhuma instituição mais imunda e corrupta do que a Igreja”. Veja onde o paradoxo triunfa de tal argumento. Ora, por ser a queridinha de Deus, que Ele mesmo chamou de “Noiva” na parábola das bodas, não era de supor que Deus se esforçasse tanto (inclusive morresse numa cruz) por uma noiva que estivesse bem limpa, são e salva, em paz e purificada, apenas aguardando o Noivo em oração e jejum! Certo? A lógica de um gesto de resgate e de um amor infinito pressuporia obviamente uma alma odiosa e uma perdição hedionda para justificar que somente um deus pudesse ir buscá-la; do contrário, qualquer um poderia salvá-la. Isto é, foi o estado imundo e deplorável da noiva que levou o Noivo a demonstrar uma paixão crucial, crucifixal, pois só um amor infinito iria buscar uma noiva tão imunda! Eis porque quanto mais pecador for o estado em que enxergarmos a Igreja, tanto mais terá sido ela a escolhida do coração de Deus, e tanto maior terá sido seu amor e seu sacrifício por ela! (Foi um resumo muito curto, mas a lógica é esta aí)…Monge medieval escrevendoPortanto, é o fato de TOCAR DIRETAMENTE A ALMA HUMANA que pressupõe uma mensagem originada numa mente superior, e este dado, ao invés de exigir a autoria de Pedro, João e Paulo, pelo contrário, na verdade torna a mensagem bíblica muito mais valiosa e transcendental, pois prova que Deus de fato usa gargantas humanas para comunicar-se a nós, independente dos títulos de doutores, “apóstolos” ou discípulos do Mestre. Na verdade, se Deus precisasse de “mestres e doutores” para comunicar sua salvação a nós, quatro deduções adviriam daí: (1a) Nossa salvação ficaria muito mais difícil, pois gente com mestrado e doutorado são A MINORIA na Humanidade; (2a) Deus estaria fazendo acepção de pessoas no sentido mais injusto, pois os “doutores” geralmente não se interessam pelas coisas de Deus e têm em seus diplomas motivo de vaidade, e não de humildade; (3ª) A salvação acabaria dependendo do financeiro, pois os “mestres e doutores” geralmente são gente que tem dinheiro para pagar graduações e pós-graduações, que são ordinariamente muito caras; (4a) Deus provaria a sua ineficiência para comunicar-se conosco, pois não seria inteligível ao povão iletrado; Etc..

O que precisamos compreender de uma vez com toda atenção é o “sistema lógico de Deus” perante um mundo decaído, o qual elege sempre o mais belo e mais rico para adorar, desprezando o feio e o pobre, para usar uma linguagem popular. A ideia de Deus é justamente o contrário, pois o Criador valoriza as pequeninas coisas e por elas dá a Sua vida. A lógica de Deus estará sempre partindo do valor negado aos humildes e aos excluídos, e isto inclui pessoas e coisas. Todas as vezes que estivermos diante de algum objeto ou situação desprezível (do ponto de vista do aplauso da maioria rica ou guiada pela mídia), podemos apostar que é justamente para eles que Deus está olhando ou velando, com zelo ardoroso de pai e pastor.

Assim, pois, coisas como a Igreja, a Bíblia, a oração, a moral cristã, as relíquias sagradas, os objetos de culto, a quermesse, a reza matuta, o esquecimento do “persignar-se”, as ofertas pobres, as roupas sem grife e outras coisas típicas da religiosidade popular e da pobreza (que o mundo rico despreza), são justamente aquelas que Deus dá atenção, descartando quase totalmente as outras, ou só lhes dando atenção quando vê sinais de alguma mudança interior de humildade.cs-lewis escrevendo2Outrossim, é preciso ver que a acusação desesperada dos que detratam a Bíblia sempre ocorre, fora do meio cristão, porque as almas perdidas querem fugir continuamente das responsabilidades morais que sua leitura implica, e isto se tornou o terrorismo psicológico e a perseguição mais dolorosa para a nova geração, enganada que foi pelo mundo sem ética e pela ditadura do Capital. Por esta razão, uma das acusações mais “grotescas” acaba voltando-se contra si mesma, pois, por um lado, se se alega que as Escrituras foram escritas por uma gentinha semianalfabeta, e por isso não poderia tratar de questões tão profundas quanto as da PSICOLOGIA DA ALMA e da TEOLOGIA DA TRINDADE, por outro lado o fato de aquela gentinha ter escrito tudo isso prova que Deus foi quem falou por elas, e que então não importa QUEM as tenha escrito, já que foi a mente de Deus que as inspirou (o StudioJVS divulgou um vídeo sobre este tema no Youtube, com o mesmo título deste artigo). Por outro lado, se foram os apóstolos os “mestres-escribas” daquela mensagem profunda, os detratores da Bíblia estarão obrigados a reconhecer que no mínimo eles estiveram com Jesus, ou receberam de Deus qualidades especiais que os fazem pessoas muito mais brilhantes que os mestres modernos. Eis aí o beco-sem-saída da mentira que quer vencer a verdade, e não consegue convencer nem mesmo aqueles que foram obrigados a engoli-la, sob pena de penas eternas.

