Num mundo onde a qualquer momento e em qualquer esquina surge uma nova igreja, é preciso esclarecer as diferenças entre este fato e o verdadeiro Cristianismo, e porque ser cristão é muito mais difícil do que meramente fazer parte de uma igreja “nascida-sei-lá-de-onde”.
Novamente digo: Conhecer Jesus Cristo. Eis o ponto de partida e também o ideal cristão mais elevado. E é este ideal também o chamariz, “a isca”, justa e louvável, de quem quer que pregue o Cristianismo ou queira fundar uma nova igreja. Apresenta-se Jesus Cristo e depois convida-se para aceitá-LO de todo coração, cumprindo literalmente um trecho das Escrituras Sagradas, até certo ponto isolado de um contexto maior, onde outras condições aparecem em paralelo, para desespero daqueles que querem apenas achegar multidões, com as mais inimagináveis intenções.
[É bom que se diga, de passagem, que esta facilidade para criar denominações é filha direta da Reforma protestante que, a partir de Lutero e sua má interpretação da doutrina divina, abriram as porteiras para a eclosão de grupos independentes, cada um interpretando a Bíblia a seu bel prazer, e sem dar a mínima confiança para a interpretação oriunda da ordenação petrina. Como em porteira que passa um boi passa uma boiada, a profusão atual de igrejas não deve admirar ninguém, mormente aqueles que já tiveram algum estudo histórico-teológico mais abalizado].
Todavia façamos de conta que eu queira apenas criar uma nova denominação e depois, como todo pastor moderno, queira provar que ela é de Deus justamente por atrair multidões incontáveis (como se o simples fato de atrair multidões seja prova inequívoca de inspiração divina). Então eu me organizo financeiramente de tal modo que um dia possa comprar um imóvel ou um terreno onde construir um galpão qualquer que abrigue um lugar de adoração e oração. E chegou o grande dia, com a futura igreja já atraindo os olhares dos transeuntes e vizinhos, os quais, ignorantes da verdade completa (“como ovelhas que não têm pastor”) ou alienados como a Humanidade inteira atual, acabam sabendo que ali será “um lugar de oração e estudo bíblico independente”, e assim já se animam, pela proximidade e comodidade, a visitá-la um dia. Muitos já eram “crentes”, mas, pelos seguintes motivos, já estavam mesmo pensando em mudar de igreja ou entrar numa:
1.) A igreja do transeunte é muito longe de sua casa: ele tem que pegar dois ônibus para chegar lá, ou gasta muita gasolina no percurso;
2.) A igreja do transeunte é meio “tradicional”, e ele está sentindo falta de “jovialidade”;
3.) A pregação da igreja do transeunte é muito “moralista”, e ninguém pode julgar ninguém;
4.) Há muitos irmãos e sobretudo irmãs fofoqueiras na igreja do transeunte, e ele está ao ponto de ver as fofocas se voltarem contra ele, que também não tem uma vida moral muito louvável;
5.) A igreja do transeunte é a mesma igreja de uma “gata inconveniente”, que não quer deixar a vida dele em paz, pondo em risco o “casamento de fachada” com a fria esposa crente;
6.) A igreja do transeunte pede muito no ofertório e ainda expõe o nome dos não-dizimistas;
7.) A igreja do transeunte já está “enjoada”, e até para ele a pregação “já deu o que tinha de dar”, e ele está sentindo necessidade de “outros ares” (ou outros ‘ventos’ do Espírito Santo – João 3,8);
8.) A igreja do transeunte não é renovada;
9.) Todo mundo está mudando para uma nova igreja;
10) O pastor da igreja do transeunte está velho demais, e por isso não consegue fazer uma pregação moralmente otimista, desgastando as amizades com as ovelhas mais antigas.
E a lista não para. Os motivos são inúmeros e muitas vezes bobos, e assim os “crentes modernóides” se igualam aos descrentes, e os de igreja se igualam aos sem igreja. Logo: arranjar gente interessada em entrar numa igreja nova não é uma tarefa difícil, porque o estado mental em que cada indivíduo contemporâneo se encontra é o ideal para buscar experiências novas, justamente porque é isso o que o mundo moderno propõe. O mundo moderno diz: “não fique parado; vá aonde seu coração mandar; experimente novas emoções; não se reprima nem se condene por nada; igreja alguma salva ninguém (então experimente todas até encontrar a sua cara-metade); para as igrejas, use o mesmo critério dos restaurantes: ‘quanto mais gente houver ali, tanto melhor será’; etc.”. Além disso, há ainda outras duas forças poderosíssimas a influenciar na indecisão religiosa, a saber: o efeito do modismo dos costumes (‘vamos fazer o que todo mundo está fazendo’) e o efeito da propaganda, pois as igrejas de hoje têm sempre uma obra na mídia, ou possuem canais de TV, e assim sempre passarão o seu lado bom e vantajoso, tal como fazem todos os comerciantes quando anunciam seus produtos. Aqui está em pleno vigor o tal “marketing da fé”.
