Porque é fácil criar uma nova igreja e superlotá-la

Num mundo onde a qualquer momento e em qualquer esquina surge uma nova igreja, é preciso esclarecer as diferenças entre este fato e o verdadeiro Cristianismo, e porque ser cristão é muito mais difícil do que meramente fazer parte de uma igreja “nascida-sei-lá-de-onde”.

Templos feito ratosNovamente digo: Conhecer Jesus Cristo. Eis o ponto de partida e também o ideal cristão mais elevado. E é este ideal também o chamariz, “a isca”, justa e louvável, de quem quer que pregue o Cristianismo ou queira fundar uma nova igreja. Apresenta-se Jesus Cristo e depois convida-se para aceitá-LO de todo coração, cumprindo literalmente um trecho das Escrituras Sagradas, até certo ponto isolado de um contexto maior, onde outras condições aparecem em paralelo, para desespero daqueles que querem apenas achegar multidões, com as mais inimagináveis intenções.

[É bom que se diga, de passagem, que esta facilidade para criar denominações é filha direta da Reforma protestante que, a partir de Lutero e sua má interpretação da doutrina divina, abriram as porteiras para a eclosão de grupos independentes, cada um interpretando a Bíblia a seu bel prazer, e sem dar a mínima confiança para a interpretação oriunda da ordenação petrina. Como em porteira que passa um boi passa uma boiada, a profusão atual de igrejas não deve admirar ninguém, mormente aqueles que já tiveram algum estudo histórico-teológico mais abalizado].

Todavia façamos de conta que eu queira apenas criar uma nova denominação e depois, como todo pastor moderno, queira provar que ela é de Deus justamente por atrair multidões incontáveis (como se o simples fato de atrair multidões seja prova inequívoca de inspiração divina). Então eu me organizo financeiramente de tal modo que um dia possa comprar um imóvel ou um terreno onde construir um galpão qualquer que abrigue um lugar de adoração e oração. E chegou o grande dia, com a futura igreja já atraindo os olhares dos transeuntes e vizinhos, os quais, ignorantes da verdade completa (“como ovelhas que não têm pastor”) ou alienados como a Humanidade inteira atual, acabam sabendo que ali será “um lugar de oração e estudo bíblico independente”, e assim já se animam, pela proximidade e comodidade, a visitá-la um dia. Muitos já eram “crentes”, mas, pelos seguintes motivos, já estavam mesmo pensando em mudar de igreja ou entrar numa:

1.) A igreja do transeunte é muito longe de sua casa: ele tem que pegar dois ônibus para chegar lá, ou gasta muita gasolina no percurso;

2.) A igreja do transeunte é meio “tradicional”, e ele está sentindo falta de “jovialidade”;

3.) A pregação da igreja do transeunte é muito “moralista”, e ninguém pode julgar ninguém;

4.) Há muitos irmãos e sobretudo irmãs fofoqueiras na igreja do transeunte, e ele está ao ponto de ver as fofocas se voltarem contra ele, que também não tem uma vida moral muito louvável;

5.) A igreja do transeunte é a mesma igreja de uma “gata inconveniente”, que não quer deixar a vida dele em paz, pondo em risco o “casamento de fachada” com a fria esposa crente;

6.) A igreja do transeunte pede muito no ofertório e ainda expõe o nome dos não-dizimistas;

7.) A igreja do transeunte já está “enjoada”, e até para ele a pregação “já deu o que tinha de dar”, e ele está sentindo necessidade de “outros ares” (ou outros ‘ventos’ do Espírito Santo – João 3,8);

8.) A igreja do transeunte não é renovada;

9.) Todo mundo está mudando para uma nova igreja;

10) O pastor da igreja do transeunte está velho demais, e por isso não consegue fazer uma pregação moralmente otimista, desgastando as amizades com as ovelhas mais antigas.

E a lista não para. Os motivos são inúmeros e muitas vezes bobos, e assim os “crentes modernóides” se igualam aos descrentes, e os de igreja se igualam aos sem igreja. Logo: arranjar gente interessada em entrar numa igreja nova não é uma tarefa difícil, porque o estado mental em que cada indivíduo contemporâneo se encontra é o ideal para buscar experiências novas, justamente porque é isso o que o mundo moderno propõe. O mundo moderno diz: “não fique parado; vá aonde seu coração mandar; experimente novas emoções; não se reprima nem se condene por nada; igreja alguma salva ninguém (então experimente todas até encontrar a sua cara-metade); para as igrejas, use o mesmo critério dos restaurantes: ‘quanto mais gente houver ali, tanto melhor será’; etc.”. Além disso, há ainda outras duas forças poderosíssimas a influenciar na indecisão religiosa, a saber: o efeito do modismo dos costumes (‘vamos fazer o que todo mundo está fazendo’) e o efeito da propaganda, pois as igrejas de hoje têm sempre uma obra na mídia, ou possuem canais de TV, e assim sempre passarão o seu lado bom e vantajoso, tal como fazem todos os comerciantes quando anunciam seus produtos. Aqui está em pleno vigor o tal “marketing da fé”.

Política na igrejaLogo, por tudo isso, justifica-se o nosso título quando diz que é fácil criar uma nova igreja e superlotá-la. Espero que o leitor tenha entendido bem os parágrafos anteriores, ou não passe adiante até entendê-los. O que vamos estudar a partir daqui é: como ser diferente? Ou o que seria a igreja verdadeira neste mar de denominações simplistas e populistas, para explicar porque a criação de igrejas sem a completeza da verdade é um erro desastroso, responsável por abarrotar o mundo de falsas doutrinas e débeis crenças, pondo em risco a esperança da vida eterna.

Vamos repetir: “Conhecer Jesus Cristo. Eis o ponto de partida e também o ideal cristão mais elevado”. Assim iniciamos este artigo. Agora a pergunta: o que o leitor entende pela expressão “conhecer Jesus Cristo”? Verá o leitor que conhecer Jesus Cristo é o mesmo que conhecer Deus? (João 14,8-9); Captará o leitor a lógica que diz que se Deus é infinito, conhecer Deus não pode ser uma coisa simplista e reducionista? Finalmente, verá o leitor que se um estudo de Deus não pode ser simplista, uma igreja deveria parecer mais com uma escola do que com um lugar de culto? (Vê a importância da escola bíblica e dos seminários teológicos?)…

Enfim, eis o quadro atual: um mundo abarrotado de denominações, cada uma subdividida em “n” facções, nas quais nada se ensina além do trivial e do leite espiritual, com o qual o Corpo de Cristo vai definhando e atrofiando em sabedoria e graça. Não é à-toa que tais “instituições” (parecem mais empresas que igrejas) detestam “crentes estudiosos” ou não-leigos, pois só eles sabem o quanto as “igrejas” – entre aspas – estão sonegando o bom e velho Evangelho da Graça, cuja profundidade alcança o mais alto dos céus.

Sigam somente o seu liderSe nós quisermos fundar uma igreja dessas atuais, é fácil? Sim, muito fácil. Basta inventar uma pregação que é xerox das demais (“crê no Senhor Jesus e serás salvo”) e jamais ensinar nada além disso, preenchendo os demais períodos da igreja com aulas de canto, instrumentos musicais, jograis, retiros de oração, “batismos espirituais”, missões externas, campanhas evangelísticas (que apenas repetem o blá-blá-blá de todas as pregações) e obras assistenciais, que também nada ensinam. Está fundada a nova igreja. E esta igreja atrairá muita gente? Sim, é claro. Porque, dada a indolência dos povos do terceiro mundo, a mídia imoral dos 4 cantos do mundo e a acídia dos descendentes indo-afro-lusitanos, só uma igreja fraca (que canta muito mas não louva a Deus com testemunho moral, ou que prega muito mas nada entende da profundidade da doutrina) ou só uma igreja deste nível poderá ficar abarrotada de gente, abarrotando os bolsos dos pastores – aliás, este último dado parece ser a grande fonte de inspiração para a criação de igrejas, pois as que mais aparecem são justamente as que mais enricam.

O Cristianismo Autêntico de CS Lewis não é assim. Ser cristão para Lewis é uma jornada trabalhosa, cansativa e por que não dizer arriscada. “Religião”, para Lewis, não é algo que Deus “inventou”, e, por isso mesmo, não pode deixar de ter toda a complexidade da realidade de Deus, acerca de quem a religião precisa expor todos os fatos completos. Porquanto a própria realidade é complexa, e muitas vezes não segue a lógica humana, e muito menos o simplismo da religião, enquanto movimento inventado por homens.

Para ser cristão qualquer criatura precisará desenvolver uma qualidade intrínseca que a faça “amável” por Deus, i.e., um “bom caráter” que a torne um “pequeno cristo”, capaz de colocar o próximo antes dele mesmo, em amor sacrificial. Lewis explicou tudo isso no livro “Mere Christianity”, cujo título em português não ajuda a entender a complexidade do que trata. As editoras protestantes brasileiras decidiram fazer um título chamativo no mesmo sentido apelativo das religiões simplistas-populistas, batizando o livro de “Cristianismo puro e simples”, coisa que mais lembra o cristianismo água-com-açúcar que Lewis criticava. Mas não dê ouvidos ao título. Leia o livro todo… e se tiver que dispensar alguma coisa, dispense o prefácio ou leia-o numa segunda leitura do livro completo. Você verá ali, como por milagre, que aquilo que as igrejas pós-modernas estão fazendo nada mais é que caricaturizar o Cristianismo, ensinando apenas o leite espiritual e sonegando o Cristianismo Autêntico, como ficou conhecido o livro em sua 2a Edição.

Vá em frente. Fique com o Cristianismo Autêntico de Lewis e seja feliz. E depois, somente após muitos meses de leitura, não fique sem igreja. Porém, escolha uma que mais se ajuste à complexidade do Cristianismo de CS Lewis, que, aqui no Brasil, pode ser a igreja anglicana ou episcopal (nas cidades onde existam tais denominações) ou a própria igreja católica romana, a qual, apesar de todas as imoralidades e hermetismos, possui uma doutrina idêntica a da igreja de Jack, a igreja católica da Inglaterra, ou anglicana. Afinal, ela é uma igreja tradicional e não foi fundada por quem pensava em inventar um meio de encher um enorme galpão de gente e um enorme bolso de dinheiro. É claro que não há nenhuma igreja perfeita, mas o leitor tem olhos para ver qual delas está mais em sintonia com o que Lewis ensinou. O resto é melhor nem ouvir.