Finalmente, a partir de agora, quando você se deparar com coisas “cafonas” como este nome, coisas que tanto os “doutores” desprezam quanto os ricos desdenham, esforce-se por gostar delas e a elas se dedicar, sabendo que o próprio Criador do universo (que permitiu que tais coisas entrassem em contato conosco) é o responsável por mantê-las e glorificá-las em seu Reino, e que Ele espera de nós humildade suficiente para conviver com elas e amá-las, até que Sua verdadeira beleza um dia nos seja mostrada, se é que mereceremos estar lá na ocasião.

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Assistir “VEJAM SÓ” é pasmar-se diante do diferencial de Lewis

Um excelente programa de debates evangélicos da televisão suscita uma fascinante descoberta: CS Lewis é outra história. A visão do irlandês é sempre maior que a dos pastores protestantes.

VEJAM SÓ

Ontem assisti ao excelente programa “Vejam Só”, da Rede Internacional de Televisão (RIT), comandado pelo inteligente pastor Eber Cocareli, em que o tema era a discussão de um trecho da Epístola de São Pedro, onde o grande apóstolo informa que Cristo pregou aos espíritos em prisão, seguido do trecho onde a carta diz literalmente que “o evangelho foi pregado também aos mortos”. Deste palpitante momento da TV evangélica brasileira, muitas pérolas de conclusões podem ser extraídas, e todas pasmam este telespectador por apontar para a Teologia Lewisiana, mostrando o quanto ela difere da maioria das premissas e interpretações ali defendidas.

Não há o que tergiversar aqui. O programa da RIT é confessamente evangélico e está no seu santo direito de debater o tema que quiser, sobretudo aqueles iluminados pela Palavra de Deus. Neste particular, aliás, é extremamente louvável, em vista das demais emissoras e programas evangélicos que apenas “evangelizam”, cantam, oram e nada mais. Com efeito, sua agenda diária é sempre rica e instigante e seus ouvintes e fãs têm muito a ganhar ao acompanhar os instrutivos debates. O público evangélico deveria assistir o ‘VEJAM SÓ’ todos os dias, pois ele se constitui, nestes últimos tempos de pregações vazias, num verdadeiro oásis no atual deserto da homilética, com um ensino bíblico livre e sem os velhos clichês proselitistas.

A cristandade reformada, entretanto, ouvirá ali tão somente conclusões que reforçam os principais “dogmas” protestantes, oriundos do às vezes tosco entendimento da mensagem de Lutero, e assim outra vez a redundar em clichês irremovíveis.

No programa desta 5a feira, 25 de abril, onde o tema era excepcionalmente apropriado como exemplo do presente argumento, os leitores e sobretudo os estudiosos de CS Lewis ganharam um valioso documento de prova do quanto “Jack” via as coisas por outros ângulos, muitos dos quais a impedir as conclusões dos participantes do debate. Numa sentença só, poderíamos adiantar o nosso foco-tema e afirmar que só há duas saídas para o impasse: “ou Lewis é um completo desorientado, e ensina heresias, ou é a essência perfeita e única de ver a Revelação, como bússola para todos os cristãos”.

Porém, ao afirmar isso, entramos numa discussão que o próprio Lewis levou adiante em alguns de seus livros, a saber, a questão da autoridade da fonte. Com efeito, a pergunta direta é: “Que autoridade teria Lewis para asseverar certas posições que a cristandade reformada por inteiro rejeita ou torce o nariz para tratá-la com seriedade, num esforço hercúleo entre a simples antipatia e a pura rejeição? Por que cargas d’água um crente, ou pior, uma igreja, teria que afinar-se com aquele escritor em particular? O que haveria em Lewis que o tornaria um autor divino especial?”… Enfim, é por este ângulo que as águas irão escorrer e não temos nenhuma garantia de que este arrazoado angarie qualquer serventia ao seu final. Afinal, nós mesmos precisamos de muita massa cinzenta para ver a imprescindibilidade espiritual de Lewis, e, a menos que outras almas trilhem os mesmos caminhos, ou a menos que outras luzes brilhem noutras mentes, não há razão alguma para esperar um resultado diferente do que está posto na realidade, e por isso Lewis continua até certo ponto como um desconhecido, sendo encarado, via de regra, como mais um autor na vasta gama de leituras disponíveis nas livrarias evangélicas.

Porquanto colocar Lewis num patamar de instrutor dos cristãos, ou na frente da losa de todas as escolas bíblicas, seria (pensam os evangélicos) a reintrodução de uma velha prática idolátrica do Novo Testamento, quando Paulo pediu para que nem ele, nem Cefas, nem Apolo, nem nenhum outro, fosse “o cara” na liderança das igrejas, sendo aquele posto tão somente merecido por Jesus, o único pastor 100% divino. Isto serve para abrir os próximos parágrafos com o desafio de mostrar onde está a diferença que temos em mente agora.

Cristo é a Pedra fundamental, é a Fortaleza dos cristãos, é a Rocha-alicerce das igrejas, é o único bom Pastor, é o único digno de toda honra e adoração; e nisto estamos todos afinados, se não tivesse sido o próprio Cristo a pedir o pastoreio de sua igreja, deixado a cargo de homens de carne e osso, os quais seriam, a partir do Pentecostes, os pastores a instruir o rebanho e a fazer discípulos de todas as nações. Além de tudo isso, os pastores seriam gente treinada nas artes do pastoreio, e muito mais nas meditações e metodologias de evangelização, ganhando às vezes, para tanto, até uma ordenação sacramental para o exercício de tão sublime (en)cargo. [Nem vale a pena pensar aqui naqueles que usam o título de pastor para enriquecer].

