A “autoridade” moral do homem moderno será posta em dúvida com um simples gesto, contido na pergunta: “o que acontece quando o ser humano tira a roupa?”; e pior, esta dúvida vai incriminar todo mundo e cada um de nós, que engasgamos com a pergunta.
Chegamos ao fundo do poço, e talvez no fundo no fundo, tenhamos chegado mesmo ao fundo, tal a fedentina que se espalha nos quatro cantos do mundo, aonde quer que olhemos, seja com que intenção for. Ninguém mais dá a ninguém o mínimo indício de que, no apagar das luzes (literalmente falando), aquela moral espectral vá se manter a mesma, dependendo da companhia ou da solidão que gozar. À guisa de introdução, a moral de ninguém ganhou força, pelo contrário, todos agora apreciam os momentos onde as regras poderão ser “flexibilizadas”, ou afrouxadas, até o banhar-se no lamaçal. É a herança pós-moderna dos “porcos chauvinistas”, por um lado, enlameando-se com os porcos anarquistas, fazendo discípulos para que todos aceitem emporcalhar-se.
A Moralidade nobre do medievo, conquanto convivesse com atrasos tecnológicos que punham em dúvida a higiene real dos “paletós” e dos vestidões longos, guardava certos valores históricos de alta qualidade, mesmo quando não regida pela Igreja ou pela espiritualidade, e então aquele era um tempo onde a lealdade e a confiança ainda podiam dar as mãos, e onde as mãos podiam sair ilesas da fogueira das vaidades.
O cidadão e a cidadã – cobertos até o pescoço – que empreendiam longas e cantarolantes caminhadas entre os bairros minúsculos comparados aos super bairros de hoje, podiam certamente cair numa situação perigosa – marginais e criminosos sempre existiram – e se ver em apuros; mas um braço cobrindo um rosto em lágrimas, ou uma perna machucada no degrau oculto de uma fachada, ou a notícia de um lobo nas redondezas, eram suficientes para arrefecer os impulsos predatórios dos transeuntes, e ali, muitas vezes, surgiam verdadeiros anjos da guarda e grandes amizades.
A própria continência com o chapéu, ou o mero tirar o chapéu na entrada, ou mais ainda, o entregar todas as armas – inclusive canivetes – ao entrar numa casa alheia, davam seguras mostras de que aquela era uma época abençoada no mais elevado sentido, e não era à-toa que servos elogiavam o bom tratamento de seus senhores e estes tratavam seus servos às vezes como amigos, para não dizer como filhos. O prazer de calçar e descalçar os sapatos – muitas vezes fedidos – de seus patrões e patroas, o engomar as roupas, o trazer as vestes ao alcance da mão atrás do biombo com a cabeça para baixo ou para trás para não “ferir a proibição da nudez pública”, enfim, eram todos sinais de uma era de almas valorosas no seu caráter, e que viam com clareza a importância e a necessidade da Moral cívica pública e doméstica. Mas a modernidade chegou. E ela parece ter trazido, como uma gestante parideira, todos os males da explosão demográfica que extinguiam tudo o que ao menos de longe parecesse diminuição da liberdade, agora confundida com o hedonismo que a degeneraria em libertinagem. Não tardaria a chegar o tempo em que a sociedade se levantaria contra toda forma de culto moralizante, permitindo a sobrevida exclusiva de cultos esvaziados ou insípidos, que jamais trazem palavra alguma para fomentar o ascetismo ou a santidade. E este Mal insidioso venceu: ganhou a sociedade inteira.
Resultado: toda a Humanidade veste agora “armaduras e escafandros” (trancafiada em si mesma por sentir medo de tudo e desconfiança de todos) e ao mesmo tempo está desnuda diante de todos, pois não guarda a sua nudez para mais ninguém, dependendo da ocasião, do sentimento, do dinheiro, etc. E assim caminha a Humanidade, na aurora imunda do admirável mundo novo…
Neste início de século XXI, já dando sinais violentos desde o ano 2000, as roupas perderam por completo o seu significado, e a civilização incivilizada agora estourou a boca do balão e não tem mais vergonha alguma de se reconhecer falsa e lasciva, e lá se foram os anos em que ainda havia espaço para alguma confiança na seriedade alheia! Homem sério? Mulher séria? Onde estão? Quem são? São alienígenas? Não, na verdade são túmulos de vento como catacumbas roubadas que ninguém mais visita! Em que lugar restou algum valor? Em que alma restou alguma lealdade e honestidade?
