Uma palavra do Evangelho (“nem uma folha cairá em terra sem o consentimento do meu Pai”) e o derramamento de toneladas de bombas sobre uma nação, provam que tudo está de acordo com a vontade de Deus e que todas as coisas estão concatenadas para gerar o bem aos escolhidos.
Eis aí um tema assaz problemático. E é problemático em diversos sentidos, a começar de que é a menina dos olhos do ateísmo, e o xodó da filosofia pós-moderna. Afinal, centra-se e assenta-se sobre uma aparente contradição medonha, e a alma desconfiante e insegura do homo sapiens sapiens, não tem mais autocontrole para enxergar qualquer coisa que não seja a lógica mais rasteira.
De fato, trata-se de uma afirmação complicada, porquanto toda a Teologia cristã assegura que Deus é bom, é o infinito em misericórdia, e jamais maquinaria o mal a ninguém, seja quem for e seja que mal for. Então, neste sadio raciocínio, como explicar que o Pai do Céu não permitirá que nem uma folha cairá do céu sem o consentimento dEle, enquanto que superbombardeiros despejam toneladas de bombas em cima de populações pobres, como ocorreu em Hiroshima e Nagazaki?
Convenhamos, não é preciso apenas inteligência para entender esta sinuca de bico, mas também é preciso um grande esforço de fé e boa vontade para entrever, nas entrelinhas deste labirinto, as equações integrais e derivadas de tal verificação, as quais somente um cristão convicto e bem informado consegue vislumbrar. Porquanto na Revelação, bem como na Tradição, o sofrimento humano, seja ele voluntário ou involuntário, faz parte do plano de Deus para alcançar a criatura humana perdida deste planeta, para a qual muitas operações não alcançam a cura, estando ela necessitada de “curas além d’alma”, ou tratamentos que comecem na Terra e terminem no Além, para onde muitas almas vão para completar o seu processo de purificação que na vida física tornou-se infrutífero ou inócuo.
É claro que a cura completa não necessariamente precisaria incluir a morte no meio de uma irradiação nuclear que queima a pele lentamente e não mata logo, produzindo um sofrimento lento, crescente e inexorável, o qual talvez pudesse ter sido ‘dispensado’ do processo. Porém esta é uma parte da equação que só o inventor da matemática (Deus) poderia ver por inteiro, e quando Ele abriu mão do controle da Criação e se propôs criar seres livres como Ele mesmo, acabou por permitir efeitos desastrosos e até certo ponto “inesperados” para seus propósitos, efeitos estes que não podem mais ser sustados, pelo menos não depois de iniciados. Assim sendo, as grandes tragédias climáticas –provocadas pelo descontrole da Natureza que não está mais ao alcance do homem pecador – e as grandes tragédias sociais, como as guerras (provocadas pela maldade humana), terminam por incidir necessariamente no decorrer da história humana, sem que a rigor Deus tenha qualquer participação no estopim do processo e, pelo contrário, o Senhor apenas espera colher frutos benignos das almas vitimadas por tais tragédias, tal como os colhe de quem sofre com doenças ou martírios.
Para cristãos sábios e bem informados, a única forma de enxergar bem os males causados pelas tragédias climáticas e pelas guerras, é lembrando que a Revelação explica que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, e que apesar deste mundo registrar os piores sofrimentos físicos incididos sobre os homens, mal algum atingirá o Homem (isto é, a alma humana) e não virá sobre nós nada que não possamos suportar, sendo a morte o limite final e indolor de toda a sina de dor na história das vítimas. Está escrito: “Nem um fio de cabelo de nossa cabeça será perdido”. Morreremos em corrupção, mas ressuscitaremos em Glória!
Em palavras laicas, seria que: “pelo benefício de criar almas livres, o Criador julgou vantajoso permitir a convivência humana sem restrições, e caso esta se voltasse contra Deus (ou contra o Homem, por culpa do próprio Homem ou de terceiros), Ele ainda poderia colher o Bem final das tragédias, dando às vítimas uma morte indolor e uma chegada triunfal ao Paraíso”. Só assim o Pai do Céu poderia manter toda a Criação intacta, isto é, sem ter que revogar a Lei do Livre-arbítrio, ao tempo em que trabalharia para reconduzir as almas ao Céu, convencendo-as livremente pelo poder da Verdade libertadora ou pela libertação poderosa da Verdade.
E como ficam aquelas declarações “piegas” das Escrituras, quando dizem que “nem uma folha cairá em terra sem o consentimento de meu Pai”, e vemos bombas e mais bombas caírem sobre pobres e crianças em nações paupérrimas, como as do Oriente Médio? Ora, a partir do exposto nos parágrafos anteriores, a verdade libertadora por trás desta aparente incoerência de Cristo é lembrar que tudo faz parte do seu santo plano, e que nada foge à sua vontade (Romanos 9,19) e tudo terminará bem, dentro do Bem eterno planejado pela Misericórdia infinita. As coisas que vemos agora como males absolutos – aparentemente injustos – não passam da conseqüência lógica da liberdade irrestrita permitida por Deus, e a alma humana seria muito mais infeliz – ou nem existiria – se Deus, para evitar tais efeitos, voltasse atrás e nos tirasse a liberdade, tornando-nos autômatos.
Finalmente, o Senhor Yaveh sempre levará uma desvantagem enorme quando precisar responder a muitas questões levantadas pelos homens, pois seu campo é espiritual e nós perdemos toda a visão transcendental que Adão e Eva tinham antes da Queda, e assim muitas respostas que Deus poderia dar não passam de palavras – ou aparentemente são meras palavras – diante de imagens dantescas como as duas de aviões despejando bombas deste artigo. Deus não tem imagens a nos apresentar. Aliás, tem, só que nós é que não temos mais olhos para ver.