Lewis jamais se formou em teologia e muito menos se ordenou sacerdote ou pastor, e por isso não teria, em princípio, qualquer prerrogativa de magistério eclesial, devendo, ele sim, ser um aluno e não um instrutor de rebanhos. Isto posto, até aqui carimbamos estes pontos como sendo um consenso entre nós, e nada desfaremos de seu arrazoado lógico.

Inobstante, há trechos nas Escrituras Sagradas onde os instrutores da Revelação (chamados de doutores e mestres) são colocados num patamar especial, e seu magistério, chamado de “dom de profetizar”, recebe credenciais de destaque na estrutura das igrejas, como formando uma tropa de elite dos exércitos do Senhor, instruindo até mesmo pastores (aliás, estes, quando merecem o nosso respeito, recebem instrução generalista e especializada de mestres e doutores em Seminários Teológicos, e os pastores se formam justamente para pastorear – cuidar – e não para instruir ovelhas nos apriscos, ficando a iluminação da Palavra de Deus a cargo dos ministérios especiais dos instrutores treinados na erudição e inspirados por Deus). É claro que muitos mestres de seminário também são pastores, mas cada um deles sabe o quanto o magistério é diferente do pastoreio, e o quanto cada área tem a sua importância vital para a saúde das almas.

Devido à explosão demográfica e ao inchaço das denominações, mui raramente “doutores e mestres” podem ensinar em igrejas, e aí a desgraça começa, quando o rebanho é deixado apenas à mercê de pastores e “obreiros”. A luz divina é abafada pela espessa copa das árvores prosélitas, e talvez nem haja a rigor um interesse mais profundo na robustez das almas, e sim no aumento das que frequentam os templos, enchendo os bancos dos pastores, nos dois sentidos. Isto pode explicar, com certeza, porque a instrução culta aparece pouco nas EBDs, se é que elas ainda existem. Explica mas não justifica porque um CS Lewis, um JB Phillips, um John Stott, são tão pouco conhecidos no ambiente de culto. Mas voltemos ao tema da diferença que há em CS Lewis.Vejam Só = Pr Eber Cocareli

No programa de ontem, como sempre, o debate foi feito por 3 pessoas: o pastor Eber e mais dois convidados pastores, não lembro bem: um presbiteriano (teólogo) e um outro biblista, provavelmente da Assembléia de Deus. O pastor Eber chegou a falar que certa interpretação, sem a vizeira protestante, poderia fazer reaparecer a noção de Purgatório, imediatamente abandonada – sem qualquer exame – por ter origem católica. Porém o mistério perdurou em todas as entrelinhas do debate, exceto quando os três se sentiam incomodados por ele e corriam para debelá-lo como um incêndio na própria casa. Não havia o que fazer.

Quando todas as declarações bíblicas são contempladas sem medo, não há como fugir à verificação de que existem de fato “vários infernos” (o pastor assembleiano assim o disse), e que o verdadeiro e último inferno, sentenciado para receber almas após o Juízo, é o tal Lago de Fogo, de onde Jesus também possui as chaves. Logo, diante da TV, com aquele único debate, a verdade bíblica ficou escancarada, e os depoimentos deixaram entrever outro destino escatológico, além de Céu e Inferno. Falou-se em abismo, em Sheol, em Geena, em Tártaro, em mundo dos mortos, etc, mas ninguém lembrou do “Vale da Sombra da Morte” indicado no Salmo 23.

Dado o tempo curtíssimo para debater um tema que a cristandade estuda há séculos (e o protestantismo tardio nega veementemente – veja NESTE link), ali não se questionou nada acerca da situação das almas na hora da morte, em seu estado bruto ou polido, mas jamais santificado para entrar no Reino de Deus. Nem mesmo o versículo que diz “sem a santificação ninguém verá o Senhor” foi ventilado, pois ele comporta uma carga escatológica de peso, levando imediatamente a duas possibilidades: (1a) Ou existirão almas salvas e cegas no Reino de Jesus, pois terão entrado no Céu sem estarem 100% santas!; ou (2a) existirá um lugar para onde essas almas irão para terminar sua purificação, para poderem ficar santas e “ver” o Senhor, e este lugar nem é o Céu nem o Inferno de fogo.

Assim, as letras garrafais do Purgatório se insinuaram sutilmente, e a sua entronização só não se deu “por medo da concorrência”… ou por medo do espelho que mostraria o erro colossal de escamoteá-lo. Nem o seu bisonho nome, que afasta crentes e santarrões, foi considerado inadequado para tipificar sua existência, o que poderia resgatar a ideia que esconde. Se pelo menos um dos debatedores tivesse passado por um momento de humildade e tivesse aventado a hipótese de admitir que, embora o nome do lugar não reflita a sua função (se se nega a purgação dos pecados para santificar almas), não é possível demovê-lo da doutrina, uma vez que não há como extraí-lo de textos e contextos bíblicos, sob pena de se criar uma lacuna perniciosa na Revelação, com sério prejuízo para o resgate das almas que eles querem salvar.

