Parta do princípio de que está errado, e estará certo

A fórmula “simples” do Mero Cristianismo, que percorre incólume os séculos, suplanta todas as lógicas e desafia o mundo a encontrar um modo mais vantajoso de solucionar seus problemas.

Uma vez um jovem perguntou a seu irritante professor de religião: “professor, por que o Cristianismo nada oferece sem primeiro culpar suas pretendentes, as almas humanas?”… – Foi uma pergunta muito pertinente e inteligente, pelo menos como sinal de uma atenção acurada sobre um ponto-chave do Cristianismo, ao qual pouca gente tem o mínimo interesse em esmiuçar, já que a própria questão pressupõe o incômodo da limitação das liberdades individuais.

Com efeito, o problema deve ser analisado não necessariamente no plano individual, porquanto na esfera de id, ego e superego, a suposta inviolabilidade da consciência desencadeia uma série de mecanismos de defesa que bloqueiam qualquer conversa sadia neste mister. Necessário, portanto, é iniciar a ilação por um exemplo mais geral, em pessoa jurídica, para possibilitar a visualização do argumento sem os incômodos de uma conversa moralista*. Entretanto esta, por mais que queiramos dizer outra coisa, não conseguirá encontrar exemplos inéditos, pois as pessoas já têm em suas consciências todos os exemplos possíveis de prejuízos causados por erros alheios, e, ao contrário, quase jamais possuem exemplos – honestos – de prejuízos causados por erro próprio.

Ou seja, a velha questão de apontar o dedo para o cisco no olho do vizinho, ou para o rabo do macaco que está no trilho do trem, e negar a trave no próprio olho ou o próprio rabo no trilho, ah, ela se mantém igualzinha à época em que foi proposta, pois desde que o mundo é mundo os erros dos outros são bem claros (e acusados) e os erros próprios são escondidos e negados. Eis aí a “simplória” equação: não existe solução para um erro sem que o equivocado não reconheça que errou e após isso parta para uma solução interna, até voltar ao caminho correto. Qualquer tentativa de reparo sem o autoexame e sem esta operação íntima, será mera miragem sob a luz de ironia pública.

E é isso mesmo que o Cristianismo está careca de dizer e repetir ad nauseam, desde que Jesus o fundou, há mais de dois milênios. Aliás, melhor dizendo, MUITO ANTES de Jesus, pois o Velho Testamento já apontava justamente isto, i.e., que não há solução externa sem um reparo interior.

Todavia e contudo, há um estranho sinal nos nossos dias. Veja.

Que a humanidade reconheça a necessidade de autocorreção prévia diante de um “acidente”, ou mesmo que julgue acertado que a Educação (doméstica e escolar) bata nesta tecla da EXIGÊNCIA correcional para melhorar o caráter de seus “educandos”, mesmo assim, permanece muito estranho o fato de a pós-modernidade ter se voltado contra o Cristianismo neste exato ponto, ou seja, quando ele vem mostrar que sem uma autocorreção NADA mais pode ser feito ou mesmo tentado. Com efeito, até mesmo a ida a uma missa ou culto fica inutilizada se o crente ou comungante se comportar “tapando o sol com a peneira da hipocrisia”; ou seja, se tentar cultuar o seu Deus sem primeiro admitir seus pecados e tentar a reconciliação com Ele. É aqui que entra a pergunta daquele aluno exposta no início deste texto.

Por que será que o Cristianismo não se cansa de afirmar que a culpa de tudo cabe ao Homem e que sem o reconhecimento desta culpa NADA mais pode ser feito? Ou qual a primeira coisa que o padre diz – para o leitor católico – no início da missa? (Para os esquecidos, o padre sempre diz: “Para podermos comungar dos santos mistérios, confessemos os nossos pecados”).

Ora, na melhor das hipóteses, haveria qualquer outra solução para qualquer problema? Como é possível consertar qualquer coisa quebrada sem que seu dono reconheça sua queda e subseqüente avaria? Como qualquer médico poderia curar sem o paciente reconhecer que está doente? Não há mistério algum aqui: Deus nada pode fazer por alguém que não enxerga suas culpas, ou que pensa que não precisa dEle. Este é o centro – e a causa primeira – do Cristianismo e de todas as religiões decentes, queiramos nós ou não. Não há nenhuma forma de religião (religião = religar a alma a Deus) que não entenda Deus como a perfeição absoluta, a qual deseja ardentemente “consertar” seus amados para eles se tornarem amáveis, pois só os amáveis recebem todo amor e conseguem mantê-lo, operacionalizá-lo e retribuí-lo. Tornar-se amável é se tornar o depósito perfeito do amor de Deus, e, desta forma, passar a amar o próximo como Ele amou. Esta é a única conversa do Cristianismo.

A única forma de dizer isso de modo mais claro e direto é repetir o título deste artigo: “Parta do princípio de que está errado, e estará certo”. Isto diz tudo. Porém e contudo, se isto lhe enoja ou se não diz nada para você (ou se nada diz DE você), fique firme e seguro consigo, e não precisa ter religião alguma na sua vida, e muito menos uma igreja. Porquanto sem uma religião e sem igreja, você pelo menos não terá a culpa da hipocrisia batendo à sua porta. E pode ficar tranqüilo: Deus vai achar muito mais lógica e honesta a sua decisão, do que se você tentasse rezar (ou ir à missa) sem aplicar seu coração à regra da limpeza prévia. Deus estará muito mais à vontade com você do que com aqueles milhões que freqüentam templos e enganam os outros, pensando que estão enganando a Deus.

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(*) – Falamos aqui assim, em tese e antítese, dada a antipatia que a mera palavra “moral” suscita hoje em dia. Entretanto, se o leitor estiver entendendo bem, e quiser ver o quanto a Moralidade é decisiva em termos do bom relacionamento com Deus, queira por obséquio e com urgência clicar NESTE link, lendo-o por inteiro. Muito obrigado.

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2 respostas a Parta do princípio de que está errado, e estará certo

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