Depois de muito estudar Filosofia e ver até onde uma mente pensante chegou no vício de pensar em círculos, Lewis escancarou o perigo real daquilo que se poderia chamar de “loucura branca”.
Não é de hoje que a Ciência diz, em linguagem popular, que “de médico e de louco, todo mundo tem um pouco”. Da mesma forma, já é oficial a noção de que, no que diz respeito a problemas mentais, existem os chamados “loucos violentos” e os “loucos mansos”. Ou loucos perigosos e loucos “bons”, que muitas vezes nem precisam de internamento. Pois bem. O grande CS Lewis, patrono emérito desta Escola, mesmo neste assunto, foi mais longe do que todo mundo, e fez uma coisa que ninguém fez, pelo menos com a clareza e exatidão científica tão presentes nele.
Imagine o leitor que Lewis, na altura em que oferecia ao mundo a versão ficcional de uma ocorrência que ele próprio chegou a duvidar que fosse real, apresentou uma prova contundente de algo que o mundo cristão já desconfiava há séculos, a saber: que qualquer alma que mergulhe fundo no jogo satânico do pensar em círculos, está sofrendo duas desgraças: (1a) é afastada da realidade e passa e viver num mundo inútil para si mesmo e para o próximo; e (2a) pode estar dando adeus à sua própria personalidade, dando ao diabo o lugar de comando geral de sua mente, perdendo para sempre sua capacidade de pensar por si mesmo. Estas duas resultantes seriam o destino frequente ou mais comum de quem não usa o pensamento para a práxis de serviço ao próximo, seja em sua profissão, esporte, arte, ciência ou religião.
Pois bem. Agora entenda o leitor que a Humanidade já obteve provas suficientes (e esta Escola já as colheu às pencas) de em que profissão, esporte, arte, ciência ou religião tem-se verificado com mais frequência o trágico destino. Não admira o leitor que onde mais se colheu exemplo de mergulho fundo no vazio do raciocínio cíclico foi justamente entre aqueles profissionais ou indivíduos em que a profissão ou paixão mais lhes pedia o chafurdar-se no prazer de seu próprio pensamento, e isto é o fenômeno mundial mais diretamente ligado aos filósofos. São eles os indivíduos e profissionais que mais se dão ao pensar pelo pensar, independente de quanto tempo, dinheiro e vidas eles percam nesta ladainha, como a História tanto expõe a qualquer um que se dê ao trabalho de investigar as coisas por este prisma.
Pior; não estamos falando de filosofozinhos de meia tigela, nem de “gênios” como Bill Gates e outros que quase ficaram “loucos” com suas invenções, ou de professores universitários de cursos inexpressivos de filosofia de países como o Brasil e o Paraguai. Estamos falando de gente “graúda”, filósofos de fato geniais, cérebros nascidos no Berço da Civilização, homens aclamados pelo mundo todo, dentro e fora de suas áreas de interesse. E para não corrermos o risco de citar nomes de grandes filósofos sem uma leitura mais profunda de todos eles, iremos nos ater tão somente aquele que mais conhecemos, o “gênio” da Teologia cristã, o grande Tomás de Aquino, que a Igreja tem como santo, e com razão.
Com efeito, conquanto São Tomás tenha dado à Igreja e à própria fé cristã uma obra-prima irrepreensível como a Suma Teológica, é preciso voltar os olhos para alguns de seus livros ditos filosóficos, e aqui nos ateremos, por razões de espaço, ao opúsculo “O Ente e a Essência”, escrito por ele entre os anos de 1252 e 1256. É assim pois, de um livro como este, que o presente argumento pode ser verificado, e o mesmo, efetivamente, pode ser analisado sem qualquer “desabonação” a todas as indispensáveis contribuições dele à História, à Teologia e até à Ciência.
Isto posto, para o leitor se situar melhor, vamos ver um trecho do opúsculo citado, e o leitor deve se sentir à vontade para analisar e opinar acerca do que tentamos explicitar aqui.
No capítulo IV do livro, impresso pela “Vozes de Bolso”, na página 36, no parág. 4 (47), São Tomás declara o seguinte: “Nem pode alguém dizer que não é qualquer matéria que impede a inteligibilidade, mas apenas a matéria corporal. De fato, se isto se desse apenas em razão da matéria corporal, como a matéria não é denominada corporal senão na medida em que está sob a forma corporal, então seria preciso que a matéria obtivesse isto, quer dizer, impedir a inteligibilidade da forma corporal. E isto não pode ser, pois também a própria forma corporal é inteligível em ato como as outras formas, na medida em que é abstraída da matéria. Donde não haver de modo nenhum composição de matéria e forma na alma ou na inteligência, caso se tome nelas a essência do modo como nas substâncias corporais. Mas, há aí composição de forma e ser. Daí, no comentário da nona proposição do Livro das causas, dizer-se que a inteligência é o que tem forma e ser; e toma-se aí forma pela própria quididade ou natureza simples”.