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As duas cobras: a estratégia da serpente infesta a modernidade

Quando Moisés cedeu e apresentou uma prova prática de milagre (um cajado transformado em cobra), satanás aplicou a estratégia que ainda hoje é a mais usada para desmoralizar o sobrenatural.

As duas cobrasO ceticismo se gaba de estar num mundo onde tudo é feito de matéria, e onde nada além do plano físico “vem socorrer” aos que creem em algo oculto nas entrelinhas da realidade. Para eles, a vitória está sempre do lado deles e nós crentes não passamos de alienados a contar com a ilusão de uma ajuda sobrenatural que jamais deixou prova de ter existido na história humana. É este o quadro atual do antiquíssimo embate entre a crença e a descrença, ou entre o visível e o invisível, e nós seríamos tolos de iniciar um assunto assim sem apontar a idade pré-histórica desta discussão. Aliás, tal coisa não será nosso propósito aqui, e sim, expor a tão desgastada estratégia de banalizar a prova concreta pela desmoralização da multiplicidade.

O nosso tempo, então, é certamente o mais pródigo da História a nos ceder exemplos deste fato, pois não existe um único sinal da divindade presente que não tenha sido “desmoralizado” (perante os incautos), por assim dizer, pela apresentação hiperbólica de sinais idênticos em profusão, como se o simples fato de uma coisa se repetir equivalha à sua sentença de morte definitiva na investigação de um fenômeno extraordinário qualquer.

O leitor poderá ver isso nos seguintes exemplos, muito mais próximos de nós no tempo do que o episódio narrado no Êxodo:

(1)      Quando a Idade Média registrava relatos de camponeses que avistavam fadinhas nas florestas, os jornais sensacionalistas imediatamente publicaram outras centenas de histórias de fadas sem graça, cuja única função era banalizar os fatos e desmoralizar as testemunhas.

(2)      Quando a notícia da queda de um disco voador num rancho próximo da cidade de Roswell se espalhou pelos Estados Unidos, não tardou para que outros relatos de quedas fossem apresentados, e a ocorrência original se perdesse na falta de evidências promovida pelas operações ‘pente fino’, “queima de arquivo” e outras. Com a profusão de “quedas”, qualquer um poderia inventar uma, ou confundir uma com a queda de um meteoro, e assim o caso original embaçava-se como mera ocorrência astronômica ou meteorológica (sem contar que, para o Caso Roswell, o próprio governo americano apresentou tantas versões diferentes que confundiu até seus aliados).

(3)      Depois que as meninas de Varginha contaram sua história e as forças do oculto viram que não conseguiriam demovê-las de sua convicção e confissão, então o melhor mesmo era usar a estratégia das duas cobras e inventar que houve vários outros relatos de avistamento de outras criaturas idênticas, o que equivalia a dizer que elas confundiram o que viram com macacos, bêbados, atletas africanos suados e animais na penumbra, sem contar um débil mental perdido.

(4)      Depois que os extraterrestres desenharam seus primeiros Crop-Circles no interior da Inglaterra, não tardou para que fossem apresentados “n” outros desenhos, produzidos por fontes humanas, mesmo que fossem tão toscos que não enganassem ninguém em comparação. Duas sensações restaram: a da frustração da banalização e a da consciência traída, pois nada que se faça hoje em campos de cereais tem mais a aura de “mistério” que havia no início dos relatos.

(5)      Depois que as populações pobres de Porto Rico relataram avistamentos de um estranho e grande morcego bípede que sugava sangue de animais, inclusive apresentando os animais mortos sem sangue e sem marcas no local, outros “n” casos da mesma espécie apareceram, quase todos com arremedos de animais terrestres e testemunhas ridículas de indisfarçável cinismo.

(6)      Exemplos mais “corridos” seriam: depois de Nessie, apresentaram vários ogopogos e dragões aquáticos; depois do Abominável Homem das Neves, arranjaram o pé-grande, o sasquash e o Yeti; depois de Vlad, “n” outros vampiros surgiram, e a lenda virou piada; depois dos “MIBs” originais, muitos outros homens de preto apareceram, fazendo o terror das primeiras vítimas cair na conta de enredos de ficção e humor negro oportunista. Enfim…

MIB-homens-de-preto(7)      Quando o papai Noel estava ganhando corpo nos rumores das crianças da Finlândia, os donos do comércio mundial decidiram espalhar centenas ou milhares de papais noéis, chegando mesmo a fazer até uma mamãe-noel! Pior, já apareceram papais-noéis verdes, azuis, gays e até vestidos como MIBs (tudo para desmoralizar o bom velhinho e afugentar a lenda para o limbo das crianças e dos idiotas).

Mas atente agora o leitor: tudo isso começou lá atrás, lá naquela ocasião em que Moisés transformou seu cajado numa serpente, e, diante de uma plateia pasma, viu o Faraó pedir aos magos para fazerem o mesmo, lançando aos seus presentes outras duas varas que se transformaram em cobras. O que vale destacar aqui e que é o objeto deste argumento não é o fato de a cobra de Moisés ter engolido e destruído as duas cobras do Faraó, e sim a metodologia empregada, ou antes, a filosofia de apresentar a multiplicidade como desmoralização de uma evidência, fazendo com que a mesma perda toda a sua validade e honra.

Por isso os governos modernos, ou antes, os militares no comando oculto de tais governos, imediatamente colheram do passado – do livro do Êxodo – a eficácia da estratégia das duas cobras (inventada na mente de satanás) e a aplicaram prontamente em todas as ocorrências sinalizadoras, as quais eles julgaram possibilitar a descoberta da verdade, ou antes, das verdades que poderiam desmascará-los e destituí-los diante do mundo, o que poderia fazê-los perder o controle social e a “paz das sanguessugas”.

Eis que urge então trabalhar para desmascarar a funesta estratégia, enquanto esperamos a decisão do Além de invadir a realidade e quebrar todos os paradigmas da paz aparente. E ainda temos um consolo: é que, se o inimigo acha que a estratégia das duas cobras é tão eficiente que nem chega a tentar outras armas, o contra-argumento da lógica cristã possui poderes muito mais sólidos e decisivos para convencer as inteligências humanas, e ainda tem a vantagem de não se desgastar como a multiplicidade pura e simples. Esperemos a prova da Verdade. Ela virá sozinha e forte, engolindo as frágeis cobras da banalidade.

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O Valor Inegável das Igrejas da Reforma

Num mundo onde a instrução espiritual de combate à imoralidade não tem voz nem vez, e onde a verdadeira voz de Deus é confundida entre mil religiões que pregam a seu bel prazer, entrar numa igreja protestante pode ser uma boa sugestão para se iniciar uma jornada que jamais pode ser interrompida.

Igrejas se formandoConhecer Jesus Cristo. Eis o ponto de partida. É o pontapé inicial de qualquer jogo que valha a pena para salvar uma alma, observando todo o panorama espiritual humano, a partir da ótica de um Deus amoroso que é prioritariamente um salvador. E era esta a obra mais essencial e frequente em todas as missões católicas em vigor até o início do século XX, com o que havia sobrado do final da chamada “Era da Inocência”. Até aquele tempo, a voz de Deus era audível e bem clara, a iluminar o único caminho que se apresentava às consciências jamais apresentadas à imoralidade e à desobediência generalizadas da pós-modernidade. Como alguns padres dizem, “era fácil evangelizar almas cujos pais recebiam bem a catequese doméstica e também a retransmitiam, e onde a ida à missa não era ‘o dever’, mas o prazer sagrado aos domingos”.

É óbvio que os defensores do caos atual dirão que era muito fácil lotar uma igreja única, com sinos na praça e governos seduzidos por padres! Sem dúvida. Assim como era muito mais fácil uma moça decente conquistar um bom partido numa época em que a virtude dela era única e conhecida de todos, e todas as outras eram mal faladas. “É o trunfo do monopólio, que sempre promove a injustiça da baixa qualidade por ausência de competição!”. Certamente, ninguém negará isso. E é aqui mesmo que se pode vislumbrar o que ocorreu e ocorria:

Igreja balança mas não caiIpso facto: Como a igreja católica era a única a “entrar nas casas”, só o discurso católico era ouvido, e por isso ninguém conhecia nada que lhe revelassem “os defeitos ou inconsistências” (inclusive aberrações como as heranças da Inquisição), engolindo tudo sem engasgos. Jesus Cristo era apresentado ali também, sem dúvida, mas apenas o Cristo emanado dos sacramentos, que chega ao povo com o cheiro do romanismo, e não necessariamente do Cristianismo. Assim sendo, uma época que apresentasse diversos cristos, ou melhor, diversas formas de ver o Cristianismo, teria o valor inestimável (sob qualquer ponto de vista) de ensejar uma introdução – uma espécie de iniciação – ao Cristo vivo, que frequentemente ninguém conhece apenas por frequentar missas SEM engajamento com a igreja católica. Esta é, a rigor, a grande “vantagem” da multiplicidade de denominações cristãs dos nossos dias, pois tal fato abre muitas oportunidades para o aprendizado básico da fé, quebrando o marasmo e o vazio espiritual da maioria dos corações alienados pela mídia e pela vida moderna. Isto também ninguém jamais negará.

Além do mais, pode-se acrescentar, o fenômeno citado é uma vantagem estratégica de Deus, já que o mundo nada mais oferece na direção do espírito, a não ser crenças espíritas, panteístas ou coisa pior, e nenhuma delas a “exigir” responsabilidades morais para seus seguidores, formando o ridículo quadro atual de “gente espiritualizada em público e imoral no não-público” (lembrar aqui que, para Deus, espiritualidades dissociadas da moralidade nada significam, pelo contrário, podem indicar gente da pior espécie, i.e., a classe dos hipócritas, muito mais merecedora do inferno do que os “santos-chatos-de-galocha”).