Entretanto, se a purgação fosse examinada e depois entendida como uma passagem por um período onde a alma estaria sendo “lavada” pelo Espírito Santo (I Pe 3,20-21 e Ef 5,25-26), enfrentando neste processo, inclusive, as dores angustiosas de Jesus no Getsêmani, então aí a soberania do Purgatório reapareceria triunfante, unindo crentes e católicos numa conversa profícua, com a qual lucrariam todas as almas telespectadoras daquele debate. Infelizmente aqui também a política é o que predomina, e as cores partidárias de cada igreja proíbem qualquer associação com impuros de ambos os lados, e as pedradas são para os espelhos de cada um.Lewis com livros à esquerda

É aqui que entra CS Lewis. O grande mestre escreveu sobre O Grande Abismo e ali explicou que aquele “acidente topográfico” não deve ser entendido como uma barreira física a separar dois lugares num ambiente de 3 dimensões! Explicou que a mesma ideia é passada nas Escrituras para outras situações, como entender que a igreja não é apenas templo e a caridade não é apenas esmola. A investigação mais minuciosa da Palavra de Deus vai mostrar justamente isto acerca do grande abismo, quando Isaías explicou que não é uma distância física que separa as almas de Deus, e sim um “divórcio espiritual”, explicitado na sentença: “os vossos pecados fazem SEPARAÇÃO entre vós e o vosso Deus”. Separação é sinônimo de divórcio e Lewis intitulou o seu livro justamente com este título (“O Grande Divórcio”), sendo mal traduzido para “O Grande Abismo”.

Em que isto se relaciona com o programa da RIT? É que não havendo barreira física alguma nem abismo nenhum entre as almas e o Céu, qualquer alma pode sair da região dos mortos (o Vale da Sombra da Morte) e subir ao Céu, complementando o processo de purificação iniciado desde a Terra e culminado numa espécie de “escola paradisíaca”, na qual alguém pode ser instruído por gente como George MacDonald e até por anjos! Eis aí a diferença!

Lewis então não recebeu a Revelação de Pedro (de que o Evangelho “também foi pregado aos mortos”) como uma metáfora vazia de significado prático, e muito menos como uma distorção voltada para a pregação audível levada aos vivos! Lewis viu mais longe e entendeu que nenhuma alma desce ao Hades sem que o seu Salvador não vá àquela porta e fique batendo, como diz o livro das Revelações (Ap 3,20). Entendeu que Deus é também o Senhor do Hades e tem as chaves de todas as portas e as abre quando e como quiser. Entendeu que não há nenhum lugar dentro ou fora de todas as dimensões criadas onde Ele não possa estar, como diz o salmista (Sl 139,7-12). Entendeu que Deus tem um poder e um amor tal que jamais deixaria uma alma naufragar na escuridão sem acender uma nova luz, como disse Isaías em Is 9,2. Enfim, Lewis sempre entende além dos olhos comuns da média cristã, e é por isso que deve ser consultado, sempre, e com a autoridade delegada por Deus, quando lhe deu aqueles olhos de lince (aliás, de Leão).

Usando os olhos de Lewis ninguém tem dúvidas. Não haveria a discussão daquela 5a feira na RIT, e a conclusão final seria unificadora e cristalina: há uma região post mortem para onde as almas vão e se purificam (ou não) e é isso que responde ao suposto mistério oculto nas palavras de Pedro, que tanto estremece a fé de alguns e provoca discussões sem fim. Era um ponto excelente de união do Cristianismo, sem precedentes, porque trata daquilo que TODAS as almas enfrentarão após a morte, e sobre o qual não poderia haver discórdia! Nem Lutero o negou!

Infelizmente, a cristandade não é regida pelo bom senso como são as regras de trânsito ou do xadrez, ou o bom senso já foi sepultado há séculos. As denominações cristãs se regem pela política e pelo sectarismo, e o amor a Deus geralmente fica abafado pelas intriguinhas denominacionais, e é a ira e o revanchismo que prevalecem, como se não fôssemos irmãos comprados pelo precioso sangue. Certamente o sonho de Deus acerca da união dos cristãos vai ficar para a posteridade, com muitas lágrimas, após todo o tempo que durar a estada de cada alma no Grande Vale.

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CS Lewis projeta todas as denominações

Levando ao mundo apenas a verdade dura e fria dos fatos, e sem sectarismos, a Teologia Lewisiana perfaz surpreendentemente uma nova canonização da Revelação e dá às igrejas a bússola para levar os cristãos à estatura de Cristo.

Lewis projeta todas as igrejasAo dizer que CS Lewis  PROJETA todas as denominações, estamos aqui reconhecendo o tremendo impulso dado pela teologia lewisiana às teologias particulares de cada denominação e igreja reformada, conduzindo sua consciência espiritual àquele patamar da fé em que o discípulo pode esperar seu mestre de pé, ou confessar, como Paulo, “ter ouvido palavras inefáveis, as quais não é lícito revelar” (por não terem sido dadas à pobreza de espírito). Projetar algo aqui é alavancar para o alto, arremessar em direção aos altos céus de revelações permitidas pelo Espírito de Deus, ajudando cada irmão e igreja a consolidar a sua fé, e sobretudo a sua esperança escatológica naquEle que vem e virá, como prometido aos apóstolos.

Com a isenção e a imparcialidade típica de quem está com a verdade entregue pela Justiça divina, CS Lewis entregou ao mundo uma obra praticamente completa, capaz de ‘fechar’ todos os pontos aos quais foi impossível à Escritura fechar com os detalhes necessários” (João 21,25). Com esta compreensão em vista, a noção de Cristianismo precisa urgentemente de uma reformulação retroativa, de tal modo que quase tudo o que foi ensinado necessita ser complementado, assim como poucos pontos conhecidos serão úteis sem alteração, ao tempo em que a grande maioria da obra salvífica se mantém desconhecida. Lewis constitui justamente o missing link que vem apontar e unir todos esses pontos, reconstruindo ou reinaugurando aquilo que o Colégio Apostólico não foi capaz de conduzir a contento.