Ora; cada um de nós pode ver, a hora que quiser (se já não estiver olhando para um), um sujeito bem vestido, de paletó e gravata comprados a peso de ouro ou de corrupção, às vezes usando até toga ou batina, e mesmo assim duvida que aquela empáfia, “aquela moral toda”, aquela ética aparente, signifique alguma coisa nobre quando aquele corpo se despir, seja em que ambiente se despir! Porquanto muitas vezes – também acreditamos nisso – o figurão tira a roupa onde ninguém diria que tirasse, e quando a tira, já o espera uma adolescente mal saída da infância, e que está ali com outros figurões para ganhar dinheiro, esperma e fama. E pior, se isto é dito hoje em dia de “figurões nascidos machos”, o que não dizer de figuronas nascidas fêmeas, todas bem vestidas (mas nunca até o pescoço – isto é dom do medievo) e de salto alto, jóias de alto quilate e perfumes parisienses, mas a um passo de subir o vestidão nos corredores palacianos e iniciar cópula ali mesmo, ou usar sua boca vermelha no zíper aberto da calça do parlamentar ou do diretor?… Mas não se apresse: as figuras aqui citadas têm um propósito que pode camuflar outro!
As damas e senhores do parlamento, ou a fina elite de convivas dos altos escalões da política, não estão traduzindo fielmente a constatação de extinção da Moralidade, como vínhamos dizendo. Atribuir a imoralidade contagiosa somente para os recintos atapetados da Capital Política de um país é querer tapar o sol com uma peneira, e é engolir mais uma mentira deslavada dos corpos mais bem lavados das riquezas de origem ilícita.
A sujeira referida é literalmente GLOBAL! (“Global” nos dois sentidos)! Ou seja: É de TODA a Humanidade e de cada um de nós, e não apenas dos corruptos que aparecem na Globo! Mas esta notícia nunca encontrará confirmação via sinceridade, a saber, a sinceridade de cada um olhar para dentro de si e fazer a primeira pergunta surpresa: “Você acha que algum homem ou mulher (exceto criancinhas bem pequenas de 0 a 5 anos, ou velhos de mais de 80 anos, supostamente), que tenha alguma condição financeira e esteja vivendo nestes tempos loucos e angustiosos, terá algum freio moral quando tira a sua roupa e se vê nu? Ou seja: quem você acha que manterá a sua ‘seriedade moral’ e a castidade quando sua tripa escapar do zíper ou sua vagina escapar da calcinha? E mais: QUAL homem você acha que se olhará a si mesmo nu e não ouvirá dentro de sua cabeça uma insinuação qualquer de toque e manipulação? QUAL mulher se verá nua e não imaginará o figurão rico a lhe permitir prazeres que só o dinheiro compra?
Eis que aqui chegamos ao “ponto G” (de galinhagem). Houve um tempo em que boas maneiras ao vestir eram o ouro de Ofir dos mais altos sonhos humanos. Hoje as boas maneiras de se despir são o ouro de curtir o atual “senso” de liberdade, que não mais enxerga valor algum que não possa ser antegozado e gozado, literalmente. Ninguém mais diz nada de si quando está vestido, e roupa alguma traduz mais pureza, porque a decência está extinta debaixo da roupa! Sim; você quer acreditar em alguma coisa? Comece acreditando que ninguém é santo, nem mesmo quando está “roncando” com o sono REM. Depois acredite que ninguém merece sua crença, pois sua roupa é uma “fantasia”, literalmente (tal como os céticos chamam fantasmas de fantasias), e pode até ser mesmo uma fantasia erótica (porque as mulheres mais sacanas usam vestidões caros e discretos, mas sem calcinha!). Por último, creia que o seu esforço para ser diferente, ou decente, nada significa na crença alheia, que não lhe poupará de desconfiança quando se lembrar da hora em que você se despe: Eis o inferno da pós-modernidade, que ficou do jeito que o diabo gosta!
Ruim com a Polícia, pior sem ela (a atual greve de policiais do ES provou isso). Ruim com a Medicina, pior sem ela. Ruim com roupa, pior sem roupa. Temos que engolir no seco – se conformar com o amargo fel. Estava profetizado o tempo da corrupção e da imoralidade, e as cidades de Sodoma e Gomorra nunca foram extintas, em pensamento e tentação. Deus mesmo pensou antecipadamente este tempo de tremenda provação, fazendo seus cálculos em como iria administrar uma sociedade onde a decência estaria erradicada. Ele conhece o nosso drama, e também nos vê quando tiramos a roupa (só Ele sabe até que ponto nos corrompemos!). Se Ele nos alertou de que um dia faria um Julgamento Final, não desacreditemos de sua promessa. Naquele Dia, Ele saberá olhar nossas roupas e identificar quais foram os corpos mantidos “mortos” (puros), apesar da descrença geral. Então os mortos ouvirão a sua voz e sairão dos sepulcros, vestidos a caráter.