Todavia, há de se perguntar agora se os benefícios da massificação do bê-a-bá da fé (ou seja, a profusão de pastores mal formados – ou sem formatura – a ensinar como ser frequentador de igreja a uma multidão de incautos, acostumadamente viciados a uma vida sem regras morais) e da sumaríssima apresentação dos rudimentos elementares da doutrina de Deus (Hebreus 6,1-3), servem para alguma coisa além de acordar surdos, dando-lhes o choque da realidade de que existe um Deus e que Ele quer entrar em suas vidas e transformá-los em novas criaturas (sem a liberdade louca de antes!)…

Sim. É claro que há este benefício sim, pois qualquer gota de Cristo é melhor do que todos os oceanos do mundo, e por isso qualquer igreja cristã é melhor do que nada. Estão certos aqueles que pensam nos benefícios da profusão de seitas como um freio positivo à prostituição, às drogas, à criminalidade e à alienação. Neste sentido, quem quer que saia dessas sujeiras mundanas e se achegue a um culto “evangelicalóide” desses atuais está fazendo um bem, e quem os estiver levando à igreja está cumprindo o seu dever de alertar as almas. Também ninguém negará isso.

Entretanto, vai sobrar uma pergunta: “Mas será só isso???”… Será que o que Deus quer, ou antes, será que promover o Cristianismo é somente introduzir corpos num templo, e depois abandoná-los à própria sorte de interpretações simplistas e proselitistas?… Nada disso!… Pelo contrário, penso que aqui reside um dos erros mais catastróficos do protestantismo pós-moderno. E por que? Vejamos agora, pois não é difícil ver uma lógica tão clara:

A Palavra de Deus diz que a vontade de Deus é que conheçamos a Jesus Cristo e que prossigamos a conhecê-lo ininterruptamente, até que cresçamos em graça e sabedoria como Paulo cresceu até à estatura de Cristo! Não é verdade? Onde está a instrução de que os crentes devem estagnar-se e estacionar num ponto “x” do ABC do Cristianismo, ficando a beber leite espiritual a vida inteira? Não teria Deus o profundo desejo de que todos nós crentes cresçamos até ao ponto de comermos alimento sólido, que Paulo disse ter sido feito para os experimentados na fé? Não lamentou-se Paulo por não ver crescimento espiritual em certas igrejas e ter que dar a elas o eterno leite de mamadeira? (O autor de Hebreus também pensava assim – Hb 5,11-14).

Igrejas só fazem bem seOra; neste caso, se confessamos que enxergamos um benefício no trabalho das igrejas pós-modernas, não poderemos mais ver tal benefício como qualquer coisa a durar pouco mais que alguns meses de frequência aos cultos, após o que a permanência nesses templos significará uma tragédia espiritual tal que São Pedro comparou ao cão que voltou ao vômito e à porca lavada que voltou ao lamaçal! (II Pedro 2,20-22).

Trocando em miúdos, se você não é crente ainda, deve entrar numa igreja protestante e ficar ali uns 4 ou 5 meses (dando total prioridade à EBD, se é que esta ainda existe), após o que deve procurar fazer um seminário teológico de sua denominação ou de outra, e, não conseguindo, pensar até numa mudança de denominação. E se você já um crente e está levando alguém à igreja, aconselhe-o a sair de lá em 4 ou 5 meses e o ajude a entrar num seminário, sob pena de ver a alma que você evangelizou naufragar “no tédio ou na lama”. E mais, tudo isso sob intenso regime de estudo bíblico doméstico e oração, estudando com afinco as linhas e entrelinhas da Palavra de Deus, se possível em paralelo com leituras cristãs do naipe de um CS Lewis (se você for homem) e de uma Elizabeth Rice Handford (se você for mulher).

Finalmente, amigo, então assim prossiga, prossiga e prossiga, indefinidamente, pois Deus jamais deixou um limite para a sua instrução espiritual, e o conhecimento de Deus é infinito. Vá em frente, sempre, em sua escalada ascendente para o Senhor, buscando alcançar a estatura de Cristo, única garantia que temos contra o mesmismo das pregações populistas, o vazio dos corações alienados e a lama dos cultos permissivos, feitos para agradar massas e encher templos. Se o amigo tiver entendido este texto (é bom ler de novo), não terá motivo algum para inquietar-se, pois o que ele recomenda é exatamente o conselho bíblico: conhecer a Jesus Cristo, pois isto é a única coisa que de fato interessa às almas humanas, e todo esforço nosso neste sentido será pouco, como este artigo também é muito pouco. Portanto prossiiiiiiiiiiiiiiiiiiiga…

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Os dois Jacks que amamos

Correndo o risco de sermos tratados como idólatras pela velha mentalidade reformada que vê qualquer louvor ao semelhante como uma recriação do politeísmo (coisa que Lewis criticou no “Mere Christianity”), esta Escola procura aqui esclarecer de vez esta questão…

Quanto mais o tempo passa e nos aproxima do fim de todas as coisas, mais temos ampliada a certeza de que CS Lewis é a ponta do iceberg de um colossal universo de mistérios, sobre os quais ele próprio teve ingentes dificuldades de explicar e explicitar. Na verdade ele representa duas realidades distintas, mas intimamente ligadas entre si e entre ele e Deus. Refiro-me primeiro à realidade pessoal dele (sua profissão, amizades, família, casa, patrimônio, situação financeira, etc) e segundo, à realidade espiritual dele, da qual pouco se conhece (a julgar por até onde ele foi), apesar de tantos amigos íntimos e inteligentes que tinha.

Do primeiro Jack não iremos tratar aqui. Cremos que para nosso propósito, seria assim como “chover no molhado”, pois até hoje é aquele Jack que todos descrevem e é sobre ele que foram escritos dezenas, senão centenas de livros. Porém falar sobre o segundo Jack é raro e muito mais difícil, e é justamente nesta matéria que cremos poder servir melhor a Deus e aos lewisianos deste país.

2 Lewis que amamosSeguindo certa parte da doutrina cristã chamada “Tricotomia”, temos que adiantar que não é possível falar do segundo Jack sem pontuar que o ser humano é constituído de 3 (três) realidades distintas, que deveriam ser, além de distintas, unidas, assim como é a Santíssima Trindade. Com efeito, as três partes ontológicas do Homem, seu corpo, sua mente e sua alma (que Paulo chamou de corpo, alma e espírito – I Ts 5,23: Id, Ego e Superego?), tornam a Ontologia, a Teologia e sobretudo a Antropologia Filosófica assuntos por demais complexos, se alguém quiser chegar à realidade última ou mais profunda do ser humano. É neste sentido que iremos, no presente artigo, desenvolver o nosso argumento a respeito daquele lado mais obscuro, digamos assim, de CS Lewis, aqui chamado de “2o Jack”.

Em seu lado conhecido (o 1o Jack), Lewis já possuía certas características que o distinguiam, por assim dizer, da maioria dos mortais terrestres. Refiro-me à sua prodigiosa inteligência e à genialidade de seu cérebro na área relacionada ao domínio da linguagem e da imaginação (aliás, uma coisa não pode prescindir da outra, segundo tudo o que descobrimos estudando outros gênios escritores). As mais recentes pesquisas da fisiologia cerebral dão como certo que quanto mais desenvolvida ou bem dotada for a área da linguagem, maior capacidade tem de fazer abstrações e com isso abrir o “horizonte visual”, que acaba parecendo, para os cérebros comuns, mero exercício da imaginação, embora uma coisa sirva à outra e vice-versa. Ou seja, por conhecer demais a “arte de comunicar com perfeição” aquilo que lhe chegava à mente, abriu a imaginação ao extremo de adentrar, com ele, nos mundos invisíveis daquela, cuja realidade é, segundo ele mesmo pôde comprovar, maior e mais completa do que as “tênues paragens” onde perambulam os corpos de matéria tridimensional (que nem chegam a ser “sólidos”, como Jack revelou no livro “The Great Divorce”).

Até as amizades do 2o Jack, a bem da verdade, eram diferentes das amizades do primeiro, e ele pareceu nunca tentar ter com estas certas “interferências” ou maiores intimidades do que as que as relações sociais geralmente permitem, à exceção, talvez, de Joy, sua mulher, e Warnie, seu irmão (e iniciamos tocando no assunto ‘amizades’ por estarem elas bem no centro da questão dos dois Lewis, e sem as quais o 2o Jack continuaria, a rigor, um nobre desconhecido). Já o 2o Jack relacionava-se com outros “eus” de modo diferente, tão diferente que caberia talvez algo como “não-terrestre” ou “além-mundo”. E Lewis soube, como ninguém, comunicar essas realidades do Além, de um modo, digamos assim, “extra-sensorial” ou “extra-situacional”, de tal maneira que o infinito fosse transmitido “todo contido nas partes”, e as partes fossem entregues com “criptogramas” somente detectados por outras mentes igualmente antenadas no Além-mundo que ele “canalizava”. No artigo “Transposição” foi onde ele mais revelou acerca dessa “canalização do infinito”.

Difícil de entender? Certamente. Como Arthur da Távola disse, “o sobrenatural escondeu-se dos mortais e criou uma barreira de silêncio através da qual somente os ‘adultos’ captariam algum som inteligível, tratando os demais como crianças a quem não se pode contar certas coisas”… E Lewis viu isso muito bem. Porém pensar sobre como Jack extrapolou a realidade tridimensional e principalmente por que Jack manteve sua extrapolação sob o manto do mistério, isto sim é tarefa por demais complicada e talvez “proibida” para bom entendedor. Deus queira não estejamos aqui em flagrante desobediência. [Na verdade as coisas descobertas a partir da exegese lewisiana mais profunda mostraram um planeta tão ameaçado e uma realidade tão aterradora que qualquer tentativa imperfeita de contar os fatos poderá pôr em risco o já delicado equilíbrio social da modernidade, podendo ocasionar inclusive a perda definitiva daquilo que pretendia resgatar].