Com efeito, se existe uma escalada de crescimento espiritual para os cristãos (explicitada no pedido de Paulo “prossegui em conhecer cada vez mais o Senhor”) até que todos cheguem à estatura de Cristo, esta escalada será tanto maior quanto mais se basear na teologia lewisiana, única que liga todos os pontos aparentemente desconectados das diversas crenças cristãs, assim como acolhe os pontos de afinidade entre as várias teologias. Porquanto o horizonte é Lewis, e o caminho a seguir é aquele que ele iluminou, esclarecendo todas as dúvidas, preenchendo os pontos omissos e ampliando a compreensão até o nível mais elevado, perdido na noite dos tempos.

livros5Se esta noção se tornar unânime entre as igrejas da Reforma, não demorará muito até o dia em que o planeta Terra verá a eclosão de um só Rebanho do Senhor, e assim a segunda vinda do Cordeiro não mais terá razão para adiar-se à espera da salvação dos perdidos. Se é verdade que há uma só fé, um só batismo e um só Senhor, então não é nada ilícito supor que possa haver também um só rebanho, à luz da Igreja Gloriosa, una e santa na presença do Pai.

Prova disso tudo é a extraordinária coleção “A Bíblia interpretada versículo por versículo”, de Norman Russel Champlin, que está presente tanto em seminários teológicos católicos, quanto protestantes, numa demonstração de que a convivência doutrinal é possível mesmo entre aqueles que pensam ser as coisas irreconciliáveis (recentemente um BLOG veiculou matéria da EAT tratando deste assunto). Para Deus não são, porque para Ele tudo é possível, mesmo unir gato e rato criados em seu aprisco. Quando o Cristianismo como um todo amadurecer (para Lewis ainda estamos engatinhando na história da evolução), todas as nossas diferenças e intrigas terão passado, e o maior benefício será a constatação do quanto fomos infantis numa separação impossível… conquanto somos uma rocha assentada sobre a Rocha, que a tudo une em nome de seu infinito Amor.

 

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Exemplo de fé de uma descrente

Uma senhora extremamente caridosa, mas cética, deixa ao longo de sua vida um exemplo perfeito de fé que deveria ser constante entre cristãos, como o resultado mais lógico de sua filiação a Cristo.

Ela se chama Maria, mas detesta este nome. Diz que pertence a uma Maria comum que jamais concebeu sem ter dormido com um homem. Por isso, ela usa sempre o seu segundo nome, que nada mais é que uma homenagem do pai dela a Marlene Dietrich, a atriz que fez história na indústria cinematográfica nos áureos tempos. Seu sobrenome é conjugado de seu cônjuge, um ferrenho ateu que lhe roubou a fé, por conta de um trauma insignificante que o orgulho avultou. Seu sogro, pai do ateu, ao contrário e surpreendentemente, era um médico de extrema fé e que deixou sólido modelo de discipulado cristão na humildade e na caridade.

Exemplo de fé de uma descrente

A descrença de Marlene não é tão doentia quanto a de seu esposo, embora, com os maus exemplos a olhos vistos dos cristãos de todas as denominações atuais (sobretudo os da teologia da prosperidade e da pedofilia clerical), chega muitas vezes às raias da insanidade e do desespero, quando se encoleriza e até rasga as páginas do Novo Testamento, dizendo que, se Deus existir, um dia irá peitá-LO por condenar ateus e admitir, no seu “suposto santo Reino”, o ingresso de safados incorrigíveis, como crentes corruptos e clérigos pedófilos. É assim que pensa a caridosa Marlene, como um sinal vivo de que a salvação das almas independe da fé específica sobre a pessoa de Jesus.

Marlene deixou de crer em Deus lá pelos idos de 1967, quando até então levava os filhos à igreja próxima de sua casa, chegando inclusive a contratar, por amizade, uma freira católica para ensinar o velho catecismo aos rebentos. Desde que se casou com seu esposo, “seu Luís”, a insidiosa influência deste sobre ela se fez notar no paulatino esfriamento do coração, que entendia tudo como uma injustiça que a tirou dos velhos carnavais do Rio de Janeiro e a trouxe para uma terra seca e sem graça, como a Fortaleza dos anos 50. Amofinada pela rijeza do marido obtuso e ciumento, perdeu a alegria de viver, como ela mesma sempre confessou aos filhos, desde quando assegurou-se de que eles poderiam entender tais “desilusões”.

O filho mais velho de Marlene, após todos os anos em que refletiu sobre sua vida, chegou à conclusão de que a fé de sua mãe foi uma vítima indefesa do ateísmo do marido, associada à desventura de se ver obrigada (casar na sua época era como uma obrigação, sobretudo para uma moça pobre da periferia do Rio) a morar longe da terra que amava, do amor à dança e aos sambas bem compostos dos velhos carnavais e da alegria de suas dezenas de irmãos, cuja presença era sempre uma festa só, na Cidade Maravilhosa.