Logo, por tudo isso, justifica-se o nosso título quando diz que é fácil criar uma nova igreja e superlotá-la. Espero que o leitor tenha entendido bem os parágrafos anteriores, ou não passe adiante até entendê-los. O que vamos estudar a partir daqui é: como ser diferente? Ou o que seria a igreja verdadeira neste mar de denominações simplistas e populistas, para explicar porque a criação de igrejas sem a completeza da verdade é um erro desastroso, responsável por abarrotar o mundo de falsas doutrinas e débeis crenças, pondo em risco a esperança da vida eterna.
Vamos repetir: “Conhecer Jesus Cristo. Eis o ponto de partida e também o ideal cristão mais elevado”. Assim iniciamos este artigo. Agora a pergunta: o que o leitor entende pela expressão “conhecer Jesus Cristo”? Verá o leitor que conhecer Jesus Cristo é o mesmo que conhecer Deus? (João 14,8-9); Captará o leitor a lógica que diz que se Deus é infinito, conhecer Deus não pode ser uma coisa simplista e reducionista? Finalmente, verá o leitor que se um estudo de Deus não pode ser simplista, uma igreja deveria parecer mais com uma escola do que com um lugar de culto? (Vê a importância da escola bíblica e dos seminários teológicos?)…
Enfim, eis o quadro atual: um mundo abarrotado de denominações, cada uma subdividida em “n” facções, nas quais nada se ensina além do trivial e do leite espiritual, com o qual o Corpo de Cristo vai definhando e atrofiando em sabedoria e graça. Não é à-toa que tais “instituições” (parecem mais empresas que igrejas) detestam “crentes estudiosos” ou não-leigos, pois só eles sabem o quanto as “igrejas” – entre aspas – estão sonegando o bom e velho Evangelho da Graça, cuja profundidade alcança o mais alto dos céus.
Se nós quisermos fundar uma igreja dessas atuais, é fácil? Sim, muito fácil. Basta inventar uma pregação que é xerox das demais (“crê no Senhor Jesus e serás salvo”) e jamais ensinar nada além disso, preenchendo os demais períodos da igreja com aulas de canto, instrumentos musicais, jograis, retiros de oração, “batismos espirituais”, missões externas, campanhas evangelísticas (que apenas repetem o blá-blá-blá de todas as pregações) e obras assistenciais, que também nada ensinam. Está fundada a nova igreja. E esta igreja atrairá muita gente? Sim, é claro. Porque, dada a indolência dos povos do terceiro mundo, a mídia imoral dos 4 cantos do mundo e a acídia dos descendentes indo-afro-lusitanos, só uma igreja fraca (que canta muito mas não louva a Deus com testemunho moral, ou que prega muito mas nada entende da profundidade da doutrina) ou só uma igreja deste nível poderá ficar abarrotada de gente, abarrotando os bolsos dos pastores – aliás, este último dado parece ser a grande fonte de inspiração para a criação de igrejas, pois as que mais aparecem são justamente as que mais enricam.
O Cristianismo Autêntico de CS Lewis não é assim. Ser cristão para Lewis é uma jornada trabalhosa, cansativa e por que não dizer arriscada. “Religião”, para Lewis, não é algo que Deus “inventou”, e, por isso mesmo, não pode deixar de ter toda a complexidade da realidade de Deus, acerca de quem a religião precisa expor todos os fatos completos. Porquanto a própria realidade é complexa, e muitas vezes não segue a lógica humana, e muito menos o simplismo da religião, enquanto movimento inventado por homens.
Para ser cristão qualquer criatura precisará desenvolver uma qualidade intrínseca que a faça “amável” por Deus, i.e., um “bom caráter” que a torne um “pequeno cristo”, capaz de colocar o próximo antes dele mesmo, em amor sacrificial. Lewis explicou tudo isso no livro “Mere Christianity”, cujo título em português não ajuda a entender a complexidade do que trata. As editoras protestantes brasileiras decidiram fazer um título chamativo no mesmo sentido apelativo das religiões simplistas-populistas, batizando o livro de “Cristianismo puro e simples”, coisa que mais lembra o cristianismo água-com-açúcar que Lewis criticava. Mas não dê ouvidos ao título. Leia o livro todo… e se tiver que dispensar alguma coisa, dispense o prefácio ou leia-o numa segunda leitura do livro completo. Você verá ali, como por milagre, que aquilo que as igrejas pós-modernas estão fazendo nada mais é que caricaturizar o Cristianismo, ensinando apenas o leite espiritual e sonegando o Cristianismo Autêntico, como ficou conhecido o livro em sua 2a Edição.
Vá em frente. Fique com o Cristianismo Autêntico de Lewis e seja feliz. E depois, somente após muitos meses de leitura, não fique sem igreja. Porém, escolha uma que mais se ajuste à complexidade do Cristianismo de CS Lewis, que, aqui no Brasil, pode ser a igreja anglicana ou episcopal (nas cidades onde existam tais denominações) ou a própria igreja católica romana, a qual, apesar de todas as imoralidades e hermetismos, possui uma doutrina idêntica a da igreja de Jack, a igreja católica da Inglaterra, ou anglicana. Afinal, ela é uma igreja tradicional e não foi fundada por quem pensava em inventar um meio de encher um enorme galpão de gente e um enorme bolso de dinheiro. É claro que não há nenhuma igreja perfeita, mas o leitor tem olhos para ver qual delas está mais em sintonia com o que Lewis ensinou. O resto é melhor nem ouvir.