Com efeito, o mundo está mergulhado num drama colossal, de proporções e efeitos tão devastadores que é muito provável que mantê-lo inalterado (ou “congelado”) seja melhor opção do que escancarar a Verdade, tal como não tentar remover um motoqueiro acidentado pode salvar-lhe a vida (em caso de pancada na coluna cervical), como recomendam os paramédicos ou “anjos do asfalto”. Porém os paramédicos sabem fazer a remoção (imobilizando a coluna), de um modo que o paciente pode chegar ao hospital e conhecer outra realidade: a de que receber uma 2a chance impõe um cuidado maior e uma grata alegria de viver.

Isto posto, estamos aqui fazendo o esforço de crer que podemos servir de paramédicos para resgatar os acidentados do caos, mas cuidando para que o status quo não seja alterado por pessoal não-qualificado, fazendo a emenda sair pior que o soneto… O que fazer, então, já que Jack viu o acidente, viu a coluna vertebral afetada “e não fez nada”, esperando os paramédicos do Senhor? Ainda é hora de esperar? Se Jack estivesse entre nós, ele ainda esperaria? Sim: o primeiro Jack esperaria. O segundo talvez não.

Mas então: chegou a hora de escancarar a verdade? “Remover o paciente”? O que pensar?… Nós queremos crer que sim.

Em primeiro lugar, o 2o Jack fez uma amizade toda especial com alguém do tipo “imortal”, ou que “foi imortalizado pelo Amor de Deus”, por assim dizer. Isto pode implicar, sem dúvida, em certa decepção de resultado prático, para quem esperava que CS Lewis fosse o último estágio da “canalização” antes do próprio Deus. Mas não foi. Deus queria e sempre quis escancarar a Verdade ao mundo, e nunca encontrou a ocasião ideal (ou “o homem certo na hora certa”) para fazê-lo, ora pela alienação e mediocridade dos receptores, ora pela inadequação estratégica perante as forças de satanás. [E isto é muito compreensível e até comum na história do povo de Deus, pois em Israel também durava às vezes séculos para aparecer alguém cujo coração Deus pudesse usar como rádio-escuta e porta-voz de guerra. Só que o tempo decorrido de Cristo para cá, sem a vinda de um Nazireu(1*) legítimo, promoveu um esvaziamento completo do espírito humano, uma queda acentuada da moralidade e uma atrofia da consciência, a ponto de que um último profeta encontraria muito maiores dificuldades em iluminar o povo, mesmo o chamado “povo de Deus atual”, aqui entendido como os cristãos].

Em segundo lugar, Lewis recebeu do Além instruções rígidas de eclipsamento do nazireu, de tal modo que aqui caberia a expressão “morrer como pecador para proteger o santo”, a qual Jack custou a engolir enquanto não presenciou as credenciais do santo. Isto significa que Lewis foi usado por Deus não propriamente como “canal de entrega da Verdade”, mas como escudo ou armadura e também como um eventual “bode expiatório” para quaisquer ameaças porventura endereçadas ao nazireu (tudo indica que qualquer outro profeta – qualquer um de nós – que quisesse levar adiante as palavras do nazireu, também iria ter que fazer o papel de Lewis, i.e, sofrer pelo santo).

Isto levanta um terrível problema. A saber: que Jack teria que ‘emprestar’ ao nazireu todo o prestígio e a credibilidade de CS Lewis, agindo inclusive, como última alternativa, na perspectiva de negar conhecimento e até concretude real para o seu “protegido”. I.e, Jack apareceria como o pseudo-autor da história (que seria na verdade um fato vivido por outrem), divulgando-a como mera criação de seu malabarismo imaginativo ou de sua invencionice mirabolante. [Todavia, até mesmo por esta ótica, este malabarismo foi tão longe, em sua detalhística indicial, que até os mais céticos ficaram em dúvida quanto a ter Lewis “inventado” tudo aquilo, até porque se o tivesse feito, o cético teria que crer noutra coisa ainda mais mirabolante, a saber: que Lewis tem uma inteligência sobre-humana ou no mínimo foi auxiliado por uma inteligência sobrenatural, além de onde jamais chegaram os maiores gênios da Humanidade].

Com efeito, ao adentrar apenas como narrador em fatos vivenciados por terceiros, Lewis então se transformou num “hall” de experiências insólitas e num canal de mensagens “extra-oficiais” (por assim dizer), tal como um repórter que fosse a uma guerra e pudesse estar com os dois lados em conflito e transmitir o fragor da guerra, sem se importar com a “organização didática” das mensagens captadas. Toda a bulha e o “tumulto” de informações chegariam nele e sairiam por ele sem ajustar-se às especificidades limítrofes da lei vigente, que aqui talvez pudesse ser chamada de “ortodoxia”.

Todavia, em terceiro lugar, fica claro ao longo da obra de Lewis que ele não apenas serviu como “mestre retransmissor”, mas de fato assumiu a condição de “aprendiz de feiticeiro”, dadas as suas íntimas ligações com os verdadeiros “Magos de Deus”, operadores da Magia Benigna que criou todos os mundos. Foi exatamente daí, de sua relação com os Magos, mormente com um Mago em particular (um nazireu legítimo), que Jack ocupou o posto de autêntico profeta pós-canônico.

Eis porque do 2º Jack se sabe tão pouco, ou apenas se imagina quando há este dom divino. Porquanto era no espaço sagrado entre as suas orações mais íntimas e as respostas de Deus que o Sr. Clive vivia seus momentos mais alegres e arrebatadores, e também os mais angustiantes, devido às ingentes responsabilidades que essa posição impõe aos verdadeiros profetas. Nem Warnie, nem Joy – e muito menos seus enteados – sequer imaginavam aonde o 2º Jack “andava(2*) em suas horas “solitárias” [nas quais ele foi informado de que “nunca menos só do que quando só”], apesar dos inevitáveis “vazamentos de indícios” que os caminhos do Mistério sempre deixam atrás de si… E os amigos e “estranhos” que por obra de “coincidências” eram apresentados em casa em ocasiões pouco freqüentes, nunca chegaram a formar qualquer célula social detectável, ou mesmo um clube ou círculo doméstico, o que significa que Lewis desempenhava outras “atividades” fora de casa ou extracurriculares, das quais talvez nem o Inklings tomasse conhecimento ou parte, ao menos, do todo. [Ocorria exatamente como ocorreria se Jack fosse um agente secreto do Governo, cuja profissão e identidade jamais são reveladas, nem mesmo aos mais íntimos familiares]. Porém tudo isso é perceptível, para quem tem olhos de ver, nas entrelinhas de seus livros mais “densos”, dos quais se soube que os perigos de uma exposição escancarada das peregrinações e obras do 2º Jack não apenas atrairia para ele inimigos sobre-humanos (de cujas reações Deus não poderia livrá-lo, como dita a “Lei de quem desafia o Senhor”), mas também atrairia a “inveja” e o preconceito de outros cristãos e até de cientistas, com os quais ele deveria manter sempre as melhores amizades e simpatias para futuras necessidades. Eis aqui, sem qualquer maquiagem, o 2º Jack exposto, no máximo de luz que é lícito focar sobre ele. Ora, se ao apóstolo Paulo não foi permitido falar do 2º Paulo (II Co 12,2-4), por que haveria hoje outro alguém a quem Deus daria essa permissão?…

Finalmente, a inequívoca constatação dos dois Jacks encontrados em CS Lewis, e sobretudo a hegemonia oculta do segundo sobre o primeiro, nos leva a crer que qualquer discurso “convencional” sobre Lewis deixará sempre algo a desejar ou algo mais em quem farejou tudo e tenha sido surpreendido pelos inquietantes “indícios” captados nas entrelinhas das “suas” histórias. O ar fica rarefeito pela escassez – ou asfixiante pelo excesso – de presença não-humana a espreitar por trás das palavras, e é deste “hall” que se vislumbra a única porta que a Revelação não abriu e o único caminho que iluminará toda a Casa.

Mas quem quer entrar nesta Casa? Quem quer ver pessoalmente o que o 2o Jack viu? O leitor quer ir além? Todavia, lembre: se responder sem pensar, pode correr os riscos que Lewis fez “das tripas coração” para evitar que outros corressem.

Coragem e boa sorte!

(1*) = O Nazireu era o “profeta-irrepreensível” para o povo judeu, porquanto já nascido como profeta, gerado por Deus com dons especiais de discernimento de espíritos, clarividência e predição (Nm 6; Jz 13,5-7 e Am 2,11-12), alcançava grande credibilidade por sua moral ilibada e seu coração extremamente caridoso para com os pobres. Quase todos os grandes mártires do Velho Testamento eram nazireus. No Novo Testamento, ficou claro que um verdadeiro Nazireu, como João Batista, recebe o Espírito Santo desde a concepção uterina (Lc 1,41), a missão pré-existente antes de sua concepção na mente de Deus e uma morte violenta em plena atividade missionária. Infelizmente, com sérios prejuízos à doutrinação dos evangelizados, o pré-conceito e a descrença na existência pós-canônica de nazireus tomou conta do Cristianismo, sobretudo na cristandade reformada.

(2*) = O verbo talvez não fosse “andar”, e sim volitar, voar ou tecnicamente “projetar-se”, sem excluir a reciprocidade implícita em cada jornada.

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Rafael

Questionando se o destino triste de um garoto poderia ser atribuído à vontade de Deus, o nosso professor Eridam nos brinda com esta pérola de crônica politicamente correta para ampliar o leque de estudos desta Escola.

Rafael - Cracolândia2 Aos vinte dias de novembro de 1959, a Assembleia Geral da ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos da Criança que traz princípios tais como: A criança tem o direito de ser compreendida e protegida, e devem ter oportunidades para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. A criança tem direito a crescer e criar-se com saúde, alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito. A criança gozará de proteção contra quaisquer formas de negligência, abandono, crueldade e exploração.

Rafael não teve nenhum destes direitos e acabou atropelado e morto na manhã desta quinta-feira, dia 10 de janeiro, na Avenida Brasil, fugindo da ação de assistentes sociais… porque, apesar de ter apenas 10 anos de idade (meu Deus!), já era usuário de crack e passava dias nas ruas, numa região conhecida por “Cracolândia”.