Todavia nada disso fez com que, lá no âmago mais protegido de seu coração, aquela fé pura herdada de sua mãe Aurora (uma católica devota) se mostrasse golpeada de morte, de tal modo que o precioso tesouro vez por outra trepidava e levantava a tampa, deixando uma pequena fresta de seu brilho transparecer em cada passo e pensamento. Entretanto e com efeito, não era jamais em atitudes religiosas (ou beatitudes) e espirituais que o brilho da fé aflorava, pelo contrário, era em gestos de amor desinteresseiro e absolutamente desapegado de materialidade comercial, apesar de toda a aparência de ter até ciúme do dinheiro.

[Lembro hoje, com alegria e com o espanto de uma atitude precisa e agora bem vista pela passagem dos anos, que D. Marlene literalmente “invadiu” a casa de um pastor protestante que, após 2 anos de incansável evangelização, conseguiu inculcar na cabeça do filho mais velho uma doutrina simplória e maniqueísta, na qual o simplismo equivaleu a uma verdadeira lavagem cerebral num jovem recém-saído da adolescência, tornando-o “murcho” e fanático como nunca antes na vida. Dentro da casa invadida daquele pastor, lembro muito bem que o argumento principal dela foi aquele que retorna à minha mente com divina força nos dias atuais: “Sou uma mulher pós-graduada e culta, que educou os filhos na liberdade de expressão e pensamento, entregando-os às mais diversas leituras desde cedo, e por isso não admito uma religiãozinha qualquer, pregada por gente sem instrução, aliciar meu filho e levá-lo à beira da paranoia, como tenho visto nestes últimos 4 dias de dezembro”. Isto foi a ducha de água fria nas intenções daquele pastor, que jamais voltou à ativa na sua missão de doutrinar esta “vítima”, que graças a Deus precisou dirigir-se pessoalmente aos livros para ver mais longe o horizonte espiritual que a Bíblia enseja].

Quanto àquela aparência de ter “ciúme do dinheiro”, ela não possuía nada que se pudesse chamar de “suas posses”, gastava muito pouca grana consigo mesma (isto explica o uso de perfumes de terceira e roupas démodé, que toda mulher faz questão de ter de boa qualidade e na moda) e nunca teve quaisquer vícios, mormente em relação a bebida, comida ou cigarro, “embora gostasse de cassinos”. Tinha, isso sim, uma vida completamente voltada para a família, até voltada demais, naquilo que um crente certamente chamaria de fanatismo protecionista ou idolatria étnica. Mas não era nada disso.

Ao contrário, tinha o amor divino completamente entranhado em suas intenções para com os seus, e, a forma como nutria e mantinha cada filho (muito além da alimentação sadia, da Educação bem paga e da assistência médica de primeira) em estado tal que nunca nenhum deles passasse qualquer mínima necessidade, fazia resplandecer no seio familiar a mais pura luz divina e marial, mesmo que vez por outra um filho fosse meio-ingrato para com tamanha benevolência.

Esta obsessão de ajudar irrestritamente a cada ponto fraco na luta pela sobrevivência de cada filho chegava às raias da autonegação, como se ela tivesse ouvido e gravado bem o trecho bíblico onde Jesus disse “aquele que quer ser meu discípulo a si mesmo se negue”. Anulação total. Nada para ela e tudo para a prole. Ia aos extremos. Ficou famosa a noção de que “Dona Marlene é melhor do que um banco, pois jamais pedimos para receber; e quando pedimos uma nota de 10, ela sempre entrega uma de 20; pedindo uma de 20, ela entrega uma de 50”.

Lembro que pairou um estranho medo, dentro da alegria desta constatação, sobre as origens de tanto dinheiro, pois a rigor nunca a vimos passar necessidade, o que prova outra virtude cristã digna dos melhores santos: “ela escondia suas caridades, e por isso os filhos jamais a viram chorar por estar sem dinheiro e muito menos temer o futuro do lar”. Também nunca ninguém jamais ouviu qualquer notícia de deslize para com os seus credores, ou onde o nome dela ficasse manchado no mercado de crédito ou nos serviços de proteção deste.

Sua inteligência de mulher como de homem ou de homem em corpo de mulher saltava aos olhos de qualquer um, por mais desatento que fosse. Bastava ouvi-la tratando o próprio gênero (a Mulher de um modo geral) e o deixando “no seu devido lugar”, ao ponto de dizer que preferiria mil vezes trabalhar com homens e lidar com homens do que com mulheres… Ou ao ponto de detestar novelas (estas novelinhas sórdidas que infestam a mídia atual). Aliás, a propósito, ela nunca via sinal de evolução na Mulher moderna, exceto quando conseguiam tratar os próprios filhos com a mesma isenção com que ela tratava os seus. Além de tudo, tinha uma astúcia tão vivaz que literalmente captava as coisas “no ar, antes mesmo de elas levantarem vôo”, como uma espécie de adivinha dos efeitos que as causas provocariam. Com esta bola de cristal cerebral ou com este sexto sentido agudo, jamais deixou um filho cair num precipício arriscado neste mundo vil, dando a eles sempre a melhor opção de atalho nos muitos caminhos da vida.