Pior, isto que agora explicitamos está presente no livro todo, e a mente do leitor é obrigada a fazer manobras e piruetas até certo ponto inúteis, pois ao final das reviravoltas chegará apenas àquela ponte que liga o nada a lugar nenhum, e assim frustrando-se como ser pensante e útil, que pretende dar à sua vida um mínimo de coerência prática, absolutamente salutar, aquela que liga o pensar ao agir, melhor dizendo, ao fazer.
E CS Lewis foi pródigo e genial neste mister. Porquanto ele era um labutador de primeira grandeza, dedidando-se a trabalhos braçais enormes (ele redigiu 40 livros numa época em que não existia computador, e muitas vezes nem usava máquina de datilografia, escrevendo horas e horas a mão, dias e dias, anos e anos). Além disso, nas demais horas de seu dia e nos demais dias de sua semana, dedicava-se à caridade presente, visitando comunidades carentes e instituições de caridade. Sem falar nas boas ações referentes à sua juventude e maturidade jovem, quando foi infante na 1a Guerra Mundial, auxiliar de enfermaria de guerra, visitador de doentes em hospitais, doador de somas financeiras a amigos distantes, etc. Enfim, mesmo com a prodigiosa mente que Deus lhe deu para fazer abstrações e pensar elevado, jamais descurou de ser útil no uso de sua energia corporal, enquanto lhe durou a saúde e a jovialidade. Com efeito, Lewis foi sempre a melhor prova de que alguém pode ser operativo com mente genial, e pode ser gênio com dedicação ao trabalho físico.
Eis o choque do mergulho nas pesquisas sobre a vida e a obra dos filósofos! É claro que encontramos muitos deles como verdadeiros homens-de-labuta! Vimos obras de caridade excepcionais em muitos deles, bem como o substrato legítimo dos melhores profissionais das casas onde trabalharam, por anos a fio. Todavia, o que não podemos negar é a lamentável esquizofrenia sutil das noites em claro, perpassadas doentiamente ao sabor de elucubrar contendas de palavras e enigmas da mente, viciando todos os neurônios úteis a exercícios inócuos para o resgate de suas próprias almas, e ao final caindo no engodo do abandono de sua lucidez à sedução de inteligência do inimigo invisível.
Neste ponto, qualquer leitor de Lewis se lembrará que Jack mostrou, numa aventura vivida por um grande amigo-gênio da qual foi o exímio narrador, o destino final e triste de uma mente “filosofal” (embora dita “científica”) tida como “superior a um Schrödinger” e capaz de botar Einstein no bolso, até ao ponto de cair profundamente no abismo de sua própria genialidade, perdendo de vez todo o autocontrole e cedendo sua vontade àquele que chamou de “Um-torto”. Foi no livro “Perelandra”, e o filósofo ali era “Weston”, e sua voz acabou dominada pela voz alheia, vinda do inferno, e ficando exclusivamente a serviço da maldade suprema e ao mesmo tempo infantil, operando obras que iam desde a morte de milhares de rãs silvestres, até o assassinato de um colega de universidade, que só Deus pôde salvar. Pior, premeditou o genocídio frio de toda uma civilização, tentando conduzi-la ao pior destino post mortem, a saber, o engolfamento da individualidade na vontade diabólica.
O exemplo estava posto. A lógica era a seguinte: Deus deu ao homem a inteligência para o pensar, mas este pensar só seria útil (escatologicamente útil) se o pensamento se voltasse para o amor ao próximo e a descoberta racional da condução da alma ao Céu, sem a qual tudo o mais perderia o sentido. Isto é, que se a inteligência fosse usada para outros fins, passaria a ser não uma bênção, mas uma maldição. Este fato parece ser exemplificado em toda parte na vida: se as facas não forem bem usadas, melhor que no mundo não houvesse facas! Se os aviões não forem usados apenas como meios de transporte, não deveriam haver aviões no mundo! Se a energia nuclear não for usada pelo bem, melhor seria não haver energia nuclear no mundo! Se a racionalidade dada ao animal Homem não for usada somente para se reconquistar a amizade com Deus, melhor seria que fôssemos todos animais irracionais, pois nosso destino seria salvo por sua obediência instintiva.
Finalmente, a Filosofia, enquanto tarefa para o pensar em círculos, é uma baita decepção. É uma faca de dois gumes (ou mil gumes, como um filósofo diria), um beco sem saída e um poço sem fundo. Ela tem a mesma inexorabilidade maligna das taras sexuais, que iniciam por um simples desejo voyeurista e terminam nas trevas da pedofilia, se é que terminam ali, já que é poço sem fundo. Visitas aos hospícios comprovam tudo isso, pois jamais um louco recuperou-se sem uma guinada divina em sua mente (muitas vezes com o auxílio de uma boa pregação religiosa ou de uma pastoral “carcerária”) e jamais um homem mentalmente sadio caiu num hospício sem ter enveredado pela espiral medonha do raciocínio cíclico. Eis a questão: ser ou não ser inteligente é a chave-mestra do grande labirinto da vida, pois só devemos usar esta chave quando ela de fato servir à única porta que lhe cabe abrir.