Versejando como CS Lewis pensava sobre Deus e sua creação
Ode à longa e evolutiva creação de Deus realizada na trindade humana pela Ss. Trindade
(Poema narrativo em 1ª Pessoa do Singular, que pode ser visto em vídeo pelo seguinte link: O Deus das surpresas intermináveis)
Eu não existia. Por isso esta voz é presente. Deus pensou em me criar, como criatura livre, há bilhões de anos passados, ou trilhões. Antes de me criar, criou sua legião de anjos e seres intermediários,
todos livres, seus auxiliares no puro amor da bondade sem mácula.
A humildade infinita de Deus propunha criar um conselho de ministros, no qual os anjos participariam, além das três pessoas da Trindade. E Deus discutiu a criação da matéria tridimensional com o conselho.
Gente graúda do conselho opinou que esta última criação não daria certo. Aliás, apostou que o projeto não era viável, pois a liberdade total é um fardo muito pesado, em termos de responsabilidades, para colocar nas costas de gente tão miúda quanto nós humanos. Razões à parte, o amor de Deus (ou sua loucura de amor) era tão grande, que decidiu arriscar, correr o risco, de apostar no contrário, isto é, apostou que a criação tridimensional daria certo, mesmo possuindo animais racionais com liberdade de escolha de todas as suas ações, para o bem ou para o mal.
E então eu fui criado. Logo logo pensei que seria um ser tão belo e puro que faria “inveja” a anjos, e parece que foi isso mesmo o que ocorreu, muito tempo depois. Mas me enganei. Porque eu pensei que iria ganhar um corpo forte e denso, que ocupasse o espaço como os anjos ocupam. Mas me enganei. Não ganhei corpo, e fui mantido como gás durante muito tempo, ou num tempo sem medida após a criação do tempo. Depois de todo esse tempo, pensei que iria deixar de ser gás e me tornar vento, com lindas rajadas de brisa perfumada a encantar as fadas.
Mas me enganei. Tornei-me uma espécie de vapor sem cor e inodoro, a exalar-se das entranhas do pensamento de Deus nutrido em amor. Tinha a consistência da brisa sonhada, mas não passava disto. Depois fui feito uma espécie de névoa quente, com opacidade tal que parecia pó nitrogenado, esvoaçante sob a força das luas e das marés. Pensei que iria ser logo transformado de pó em areia, mas me enganei. Saí flutuando feito um louco por entre as montanhas de um mundo estranho, pois nenhum dos planetas havia sido retirado das estrelas.
Então fui feito poeira densa e, ao juntar-me pelos ventos, virei areia.
Mas me enganei. Pensei que esta poeira poderia virar castelo de areia mas não “colava” nada, e muito menos as suas moléculas velozes. Enfim, ganhei consistência e aderência para juntar-me aos pedaços e logo logo corri para um só lugar, onde tentei equilibrar-me em colunas, na esperança de construir uma cidade fortificada com torres e muralhas. Mas me enganei. A areia juntou-se numa sopa balouçante de unguentos que perdiam solidez ao contato com a água, nascente não sei onde.
E a água cresceu bastante. Tanto que virou um oceano que parecia sem fim. E eu fui parar lá no fundo, sem cor de areia e misturado a plânctons e algas. Mexia-me muito com as ondas e os tentáculos de pequenas medusas que iam e vinham ao sabor das correntes líquidas cheias de protozoários. Então Deus me tornou um deles pela situação próxima da fusão e eu pensei que nadaria como eles, levados pelas correntes e medusas. Mas me enganei. Caí para os abismos colossais da escuridão viva das águas mesozóicas, e logo logo fui guindado para o âmago de um ser que em breve cresceria. E ele cresceu nas profundezas e virou algo parecido com um girino marinho, a princípio sem pés ou cauda. Eu pensei que logo logo me livraria dele, ou da condição de ser transportado por outro, mas me enganei. Cresci com ele e me fundi ali. Sem sentir o tempo passar, aquele ser passou a ser meu primeiro corpo, embora fosse tão minúsculo que nem merecia este nome. E eu pensei que fosse crescer, como aparentemente tudo estava crescendo. Mas me enganei. Permaneci do mesmo tamanho por tanto tempo que…
Toda a geração seguinte dependeu de mim, pois era a minha nutrição quem parecia sustentar-lhes a vida, e aí pensei que eu ainda fosse 100% inútil, mas me enganei. Eu não tinha o menor sinal de consciência, mas já tinha conformação para com a gigantesca cadeia alimentar que se iniciava três degraus abaixo de minha lenta evolução… E, como por milagre, quando eu alimentava outros seres, eles se tornavam uma parte de mim ou eu me tornava em parte deles. Então pensei que aquilo que eu alimentava era eu mesmo…
Mas eu me enganei. Então Deus interrompeu o processo e me tirou dali, fazendo-me voltar ao lugar onde mantinha sua oficina de criação. Num tempo indeterminado, fui repensado e inserido naquele mundo onde a sopa marinha produzia seres os mais diversos, e onde eu nadei ao lado de protozoários e medusas. E eu pensei que chegaria ali como um pássaro marinho ou um peixe voador, mas me enganei.