Entretanto e contudo, a maior virtude dela era a sua estranha e gigantesca fé, que este articulista jamais teve igual. Ipso facto, o otimismo dela, sua inabalável autoconfiança, sua estima elevadíssima, a ausência de negativismo e a segurança que demonstrava no resultado positivo de suas “previsões”, eram os requisitos particulares que ela recebeu dos anjos ou a eles emprestava, dando um exemplo que raramente se vê no mundo pessimista de hoje, mesmo quando falamos em crentes. E aqui estava o segredo oculto que seu ateísmo demonstrava: crer em Cristo não era então apenas acreditar numa interpretação particular da Bíblia, mas agir para o bem maior do próximo e tomar atitudes efetivas de “socorro” das necessidades alheias, como principalmente abrir os bolsos numa liberalidade contagiante, que ensinava sempre como não ter apego à matéria e ao vil metal. Neste sentido, é comum encontrarmos, até hoje em dia, clientes no comércio que adoram recebê-la porque nunca ficaram sem uma boa gorjeta e uma anedota de rompante, como ditava o seu bom humor escrachado de cearense de coração carioca.

Isto posto, e guardadas as devidas proporções, poder-se-ia dizer que ali estava “um Cristo-mulher”, que se doava por inteiro e sem apegos e jamais deixava faltar o vinho na festa de um lar que suportou a vida inteira, apesar das gritantes diferenças entre ela e seu esposo (ela era uma verdadeira máquina de organização e visão, enquanto o marido era o suprassumo da desordem e da miopia). Isto, até certo ponto, resume bem o argumento que serve de base a este discurso.

Nosso intuito era mostrar que: (1.) tanto a fé direcionada para outros objetivos pode ser um portentoso modelo da fé cristã, quanto (2.) uma pessoa descrente de Jesus pode ser uma das mais excelentes discípulas do Salvador, como os fatos concretos provaram. Além destes, CS Lewis também mostrou, em seu último livro das “Crônicas de Nárnia” (A Última Batalha), a história de um soldado calormano que trabalhava devotamente para Tasha e era, na verdade e no íntimo, um magnânimo servo de Deus, só que inconsciente e puro, tão-somente porque seu coração agia cegamente mas em resposta ao amor de Deus e em obediência irrestrita ao seu chefe, que enganou a todos dizendo ser o verdadeiro Deus. Eis ali, naquele destemido filho da Calormânia, o molde exato da Dona Marlene que Aslam coroará.

Finalmente, fica para nós uma inquietante lição: se um homem benigno e puro pôde ser tão enganado por um deus falso, e se uma mulher caridosa e honrada como Dona Marlene pode chegar a descrer tanto do Deus que lhe criou, temos que manter os olhos fixos em Jesus e o coração ligado a Ele, como única segurança possível neste mundo ilusório. Nossa sorte bendita é que Deus só olha o profundo do coração, e ali (só) Ele pode ver se estamos de fato conectados à Sua bondade infinita, ou se apenas somos uma casca seca, que o fogo consumirá. Se estivermos ligados à Videira, certamente carregamos em nós uma permissão especial, um salvo-conduto, um ingresso permanente para o Reino pago com sangue e lágrima.

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O sentido mais profundo parece uma autocontradição

A Cristandade sempre lutou por defender que a Bíblia é a palavra de Deus e todos creem nisso. Por isso podemos estar na hora certa para, a partir da extraordinária ideia de Simone Weil, investigar até onde o contrário é verdadeiro.

Frase de Simone Weil - 1Uma aposta “infernal” seria: “E se jamais tivesse chegado ao mundo qualquer palavra de Deus, no sentido de uma instrução inteligível e confiável do próprio Criador? E se aquilo que a Humanidade inteira chama de Palavra de Deus não passasse de um amontoado de conversas mais ou menos úteis travadas entre pessoas ao longo das gerações?”… Esta é uma aposta viável? Este raciocínio pode ser feito, ou melhor, poderia ser válido? (aqui falando como falam os ateus ou fazendo de conta que somos céticos). E vamos tentar esmiuçar isto com um linguajar o mais simples possível, dada a intrincada rede de sentidos que se aproximam ou se afastam do tema para atrapalhar a compreensão de quem se dispuser a apreendê-lo.

Deus é Comunicação, no sentido mais profundo do termo. Ele é a própria Comunicação Viva, e algo que se comunica com perfeição não precisa, a rigor, de nenhum instrumento exterior para se fazer conhecer. Ele é Comunicação de tal modo que se pode dizer que a Comunicação é Deus, e que ela nasceu antes dele (por assim dizer) porque o próprio ato de existir é um ato de Comunicação. Sendo então a perfeição absoluta na arte de se comunicar, pode-se dizer que até um espirro ou um rosnado de Deus seria inteligível, caso o ouvinte também fosse perfeito, porque um ouvinte perfeito nem precisa ouvir nada para entender. Nem mesmo uma voz telepática seria necessária, pois a comunicação seria tão perfeita que aquilo que foi pensado é exatamente aquilo que foi ouvido no ouvido interior, e por isso o emitente e o ouvinte seriam como uma só pessoa, e é por isso que Deus é uma Trindade: nada há que um pense que já não tenha sido pensado pelo outro e vice-versa, e neste ambiente ultra e multicomunicativo, o próprio VIVER é Comunicação, comunicação de idéias, sentimentos e vontades, e o contrário também é verdadeiro.

Um livro para Deus ler seria inútil, sobretudo se fosse para Deus-pai ler para Deus-filho e vice-versa, assim como seria uma tremenda idiotice a leitura dEle para o seu Espírito Santo. Mas ainda estamos no ambiente de Deus, na Grande Dança da Santíssima Trindade, e por isso o nosso raciocínio resultaria sem serventia se não o aplicássemos a outros ambientes, ou se não o empreendêssemos para outros ouvintes, reduzindo a escala de valor ontológico para entender o argumento deste artigo, i.e, a virtual ausência de uma palavra de Deus no mundo.