Rafael - Cracolândia1É desalentador ver que mais de meio século depois daquela assembleia, nenhum daqueles direitos chegou até Rafael, e pior, também não chegou a centenas ou milhares de crianças (ou seriam milhões?) espalhadas neste mundo e relegadas à própria sorte, pois as políticas públicas e o nosso egoísmo impedem que os direitos mais básicos contidos naquela declaração cheguem até elas.

A sociedade encontra desculpas perfeitas para entorpecer a sua consciência; afinal as culpas são de pais irresponsáveis que não deveriam tê-las posto no mundo. “Eles que tiveram, eles que cuidem; e depois, ‘quem mandou’ que Rafael não estivesse na escola e preferisse estar fumando crack? Teve o que mereceu!”.

Pior, os teólogos de plantão, ávidos em colocar sobre Deus um dever que deveria ser também deles, pois se dizem “a igreja do Senhor”. Será que esta mesma igreja é quem ouvirá do Mestre o fatídico “afastai-vos de Mim, malditos, pois nunca vos conheci”?. Afinal, o Senhor não chamou nenhum dos doze para “fazer teologia”, mas para cuidar do Seu rebanho (rebanho este que está se perdendo nas cracolândias, em campos de refugiados e em vilarejos aqui, na Ásia, na África e em todos os cantos).

Como ter a desfaçatez de dizer que Deus já havia preparado este fim para Rafael “antes da fundação do mundo”? Que apenas se cumpriu a inexorável e soberana vontade de Deus? Qual seria mesmo a vontade de Deus para Rafael? Que ele acabasse como acabou, ou que ele tivesse uma infância feliz, com casa, saúde, educação e uma boa família? Será que Rafael foi escolhido para não fazer parte do chamado do Mestre, aquele de “deixai vir a mim as minhas criancinhas porque delas é o Reino de Deus?”…

Não. Eu me recuso a crer num Deus assim. O Deus que Cristo veio nos mostrar é um Deus que é Amor, que se preocupa com seus filhos e jamais traçaria um destino tão cruel para uma criança de 10 anos, ou para quem quer que seja. Assumamos as nossas culpas e responsabilidades e assim, quem sabe, possamos salvar a vida de tantos outros Rafaéis.

Fortaleza, 11 de Janeiro de 2013.

Autor: Prof. Eridam Júnior.

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A intolerância aprovada e autorizada pela Bíblia

A cristandade inteira sabe que Jesus pediu para perdoarmos todos os nossos inimigos e até “fecharmos os olhos” para os ciscos nos olhos alheios, já que teríamos uma trave no nosso. Entretanto, num trecho duríssimo, João se mostra 100% intolerante para com o próximo, mas igreja alguma fala deste assunto.

2a João 7-11É fato consumado entre os cristãos que os seguidores de Jesus devem nutrir a tolerância e a compreensão para com os outros, sobretudo quando se trata de almas enganadas por outras religiões e assim até certo ponto “inocentes” no engano das falsas doutrinas. Cristo mostrou-se perdoador de todos os pecados e o Novo Testamento registra apenas um momento em que Ele explodiu de raiva, partindo para a “agressão física” aos pecadores desonrantes da Casa de Deus, no conhecido “episódio dos açoites no Templo”.

Além daquela ocasião difícil para Jesus, os registros apontam no máximo para momentos de ira verbal, como no caso do “sermão antifarisaico”, encontrado em Mateus 23. Outrossim, aquilo que chamam de “pecado imperdoável” (Lucas 12,10) nada mais era que a livre vontade de continuar uma vida independente dEle, rejeitando a Sua Santa vontade [os protestantes chamam isso de “a simples descrença em Jesus”]. Afora isso, tudo o mais deveria ser relevado (“dado por menos”) e a aproximação, mediante sincero arrependimento, deveria incluir e ser aceita por todos, indistintamente.

CS Lewis foi ainda mais longe (no sétimo livro das suas “Crônicas de Nárnia”, chamado “A última Batalha”), mostrando que nem mesmo a tal “blasfêmia contra o Espírito Santo”, embora nunca mencionada naquele livro, seria computada por Deus como um item numa lista de acusações, pondo em dúvida até a existência de uma lista dessas. Eu também não creio numa lista de pecados, e sigo com Lewis entendendo que nada nos separará do Amor de Jesus, exceto a nossa livre vontade de não segui-LO, num direito outorgado pelo próprio Deus. No último dia, então, como mostrou Lewis, o próprio Senhor do Universo estará “impotente” diante de nossa última decisão, saindo frustrado da nossa frente para chorar baixinho num canto do Paraíso que recusamos. Este é o retrato fiel do Plano de Deus e das chamadas “últimas coisas”, que a EAT adota como centro de sua Soteriologia.

Assim sendo e isto posto, como entender o que João Evangelista disse em II João 7-11? [7 – De fato, muitos enganadores têm saído pelo mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Tal é o enganador e o anticristo. 8 – Tenham cuidado, para que vocês não destruam o fruto do nosso trabalho, antes sejam recompensados plenamente. 9 – Todo aquele que não permanece no ensino de Cristo, mas vai além dele, não tem Deus; quem permanece no ensino tem o Pai e também o Filho. 10 – Se alguém chegar até vocês e não trouxer esta doutrina, não o recebam em casa nem o saúdem. 11 – Pois quem o saúda torna-se cúmplice de suas obras malignas]. Como pôr em prática um comportamento que trata tão intolerantemente um irmão de outra religião, como se ele tivesse cometido uma blasfêmia contra o Espírito Santo? (Mesmo se fosse blasfêmia, como não levar em conta a ignorância de quem foi ludibriado por uma religião falsa, lembrando o que Lewis revelou no final das Crônicas de Nárnia e também o pedido pungente de Jesus na cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem”?)… – A questão, como vemos, é complicada. É disso que tentaremos tratar aqui, com a devida atenção do leitor.

Duas vertentes teológicas se formam no trecho da segunda carta de João. Provavelmente, ambas são válidas, dependendo da ótica denominacional adotada e do contexto em que o assunto é tratado. Afinal, a Palavra de Deus está acostumada a nos apresentar aparentes contradições e nós também já deveríamos estar acostumados com elas, dada a enorme diferença entre o pensamento de Deus e o nosso, como explicaram Isaías (Is 55,8) e Lewis, em seu excelente “Transposição” [Na transposição que Deus foi obrigado a operar para se tornar inteligível à mente humana, muitas verdades ficaram prejudicadas pela ambiguidade ou pobreza da linguagem e da mente humana, gerando as tais contradições involuntárias da Revelação]. Ou seja, trocando tudo isso em miúdos: (1) os cristãos devem mesmo perdoar a todos indistintamente e independente de qual pecado tenha sido praticado contra nós; e (2) os cristãos devem mesmo evitar e até expulsar da sua convivência um indivíduo blasfemo que tenta nos enrolar com falsas doutrinas. Vamos analisar estes dois pontos.

(1)    As pessoas sinceramente enganadas pelos falsos pastores provavelmente não têm maldade suficiente para nos prejudicar a fé, sobretudo de estivermos treinando, aperfeiçoando ou exercitando a nossa espiritualidade (“Que mal me pode fazer o homem?” – Sl 56,11). Muitas delas vêm a nós carregadas das mais boas intenções, acreditando estarem cumprindo a Grande Comissão de levar a boa nova aos 4 cantos do mundo, e por isso merecem todo o nosso respeito e carinho. Elas estão, a rigor, fazendo exatamente o que nós temos feito ou o que deveríamos estar fazendo, se de fato encontrássemos alguém que precisasse de uma pregação mais do que nós. Elas, portanto, não devem ser alijadas, afastadas ou desconvidadas de nossa casa, cuja maior razão de ser é justamente constituir um lar cristão, cópia e projeto de uma futura igreja. Sua boa intenção de nos evangelizar deve ser contrabalançada com a nossa pregação mais instruída, em comum acordo, de tal modo que haja sempre uma boa conversa meio a meio, na qual o lado cristão seja vencedor, pela força da nossa eleição em Cristo. Perdão de parte a parte sempre complementará aquelas conversas benfazejas.

(2)    As pessoas secretamente malintencionadas que nos visitam para pregar suas crenças devem ser frontalmente combatidas com a profundidade e mansidão do Evangelho, por duas ou três ocasiões sequenciais, desde que demonstrando interesse em aprender algo novo e de fato dando sinais de certo amolecimento do coração de pedra, com o que uma futura conversão possa ser aguardada. No caso dessas condições não estarem sendo satisfeitas, então é a ocasião apropriada e virtuosa em que ao cristão é dada a permissão para afastar-se de tal pessoa, chegando até à prática de uma expulsão real, se a insistência se mostrar arredia e hostil e à nossa pregação cristã não esteja correspondendo nenhum sinal de mínima adesão ou interesse. Eis aqui o caso factual citado por São João, e todos os líderes de seitas, ou de religiões não-cristãs, ou de interpretações recém-criadas, devem ser alvo de nossa intolerância sumária, na qual até a visível estampa de inimizade pode ser exposta em nosso rosto perante o intruso, pois o mesmo já tinha de há muito o plano de nos desviar de nossa sã doutrina.

Eis aí o quadro-resumo da situação exposta por João e complementada pelo contexto evangelístico do Novo Testamento. Os cristãos podem e devem, portanto, incluir em sua agenda missionária uma ocasião onde uma prática aparentemente intolerante tenha lugar, justamente para dar ao mundo uma noção precisa de onde estão os muros invisíveis que ladeiam o único Caminho da Salvação, facilitando a pronta identificação da igreja de Cristo às almas perdidas.

O que deveria nos estranhar é justamente a ausência da intolerância (por incrível que pareça) no mundo pós-moderno, o qual assumiu, por influência malévola da mídia, uma postura pusilânime e permissiva, onde não faltam a bajulação e a assimilação/degustação de todas as liberdades individuais, inclusive quando estas descambam para a libertinagem. E se é estranho que o mundo inteiro tenha se tornado esta sopa pegajosa de aprovação de tudo, muito mais estranho é perceber que a igreja pós-moderna também faz vista grossa para tudo (obviamente numa estratégia proselitista), como se o fato de ela estar abarrotada de gente constituísse algum critério de valor para a santificação das almas, para a aprovação da parte de Deus ou para o aplauso dos anjos!: Isto é o mais ledo engano, que só logrou êxito por causa do Capitalismo selvagem de nosso tempo, no qual o Criador do Universo foi substituído pelo deus-dinheiro – deus este que também está nas igrejas.