Cheguei ali vindo das mãos de um anjo construtor que me colocou
Nas rochas que afloravam do mar, como uma branca “barata marinha”.
Eu pensei que teria vida fácil, mas me enganei. Pois eu também servia de alimento para pássaros e caranguejos, e vi que a luta pela sobrevivência era um grande segredo da Evolução. Muitas de nós morriam daquele modo, muito antes que imaginassem durar uns dias. E eu pensei que fosse ser devorada logo, mas me enganei. Fiquei naquela condição até o fim da era dos grandes sáurios, e ao final desta ganhei carcaça e parecia um besouro, duro como um siri e desajeitado como um cabrito recém-nascido. Mas era forte o suficiente para cair numa lama e depois virar fóssil.
Subi novamente à oficina do Senhor e Ele pensou minha nova etapa, e eu pensei que já iria virar mamífero. Mas eu me enganei. Não sei porque as criaturas são tão apressadas e o Criador tão lento. Ainda não sei. E eu fui recolocado no mundo tridimensional como uma lagartixa, do tipo tão frágil que era transparente e facilmente esmagável. E eu pensei que iria ser pisada num instante, mas me enganei. Pelo contrário, fui ganhando firmeza ao longo dos milênios e adquiri opacidade tal que ninguém mais conseguia olhar para mim e ver meu coração batendo. Na etapa seguinte eu já tinha apelidos feios, como “calango” e “nojo”.
E eu pensei que iria enfeitar minha calda com longos adornos, mas
Me enganei. Perdi meu corpo rastejante e ganhei pernas mais altas,
engordei e ganhei orelhas e pelos. No milênio seguinte virei uma espécie de roedor. Pensei que jamais iria ver chegar a era dos mamíferos, mas me enganei. Deus até pode ter inaugurado aquela era com minha espécie, embora soube de muitos seres que cresceram antes de mim tomando leite. E eu fiquei como um roedor durante tanto tempo que vi passarem por mim tubarões e dinossauros, cada um em seu próprio meio ambiente. E na aurora seguinte da longa estrada, Deus fez “o jogo” se inverter, e muitos de nós se transformaram nos gatos que se alimentavam de roedores. Mas fomos ficando maiores, mais altos, mais fortes e comendo ratos e pássaros.
Nesta nova condição, subíamos tanto em árvores que eu pensei que
Deus iria fazer de nós os primeiros saguis, mas me enganei. Os sagüis eram outros, que também haviam nascido e se robustecido dos mesmos elementos que nós, de sorte que formávamos uma floresta de parentes símios quadrúpedes, e de minha genética não saiu nenhum gênio! Todavia de outras árvores Deus fez nascer macacos maiores e chimpanzés… E no meio deles uma geração menos peluda foi dominando outros ambientes, e não apenas a copa das árvores ou as florestas propriamente ditas, como eu pensava.
Um belo dia, depois de outros milhões de anos e sem que ninguém esperasse, quando os macacos de pelos mais finos e os imberbes já tomavam grandes territórios, Deus hipnotizou dois deles (macho e fêmea) e parecia estar decidido a fazer um jogo… Jogo arriscado, pois parecia soprar sobre aquele casal de macacos e fê-los falar como deuses. O que falou, não ouvi, mas parece que eles aprenderam rápido, e logo administravam tudo. A fêmea então foi visitada por um daqueles que haviam sido criados zilhões de anos antes, e cuja missão era justamente “cuidar” para que as criaturas menores não se matassem feito ratos, ensinando-as a imitar o Pai e o infinito coração que amava a todos.
Mas me enganei. O maioral dos seres que haviam sido designados a governar a Terra, após convencer uma terça parte dos anjos de Deus que eu jamais pensei que enganasse, foi encarcerado entre nós e veio contra nós, conseguindo ludibriar todo mundo, como eu jamais imaginei cair também naquela ilusão. Desde aquele instante, porém,
somente a Providência divina nos socorria, e se não fosse a coragem do Pai, o amor do Filho e a genialidade do Espírito, nenhum de nós seria salvo, e por isso eu me enganei. Nunca houve um momento onde o Pai não nos pregasse surpresas! Ora benditas, ora trágicas,
Para nossa sorte ou desgraça, mas mesmo esta resulta em nosso bem, no interminável turbilhão de surpresas que a Eternidade trará…