Rafael

Questionando se o destino triste de um garoto poderia ser atribuído à vontade de Deus, o nosso professor Eridam nos brinda com esta pérola de crônica politicamente correta para ampliar o leque de estudos desta Escola.

Rafael - Cracolândia2 Aos vinte dias de novembro de 1959, a Assembleia Geral da ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos da Criança que traz princípios tais como: A criança tem o direito de ser compreendida e protegida, e devem ter oportunidades para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. A criança tem direito a crescer e criar-se com saúde, alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito. A criança gozará de proteção contra quaisquer formas de negligência, abandono, crueldade e exploração.

Rafael não teve nenhum destes direitos e acabou atropelado e morto na manhã desta quinta-feira, dia 10 de janeiro, na Avenida Brasil, fugindo da ação de assistentes sociais… porque, apesar de ter apenas 10 anos de idade (meu Deus!), já era usuário de crack e passava dias nas ruas, numa região conhecida por “Cracolândia”.

Rafael - Cracolândia1É desalentador ver que mais de meio século depois daquela assembleia, nenhum daqueles direitos chegou até Rafael, e pior, também não chegou a centenas ou milhares de crianças (ou seriam milhões?) espalhadas neste mundo e relegadas à própria sorte, pois as políticas públicas e o nosso egoísmo impedem que os direitos mais básicos contidos naquela declaração cheguem até elas.

A sociedade encontra desculpas perfeitas para entorpecer a sua consciência; afinal as culpas são de pais irresponsáveis que não deveriam tê-las posto no mundo. “Eles que tiveram, eles que cuidem; e depois, ‘quem mandou’ que Rafael não estivesse na escola e preferisse estar fumando crack? Teve o que mereceu!”.

Pior, os teólogos de plantão, ávidos em colocar sobre Deus um dever que deveria ser também deles, pois se dizem “a igreja do Senhor”. Será que esta mesma igreja é quem ouvirá do Mestre o fatídico “afastai-vos de Mim, malditos, pois nunca vos conheci”?. Afinal, o Senhor não chamou nenhum dos doze para “fazer teologia”, mas para cuidar do Seu rebanho (rebanho este que está se perdendo nas cracolândias, em campos de refugiados e em vilarejos aqui, na Ásia, na África e em todos os cantos).

Como ter a desfaçatez de dizer que Deus já havia preparado este fim para Rafael “antes da fundação do mundo”? Que apenas se cumpriu a inexorável e soberana vontade de Deus? Qual seria mesmo a vontade de Deus para Rafael? Que ele acabasse como acabou, ou que ele tivesse uma infância feliz, com casa, saúde, educação e uma boa família? Será que Rafael foi escolhido para não fazer parte do chamado do Mestre, aquele de “deixai vir a mim as minhas criancinhas porque delas é o Reino de Deus?”…

Não. Eu me recuso a crer num Deus assim. O Deus que Cristo veio nos mostrar é um Deus que é Amor, que se preocupa com seus filhos e jamais traçaria um destino tão cruel para uma criança de 10 anos, ou para quem quer que seja. Assumamos as nossas culpas e responsabilidades e assim, quem sabe, possamos salvar a vida de tantos outros Rafaéis.

Fortaleza, 11 de Janeiro de 2013.

Autor: Prof. Eridam Júnior.

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