Resta-nos ainda, talvez, num esforço moribundo como única alternativa verdadeiramente cristã, a opção de lutarmos como o pássaro que estava à beira do lago, sozinho a encher o papo de água, na intenção de apagar um incêndio. É duro saber que o que nos falta hoje em dia é justamente este senso de comunidade fraterna, solidária, unida no encalço de um só ideal, a saber, agradar ao nosso Deus, custe o que nos custar, doa em quem doer.

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O grande sinal de inimizade contra Deus

Os chamados “melhores cristãos”, com fama de bom coração, perdem-se terrivelmente na incoerência quando se trata de se controlarem diante de uma agressão verbal ou de uma mera resposta negativa.

homem irado2Ser manso é muito difícil, garante a tradição histórica das grandes religiões, equivalendo a usar a palavra “cristão” no lugar de manso quando se trata de denominações evangélicas ou católicas. CS Lewis dizia que a disciplina mais complicada e menos apreciada da doutrina cristã é justamente aquela parte que exige o nosso amor ao próximo e até rezar pelo bem dele, quando se trata de uma pessoa detestável e implicante, que na maioria das vezes nos quer mal ou nos trata com injustiça. Isto é assunto que dá náusea e nojo nos ouvintes, segundo Lewis, mas é aqui que se esconde o grande trunfo cristão, ou o grande diferencial de mérito reservado às almas humanas.

O assunto é trazido à baila em razão da esmagadora escassez de mansidão no mundo pós-moderno, o que equivale a dizer que encontrar alguém que não reaja ou reaja com simpatia após uma ofensa ou agressão verbal, é algo tão raro que um simples comentário acerca do quadro atual pode deixar o comentarista sob ameaça das hostilidades que veio denunciar. Pior, não há outra conversa a introduzir quando a questão é saber se alguém é um cristão ou não, e hoje em dia NEM o próprio exemplo do Cristo serve para convencer alguém de que está errado em sua forma vingativa de reagir. Neste sentido, a Palavra de Deus perde todo o seu prestígio, extinguindo-se cabalmente com a mesma ferida que matou a Moralidade e a Ética.

Cartaz Camp Fraternidade 95bTrocando tudo isso em miúdos, todos se consideram cristãos e até boas pessoas, enquanto uma situação estressante de conflito com uma pessoa próxima não lhe fervem o sangue, ocasião em que religião nenhuma, piedade nenhuma, ética nenhuma, apelo nenhum e mesmo educação nenhuma têm poder para impedir o revide, e até um fratricídio se torna pensável no estado encolerizado que a agressão gerou. Assim sendo, para facilitar ainda mais o entendimento do que estamos falando, vamos pensar num exemplo prático bem visível.

Suponha que você leitor, seja você quem for (não lhe conheço), esteja num ambiente de lazer ou de trabalho e uma pessoa presente, em razão do que supostamente ouviu de você, resolva tomar a sua frente numa diversão ou lhe cortar ocasião para uma oportunidade de ascensão funcional. E ainda por cima, faça isso fofocando, ou com uma palavra antipática ou ranzinza, deixando você numa situação vexatória e/ou prejudicial, e sem se importar com o resultado desastroso para seus planos. A reação comum ou própria da Humanidade em estado bruto seria a de revidar com uma palavra grossa e hostil, geralmente elevando o tom de voz e baixando o nível das expressões, até chegar a palavrões e agressões pessoais (nem é preciso dizer que, se este processo continuar, sobretudo se ocorrer entre pessoas de pouca instrução, desembocará sem dúvida na agressão física e em muitos casos até no risco de uma vingança sangrenta): esta é a reação comum, ou “humana”. E você, como reagiria?

Homem iradoSe conseguir ser honesto nesta hora, dirá – até com orgulho – coisas como: “sou do tipo que não leva desaforo pra casa”; ou “comigo, escreveu não leu, o pau comeu!”; ou “dou um boi para não entrar numa briga, mas dou uma boiada para não sair”; etc. Não é isso mesmo? Pois bem. Aqui está o nó cego desta questão tão complicada para a evolução da Humanidade, e da qual depende toda a teologia da salvação da alma humana, que aqui pode ver com clareza o que significa ser uma alma perdida.

Este não é um discurso apelativo. Que o leitor fique bem certo. Porquanto, se podemos levar as palavras de Jesus a sério (por isso este texto não se destina a ateus, que não querem crer em Deus justamente para não ter que “mudar” a sua alma e a liberdade de suas reações animalescas!) e se o que a maioria das religiões dizem sobre o ódio for verdade, então precisamos urgentemente de uma dura reeducação espiritual, na qual esteja contemplada a chamada “Psicoterapia da Reação”, cujo foco é desarmar a alma o suficiente para o ser humano poder conviver em todas as situações sociais, e não apenas quando somos bem recebidos por gente sorridente.

Não são poucas as instruções religiosas nos quatro cantos do mundo que ensinam a necessidade, imperiosa, de cada indivíduo saber viver as dificuldades próprias da convivência humana, e os exemplos de Santo Estêvão, São Francisco, Marratma Ghandi, Jesus Cristo e tantos outros, provam que não existe teologia bem sucedida sem que o processo de amansamento do Homem tenha surtido efeito. Falar sobre o trabalho de refazer a amizade com Deus, ponto alto da Teologia Relacional do Cristianismo, é isso mesmo que as palavras querem dizer, i.e, esforço, trabalho, refazer e amizade. Veja então o leitor que um outro problema interfere, ou seja, ninguém gosta de trabalho, sobretudo quando é o refazer (retrabalho) e quando exige de nós engolir os sapos das antipatias gratuitas pessoais. Até porque nunca vemos os sapos que cuspimos nos outros, e sempre vemos os sapos dos outros como enormes e fétidos.

ira-raivaO problema fundamental é que só Deus pode dizer o quanto estamos longe do padrão de mansidão de Jesus, e quando qualquer ser humano vai investigar o que Jesus pediu para nós, só tem duas saídas (que são crenças burras): (1a) acreditar que Jesus, que é Deus e portanto não erraria num julgamento, pediu uma coisa impossível para nós; ou que (2a) estamos tão longe do que Ele nos pediu que certamente a salvação da Humanidade é impossível! – Os dois raciocínios estão, felizmente, incorretos. Ele não pediria o impossível para gente tão medíocre quanto a raça humana, e Ele tem amor suficiente para nos salvar, mesmo se não conseguirmos amar o próximo como Ele. [Os registros falam que Ele mesmo um dia disse para nós: “Sede perfeitos, como perfeito é vosso Pai celestial”; outros relatos dizem que Ele ensinou: “Se te baterem na face esquerda, dai-lhes também a direita”; outros textos sagrados dizem que “se não perdoarmos a quem nos tem ofendido, não seremos perdoados”; e finalmente está escrito que “devemos amar o próximo com o amor com que Ele nos amou!”… Isto é que é dureza!].

Segue-se que nenhum de nós pode sequer sonhar com uma aproximação do padrão de Jesus sem iniciarmos, o quanto antes, um esforço moral sério, em direção oposta aos nossos instintos mais primitivos, matando dentro de nós, a cada dia, o nosso ego rebelde, herdado do homem das cavernas. Isto é o resumo perfeito do que diz o Evangelho e a maior lição de CS Lewis, colhida pegando carona nos Evangelhos. Qualquer outra tentativa é inútil e ilusória, e por isso chamar a cada um de nós de “cristão” é uma verdadeira piada. O pior é que existem cristãos que se acham cristãos pelo simples fato de acreditarem que a fé em Jesus é suficiente para a sua salvação, sem que nem uma célula de seu coração tenha sido domada pela mansidão de Jesus.

Cristãos com dedo em riste ou olhos de fogo contra o seu próximo é muito mais comum do que se pensa, e as desculpas vão desde o jugo desigual com incrédulos até a crença de que não se tratava de um cristão (como se crer em Jesus mudasse tudo da noite para o dia). Ouvir as histórias da porca lavada que voltou à lama e do cão que voltou ao vômito (II Pe 2,22) é uma prova de que a fé sozinha não basta, e que o desastre está à frente de quem apenas crê. Ouvir Tiago dizer que a fé sem as boas obras é morta (Tg 2,17 e 24) equivale a entender a morte como a inexistência, ou a segunda morte, que é a inutilidade final da criatura. Quanto aos outros, os descrentes, nada há a fazer. Eles são bestas-feras indomáveis, a um passo da vingança e do crime.

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Conversas casuais sobre a solidão cósmica do Homem

Ora vinda da garganta de oráculos divinos, ora vinda de oráculos de garganta divina, uma conversa capturada na “radioastronomia teológica” acabou vazando para a Terra, e alguns ouvidos ouviram. Algo assim pode ser visto em

http://www.youtube.com/watch?v=W3odiEMDGkI.

DIZIAM AS VOZES [ABRE ASPAS]:

– Foi um drama terrível para Deus tomar uma decisão precisa após a Queda do Homem. E não é porque Ele é perfeito que se é obrigado a incluir a sua santa perfeição em tudo, pois quando esta decide fazer uma criação viva que não seja ela mesma, está obrigada a criar seres com Livre-arbítrio, sob pena de não encontrar “Graça” alguma em sua própria obra.

Ipso facto, quando a liberdade de decisão está incluída na criação de um ser vivo, a própria Onipotência precisa “desconstruir-se” enquanto domínio universal, sob pena de não ver formada A ESCULTURA VIVA que planejou para amar e ser amado (embora a rigor, nem necessitasse deste amor). Portanto, criar um ser vivo, consciente e livre, torna qualquer futuro uma incógnita, sobretudo quando o próprio Criador desejou “fazer parte” do jogo, doando-se de corpo e alma à própria criação, ficando sujeito a muitas limitações da Mãe-Natureza.