Vimos que entre Deus-pai e Deus-filho um livro seria inútil. E entre Deus e os anjos?… Provavelmente também, pois os anjos têm poder telepático, e seu pensar é ouvido por Deus e, se Deus quiser, Seu pensar também lhes é audível na mente. Mas entre Deus e os homens? Um livro aqui seria útil? Certamente SIM, até onde vai a ignorância humana e a surdez voluntária da Humanidade. Mas provavelmente há um sentido em que um livro de Deus na terra também seria inútil.

Ou seja: Deus não iria escrever um livro, da mesma forma como Jesus jamais escreveu um (aliás, este fato em si já é bastante sintomático, e diz tudo, pois se um livro fosse tão útil, e sabendo escrever e comunicar melhor do que qualquer escriba humano, Jesus mesmo teria gasto boa parte de seu “tempo perdido” – dos 12 aos 30 anos – e suas “horas livres” escrevendo, e não orando, até porque sua palavra escrita também seria oração, tal como suas orações faladas são textos áureos para nós). Todavia o sentido mais preciso de inutilidade de um livro de Deus está relacionado à super-comunicabilidade de Deus e a falibilidade de qualquer comunicação humana. Pergunte-se:

Por que cargas d’água a Comunicação Infinita precisaria de um instrumento intermediário tão precário, feito de matéria tão reles quanto papel, para alcançar os corações humanos? Não é muito mais lógico supor que a comunicabilidade de Deus é tão autocomunicante e tão auto-explicativa que dispensa qualquer dependência de instrumentos? Aliás, afinal, não é a própria Bíblia que, de modo tão sutil, diz que Deus “colocou a eternidade no coração do Homem”? Não foi São Paulo quem disse que, antes da Revelação se fazer em Cristo, as almas eram salvas pela lei viva que lhes ditava a consciência sem lei? Outrossim, se não existe nenhum lugar no universo onde o Homem poderia se esconder de Deus (isto diz “toscamente” o Salmo 139), e se Jesus vai pregar de viva voz e pessoalmente aos que jazem na prisão do Hades (isto diz “casualmente” Pedro em I Pe 3:18-19 e 4:6), sabendo que sua própria pregação seria muito mais eficiente do que a de quaisquer escribas e crentes, então PARA QUÊ haveria necessidade de um livro tão “confuso” quanto uma coletânea de escritos assimétricos e separados no tempo e no espaço em sentido e prática?

Porquanto as Escrituras Sagradas são isto mesmo, ou seja, uma coletânea de escritos assimétricos e separados no tempo e no espaço, teórica e praticamente, incapaz de resolver os ingentes problemas causados pela deficiência intrínseca da linguagem e da mente humana, e servindo até para proliferar interpretações proselitistas e ensejar discórdias e divisões, mesmo entre aqueles que, de boa vontade, venceram todas as outras dificuldades da caminhada religiosa de “re-ligação” com o Criador.

Ilustra-Biblia2Logo, o mais provável é que a Bíblia seja somente isto, ou seja, um amontoado de ossos secos por onde Deus fez reaparecer a vida, ou um monturo de expressões das quais alguém poderia deduzir a remota autoria da divindade Supercomunicativa, se e somente se tivesse a chave da interpretação perfeita que só Deus tem, já que no nível humano mente alguma seria capaz de apreendê-LO.

Com efeito, dizer que “não existe palavra de Deus no mundo” significa, no sentido mais profundo, que Deus confiou tanto no seu próprio poder de comunicação (Ele É Comunicação em si) que, mesmo se os homens tivessem escrito um amontoado de sandices (e depois chamado este amontoado de Bíblia), ainda assim a divina vontade transpareceria no meio das sandices e as almas O encontrariam de qualquer maneira. E se jamais o amontoado tivesse sido compilado e canonizado, a Verdade salvadora mesmo assim chegaria aos corações, pois tanto o Senhor procura pelos tais, quanto os tais seguem “sonambulamente” para o Senhor, tal como peixinhos seguem inexoravelmente para o lago na correnteza descendente de um açude. É isso.

Portanto, eis que neste mundo tanto podemos pensar que existe um livro onde a Palavra de Deus subsiste (apesar de todas as dificuldades e bloqueios à sua compreensão) porque QUALQUER COISA pode comunicar Deus; quanto podemos pensar que neste planeta não existe livro algum que contenha a Palavra de Deus, justamente porque nada que seja humano PODE COMUNICAR O INFINITO sem desintegrá-lo em seu sentido profundo, reduzindo-O até torná-LO ininteligível.

Finalmente, uma poesia divina transparece ao longo destas linhas (aliás, dizem os entendidos e também CS Lewis, “só a poesia pode entender e traduzir o infinito”), e ela deixa a única luz no fim do túnel da cegueira total da Terra. Acompanhe a luz agora: quando a Bíblia declarou “minha palavra não voltará vazia e fará aquilo para a qual foi determinada”, aquilo na verdade significava e equivalia a dizer “no vazio da palavra ela não voltará para mim sem fazer aquilo para a qual Eu a determinei”… – É por isso que embora NADA neste mundo seja intrinsecamente Palavra de Deus, TUDO é Palavra de Deus, e até onde o nada se insinua, ali ouvimos Deus.

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