– Deus, por assim dizer em linguagem religiosa, teve que se tornar um “filho” da Natureza para poder curti-la internamente, e assim manter “a roda vida da liberdade” incólume por todos os séculos dos séculos, dando sentido ao seu projeto original de ter “companhia dialogal”. Tornando-se um filho da Mãe-Natureza, também se sujeitou à sua Mãe, restringindo-se a habitar espaços dentro dela, respirar o oxigênio dela e percorrer o tempo com ela, na linha de passado, presente e futuro, e ainda limitar-se ao SEU sistema de ir e vir, de sim e não, de força e fraqueza, de alegria e dor, etc.

– Pior: sujeitar-se às liberdades outorgadas! (O que pressupõe ter que suportar eventos não planejados e contrários à Sua vontade, mesmo sabendo que só ela é a perfeição!). Convivendo, pois, com seres livres, teria que aceitar ser rejeitado e expulso da convivência, e ainda assistir a criação aderir a modos malignos de comportamento, sem que a liberdade seja ameaçada, exceto por ela mesma.

– Tendo que criar um modo de impedir a injustiça contra seres que não o rejeitassem, o máximo que poderia fazer era reservar um lugar separado da convivência para os rebeldes, no qual todos os odiosos e malignos pudessem viver suas maldades longe dos bons, e sem o risco de maltratar os bons. E tal foi feito. Porquanto, aquilo a que chamam de “prisão do inferno”, além desta convivência separada, é essencialmente A PRISÃO INTERIOR, de almas aprisionadas em si mesmas, “livres, mas incapazes de dar marcha a ré e rever o caminho de volta, no qual perceberiam que manter-se aliado do Criador é a melhor (aliás única) fórmula de se ser feliz ou de fazer a sua própria criação ter valido a pena”.

– Sem que nada disso tivesse sido desejado (pelo contrário, a última coisa que um pai amoroso deseja é ver seus filhos desunidos), aconteceu exatamente o que o Livre-arbítrio permitia, ou seja, a rebelião, pela ilusão da felicidade supostamente existente fora de Deus. Alguém que cai nessas circunstâncias não quer cair sozinho, tal como você sempre vê os bêbados lhe oferecerem bebida, e os drogados lhe oferecem droga. Foi assim que a “ESTRELA-NEGRA” ofereceu a maçã a Eva e esta a seu esposo.

– Com a Queda do Homem, o ódio passou a penetrar livremente no coração humano, e por isso Deus “foi obrigado” a deixar os homens sozinhos, i.e., sem qualquer contato com outras raças. Todavia, eles não poderiam sobreviver sem a ajuda de animais (tanto os utilitários quanto os bichos tidos por “inúteis”, cujos insumos permitiriam complementos adequados e viabilizadores da vida humana em Tellus).

– Por esta razão, Deus teve que fazer uma cirurgia especial em todas as raças que serviriam para permitir a vida do Homem, dando a este uma última chance de escapar à aniquilação total. “A cirurgia ‘extirpou’ da mente animal o espírito” (que dá lucidez à alma e assim capacidade de comunicação com o homem), mas jamais a alma, e é por isso que os animais ainda sofrem, como prova de que quem merece uma jaula – chamada Tellus – é mesmo a raça Adâmica. Entenda que a alma não poderia ser extirpada, nem de animais nem de plantas, sob pena de a criação restringir-se só ao reino mineral, e a Humanidade ficar à míngua enquanto espécie, definhando até desaparecer.

– Porém a violência contra os animais fez com que Deus afastasse ainda mais, da presença do Homem, aqueles que nasceram noutros planetas. Porquanto se os animais de Tellus, incapazes de falar e rebelar-se contra o Homem, foram judiados barbaramente, o que os humanos não fariam a seres “horrendos” e capazes de desobedecer ordens? (Você já viu como as crianças humanas maltratam sapos e lagartos, pelo simples fato de eles serem feios?)…

– Entretanto, na verdade, falar de violência contra “feios” (para mim eles nem são feios, pelo contrário!) é maximamente ingênuo e apenas parcialmente verdadeiro, pois na realidade a maldade humana chegou ao ponto de maltratar até seus próprios semelhantes, mesmo quando estes são bonitos e agradáveis, e cuja beleza e simpatia encantaria a qualquer membro de uma inteligência extraterrestre.

– Pior, o ódio chegou a dominar de tal forma a mente humana que a violência veio a incluir até membros de sua própria família, quando não poupam nem seus pais nem seus filhos menores! Logo, como pode a Humanidade se queixar de estar sozinha no cosmos, quando não pode conviver nem com seus próprios irmãos de sangue?

– Tolos e idiotas se tornaram, levados pela presunção de pseudodivindade inoculada pela ESTRELA-NEGRA, que ainda os engana apresentando a própria solidão como prova de minha inexistência! Afinal, se ela queria mais um motivo para fazer a violência dar prazer aos violentos, nada melhor do que espalhar por aí que “o homem está sozinho no universo”, no sentido de que Eu não existo, e, portanto, jamais haverá punição (separação = inferno). Porém, se algum dia os extraterrestres enlouquecerem e se deixarem flagrar em Tellus, saberão enfim porque os animais da terra são mudos!

[FECHA ASPAS].

(Este texto baseou-se em todo o pensamento de CS Lewis, mas sobretudo nos livros da Trilogia Espacial, nas “Crônicas de Nárnia” e no inseparável “Oração – Cartas a Malcolm”).

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A Construção das Almas e a Lição do Urso

(Baseada no livro “Esta força medonha” e iluminada por João 9,39-41)

Como um animal adquire consciência? Como um gato pode conhecer a própria pessoa distinta dos demais gatos, e assim ir construindo sua alma? Como o mesmo princípio pode ser aplicado a seres humanos? O que houve ao longo da história humana até a consciência que temos hoje e o que haverá com nossa mente no futuro? Eis aqui a história da cegueira geral dos seres.

[ABRE ASPAS]

Fomos concebidos por um ser que é plena Luz e plena Pessoa e do meio dela surgimos, o que nem por isso significa que dentro de nós já houvesse alguma luz ou pessoa. Pelo contrário, a escuridão era nosso coração e nem sequer tínhamos nada a esperar. Ao nosso redor, a morada era surda e muda e, para todos os efeitos, diante de tanta luz, não havia escuridão alguma.

E a Luz pensou sobre nós, e houve luz. No princípio criou Deus o primeiro brilho, daquilo que um dia viria a ser luz. E muito antes de sairmos da mudez e surdez total da ausência de luz, uma pessoa foi pensada e assim veio a existir. A existência, afinal, ou o ser alguma coisa, era a única condição de esperança de um contato com a Luz, e para ela nós é quem estamos distantes de existir e sermos vistos como “coisa”, embora desde cedo chegamos a “pensar” (mesmo que o pensar dos homens ainda não existisse) que nós é quem estamos visível e Deus invisível. Afinal, pouca coisa nos diferia da escuridão total, exceto a imensa Luz de Deus ao redor iluminando tudo.

A criação do pensamento humano também foi outra “novela”, pois de nada adiantaria termos sido feitos coisa e não o sabermos. Mas como levar uma coisa a pensar? Só Deus sabia. Quando idealizou a coisa coruscante, deve ter antes planejado a sua condução à condição de coisa pensante. E muitas coisas já pensantes de hoje em dia ainda perguntam por que Ele teve que conduzir as coisas, ou por que não as fez pensantes de imediato. Isto eu não sei, como coisa pouco pensante que sou. O que sei é que antes do pensamento a visão era muito menor, e isto é que explica a escuridão que havia no princípio, quando Ele diz “haja luz, e houve luz”.

Assim sendo, agora me passo a pensar sobre como era aquela escuridão. O primeiro pensamento é que só era escuridão para quem olhava com olhos de coisa, ou melhor, para quem ainda não pensava. Para todos os outros era apenas luz, ou era toda a Luz gestando coisas que poderiam se tornar luz. A ofuscante Luz exterior parindo pequenas escuridões coruscantes que poderiam se tornar luz pensante. Isto projetava o sonho da criação para bilhões de anos depois de se tornarem luz, bilhões de anos depois de chegarem à personalidade.

Como foram então as incontáveis eras de escuridão (que mais merecem o nome “incuridão”, já que a “excuridão”, aquela que as coisas veriam do lado de fora, jamais existiu), onde as coisas foram atravessadas pela luz e atravessaram as eras?… Não é possível para mim, que já fui cego, surdo e mudo, descrever o que foram as eras de escuridão atravessadas pela luz, até que minha “incuridão” fosse paulatinamente sendo preenchida pelos pequenos brilhos da “excuridão” que incansavelmente me forçavam a renunciar minha obscuridade interior. E assim, na mentira do de repente (Deus nada faz de repente), meus olhos viram a luz exterior. Tempos depois também pude vê-la projetar-se para meu interior e ir, resolutamente, enxotando minha incuridão. Então olhei para mim.

O que foi que eu vi? Como eu ainda não tinha olhos, foi com a intuição de minha incipiente mente animal que vi meu corpo unicelular se multiplicar até me tornar um multicelular aquático e assim viver por milhões de anos em espécie. Depois disso migrei para a terra, não sem antes curtir a incipiente vida de girino mergulhado entre os anfíbios pantaneiros. Finalmente assumi-me telúrico e subi o barranco, a colina e a montanha. Desci à floresta tropical; mas ninguém pense que havia trópicos ou que tudo isso foi rápido. Demorou tanto que quando voltei a olhar para mim (ainda não era um pensamento personalizado), minha intuição animal me disse que eu tinha patas, patas fortes e reforçadas com garras e unhas. Estou dizendo que eu agora era um urso, mas jamais eu soube disso antes de completar uns mil anos da espécie “horribilis”.

Soube então que a Luz (eu ainda não podia entender que era Deus – e um Deus pessoal) continuava a guiar-me, conduzindo-me como sempre fez, desde que pensou em me “inventar”. E então minha espécie veio a conviver com a “homo”, muito antes de ser “habilis”. Esta convivência, quase sempre negativa pela violência de parte a parte, conduziu-se até a transformação do HABILIS EM SAPIENS E DO HORRIBILIS EM CIRCENSIS. Chegara a era em que o HOMO-SAPIENS-SAPIENS levava seus filhotes ao circo para ver minha espécie domesticada fazer palhaçadas para alegrar macacos imberbes.

Até que um dia um macaco imberbe começou a me bater tanto que uns macacos fardados vieram ao circo e me tiraram das mãos dele, e me levaram para uma casa de adoção de animais. E eu tive sorte, pois “um tal de Fisher King” decidiu pagar caro por minha adoção e me levou para sua casa no Monte de Santana. Não pense que eu soube de tudo isso durante minha travessia das eras. Nada disso. Só estou a contar essas coisas porque todas as minhas “incuridões” de coisa já haviam sido banidas pelas brechas que eu milagrosamente abri para a sublime Luz da “excuridão”.

Ao chegar na enorme casa do Dr. Fisher, ele me deixou à vontade para comer todo o mel que eu achasse, e até as abelhas, se quisesse. Creio que foi assim que ele passou a me estudar, e eu a ele, se é que estudar significa alguma coisa agora (na época nada significava para mim). Acho que minha personalidade emergiu menos opaca porque o Dr. Fisher falava sempre comigo como se eu fosse outro homem, um “ursu-habilis”. Mas neste exato instante, embora eu já esteja enxergando alguma luz em minha incuridão, não sei como descrever meu coração para ninguém, nem mesmo para outro urso, e por isso só posso pedir que, se você quiser conhecer como é meu interior e como foi o processo de visualização da pequena fresta de luz que hoje me permite pensar (e pensar que vou ser ressuscitado com Cristo), procure ler o livro “Aquela Força Medonha”, de CS Lewis, e ficará sabendo de tudo. CS Lewis descreve todo o meu interior no final do livro.

Mas uma cousa posso lhe dizer: o que aconteceu comigo é idêntico ao que acontece com todos os ursos e com todos os seres ditos “humanos”, no intuito divino de levar todos à perfeição. Ou seja, todos vêm do pó infinitesimal das estrelas e seguem crescendo, crescendo, até o unicelular, o multicelular, o girino, o anfíbio, o rato, o sagüi, o primata e o homo. Porém tudo às cegas, por bilhões de anos, até que a incuridão seja finalmente vencida pela Luz, após esta ter “quebrado” a excuridão da rebeldia. Este é o ponto. Falando assim, até pareço gente. [FECHA ASPAS].

 

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Deus deseja a nossa longevidade?

Ao soprar o seu Espírito naquele casal de primatas, Deus tinha o plano de manter por séculos e séculos criaturas humanas vivas e sadias no Planeta. Depois da Queda, isso mudou radicalmente.

A sociedade pós-moderna, conquanto levada irônica e simultaneamente pela ignorância e pelas facilidades de pesquisa atuais, termina pegando carona no objetivo último da Medicina (ou vice-versa), defendendo exaustivamente o culto ao corpo e a idolatria à saúde, como se tais atributos da alma fossem a última coca-cola no deserto, ou como se nem existissem almas. Tudo reflexo de uma era de descrença e desesperança, onde todos os sinos choram pelos anos perdidos da inocência.

A igreja pós-moderna também foi e é fortemente influenciada pela mídia desta época, a ponto de se questionar a validade de suas próprias práticas, pondo em dúvida condutas e costumes sólidos bem sucedidos, cuja subtração até agora nada de bem trouxe e nada de melhor os substituiu. A exceção do clero mais conservador, praticamente tudo o que dizia respeito à moral e aos bons costumes foi revisto e muitas vezes abandonado pelas novas gerações, com consequências danosas e até certo ponto fáceis de prever, como as próprias profecias bíblicas antecipavam, com detalhes tais que parecem ter sido escritas hoje mesmo.

Uma das práticas antigas que precisava mesmo ser mudada é a questão da procriação e das altas taxas de natalidade, que os setores conservadores – e até certo ponto míopes – da igreja ainda teimam em defender, como se o mundo ainda estivesse precisando de gente para povoar imensos vazios territoriais que já não existem mais em lugar nenhum (os imensos vazios ainda estão vazios não por não ter gente para povoá-los, mas por serem inóspitos e letais, sem água e sem vida). Pior, a igreja ainda pensa que a produção em massa de bebês garante A ELA um número maior de almas, como se ao longo da vida a criatura não encontrasse muito mais facilidades e tentações (e até razões aparentemente lógicas) para não ser cristão e muito mais para não pertencer a uma igreja! Enfim, a conversa de incentivar a prole para todas as mulheres do mundo sem dúvida constitui um dos maiores equívocos teológicos da Igreja, verdadeiro anacronismo entre a crença na profecia da volta de Jesus e o arcaísmo do livro de Gênesis. Isto basta. Lembre que nosso tema é outro…

Uma das práticas que jamais poderia ter sido assumida é a da busca pela longevidade, como se uma vida longa fosse a meta sublime de Deus, e não um acidente indesejável no destino de almas rebeldes e inimigas de Deus. Porquanto e com efeito, o divisor de águas da Queda do Homem operou uma mudança drástica e dramática na história da alma humana, a tal ponto que até a “política de vida longa de Deus”, ensejada pelo ambiente incontaminado do Éden (sob proteção e incentivo dos poderes divinos), foi radicalmente revista pelo Criador, uma vez que viver muito tempo passou a significar um número tão ameaçador de perigos que qualquer inteligência mediana optaria por induzir um tempo mínimo de vida física, da concepção ao perecimento.

Porquanto fica claro que o intuito de Deus, antes da Queda, estava contido no desejo do Criador de ver suas criaturas tridimensionais vivendo alegremente as limitações mas também os prazeres da carne (bem entendido), numa vida que durasse séculos e séculos, como duraram as vidas de Adão, Matusalém e de todos aqueles que sucederam ao primeiro casal, enquanto o Planeta ainda estava pouco poluído de contaminações físicas e psíquicas, com certa inocência nas almas primitivas. As idades dos primeiros homens, segundo a Bíblia, chegava mesmo aos 900 anos, e nada indica que viveram vidas infelizes e sofridas por doenças incapacitantes na velhice. Pelo contrário, os relatos expressam fortaleza e higidez contínua, com a morte alcançada sob o vigor e a boa lembrança de grandes contribuições às sociedades primitivas, com dedicação ao trabalho e à família e à luz de êxito por todos desejado.

Com a crescente contaminação do ar, da água e da atmosfera psíquica de Tellus, a taxa de longevidade foi baixando e os próprios escribas bíblicos chegaram a registrar o limite de 70 anos para apontar a idade ideal da vida humana; isto quando o corpo tinha energia suficiente para chegar a tanto, sem os sofrimentos e desconfortos da velhice.

Mas ainda não tratamos da questão da espiritualidade, que é, a rigor, o fator determinante da razão de viver, segundo a qual Deus estipula o prazo ideal para resgate de uma alma perdida, evitando os riscos maiores de uma vida mais longa. Porquanto a Queda também inaugurou a escalada decrescente na espiritualidade humana, levando toda a Humanidade à situação de risco cada vez mais grave de perdição, o que teria alterado drasticamente os planos de Deus, sob a ótica amorosa de reaver as almas desviadas pela rebeldia contagiante. (Eis porque, na época da Patrística, se tinha a noção firme de que, do ponto de vista estritamente espiritual, uma alma deveria ir para o Céu imediatamente após o batismo, para evitar os inúmeros e instantâneos riscos de sedução do pecado e separação de Deus, com as quais nenhuma vida valeria a pena após a queda!).

Portanto, para a ótica amorosa de Deus, o que importa não é o tempo de vida física que uma alma passa na Terra, mas o quanto ela firmou-se espiritualmente no amor a Deus, pelo qual não deveria mais arriscar-se na carne, distante da solidez do Paraíso, devendo, assim, despedir-se o quanto antes desta existência precária e ameaçadora. Logo, o Criador viu que uma vida física curta (de no máximo 70 anos), sob qualquer ponto de vista, é muito mais vantajosa para garantir integridade e higidez às almas humanas do que uma longa vida na carne, mesmo que prolongada sob os cuidados de uma medicina ao mesmo tempo tecnológica e naturalista, com dietas verdes e atividades físicas bem orientadas. Porquanto a saúde DA ALMA é o que conta e o que precisa ser contado ao final da caminhada, e a existência carnal é apenas um estágio de aprendizado que, por maiores lições que enseje, não vale a pena perante os riscos crescentes e sedutores da perdição eterna.

A pergunta do título então deve ser respondida sem pestanejar, do seguinte modo: “Deus deseja nossa longevidade?”… Não! Se esta se refere à vida física, Deus prefere a nossa subida imediata ao Paraíso, garantindo uma boa vida eterna às almas que O tiverem amado, pessoalmente e na pessoa do próximo, única fórmula de garantia da saúde anímica. Assim, toda a propaganda e falatório da Medicina atual acerca do aumento da longevidade humana, da “qualidade de vida” e da saúde rejuvenescida dos idosos, não passa de mais um estratagema ateísta, que parte da premissa de que não há um paraíso a conhecer no Além, e que a única vida a ser vivida é esta, e por isso todos devem lutar para rejuvenescer e parecer jovem, adentrando os cem anos ou mais, e vivenciando até atividades e virilidades típicas da juventude.

É este o quadro atual, e não admira que o ceticismo tenha ido tão longe, ao ponto de enganar a Humanidade inteira, naquilo que ela tinha de mais belo em sua alma, a saber, a esperança, dada por Deus quando plantou a eternidade no coração humano. Num planeta descrente de tudo, onde não há mais confiança nem entre pais e filhos, o quadro atual nem chega a ser espanto para os que crêem no Cristianismo. Quanto aos outros, ninguém mais poderia sequer sussurrar que além da esperança perdida, perderam a própria vida, e aquela que a Medicina lhes garante é, além de muito menor que a proposta original, é uma ilusão que ameaça até a outra, que a morte inaugurará.

PS:

Todos os assuntos aqui tratados que se relacionam com o tema da vida após a morte, estão expostos com profundidade nos livros “Você é um fantasma e não se enxerga” e “O Grande Divórcio do Egocentrismo”, ambos das editoras Clube dos Autores & Agbook (Google).

 

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