Tudo o que você queria ouvir sobre esta doença e ninguém tinha coragem de dizer, por causa da mentalidade populista e demagógica de uma sociedade corrompida, que jamais olha o lado dos familiares que sofrem todos os efeitos dessa tragédia humana.
Ao explodir em pranto com uma situação absolutamente desumana como um tapa desferido contra o rosto de quem convive com o doente, este articulista toma a liberdade de dar curso a um desabafo há muito contido, ou desde que a doença em questão foi diagnosticada para um de seus familiares, a saber, seu pai, com quem – num pavoroso agravante – nunca teve uma relação bem sucedida. Conquanto se esmere em muitas leituras acerca da doença e em participar de cursos e reuniões com médicos e outros familiares de doentes, a realidade concreta dos fatos é uma bofetada só, da qual se pode dizer que NINGUÉM sabe, ao certo, como lidar acertadamente com o alienado mental, ou com o morto-vivo portador do Mal de Alzheimer (aliás, bom chamar mesmo de “Mal”, pois nenhuma doença carrega mais recursos para se infernizar um lar do que essa, com sinais profundos e sinistros, sempre inconfessáveis por quem tem um doente desses na família).
Pior, mesmo para um cristão convicto, de larga e abalizada instrução teológica, não se obtém consolo nenhum nem mesmo na Bíblia Sagrada, a qual é, infelizmente, assaz “omissa” neste particular. A própria doutrina de Deus, conquanto vivida e ensinada por anciãos e homens de avançada idade, não chega a instruir, com alentos desejáveis e indispensáveis, os familiares do paciente de Alzheimer, os quais padecem à míngua sem qualquer socorro, exceto recorrer a cuidadores caríssimos (e devem cobrar caro mesmo, já que é um verdadeiro sofrimento cuidar de um “maluco”) ou as chamadas ‘casas de idosos’, lugares onde os “doentes mentais” – por assim dizer – são colocados para sumário alívio de todos com quem convive.
Assim sendo, nem a solução dos cuidadores é solução de verdade, nem a internação em abrigos (muitos destes nem querem receber pacientes em estado terminal) significa uma solução pacificadora da consciência familiar, e quase sempre filhos e irmãos passarão o resto da vida com uma área da memória bloqueada, aquela que procura abafar ou soterrar o remorso de ‘solução’ tão violenta, embora necessária. De fato, quando uma família decide internar o seu “doente mental” longe de casa, é sem dúvida em razão do inferno ali vivido, literalmente, porque chega um tempo em que ninguém aguenta mais tanta dor e martírio com a situação engendrada pela mente alienada.
E olhe que este inferno em carne viva nem chega a necessitar de um doente que urina e defeca no sofá da sala de visitas! Estou falando de um “doente sadio”, do tipo que tem “saúde de ferro” e não pega nem um resfriadinho, não sente nem uma dorzinha sequer, uma dor de cabeça ou mesmo uma dor de dente (embora nunca escove os dentes e esteja com a boca fedida cheia de cáries!). Estou falando de uma “pessoa ex-pessoa”, que não reconhece mais nem mesmo os filhos biológicos, que desconfia da fidelidade de sua santa mulher e nunca está quieto em casa, incomodando a todos com conversas sem sentido como de falasse “em grego” – não sabe mais distinguir um copo d’água de uma lata de tinta – e desejando sair de casa a todo tempo para se perder na rua e ser achado pela polícia.
Pior, pior de tudo, agora vem o pior. Quando os familiares conhecem bem a Bíblia e são cristãos devotos, sabem perfeitamente o que é a doutrina do pecado e por ela podem entender bem as ciladas e armadilhas do inimigo. Neste sentido, nossa consciência nunca nos abandona na observação do próximo, pois o próprio Jesus disse que “pelos frutos conhecereis a árvore”. E este é o ponto máximo aonde podemos ir para não julgarmos o próximo, pois o juízo só cabe a Deus, embora Jesus tenha dito que “devemos julgar pela reta justiça” (João 7,24) as coisas que nossos olhos espirituais enxergam auxiliados pelo Espírito que a tudo perscruta.
Isto posto, pode-se dizer que o conhecimento bíblico nunca abandona a mente do crente, quando este se esmera em merecer de Deus os seus cuidados. E é lendo e lembrando as Escrituras Sagradas que vemos claramente o doente de Alzheimer cometer pecados indisfarçáveis (o que denota uma memória diabolicamente seletiva por parte do demônio), pecados arrastados desde muitos anos antes de a doença aparecer, e que apenas agora ganharam uma desculpa “formal” para se imporem, independente de a quantas mentes possam violentar e desintegrar! Aliás, se a Escritura diz que o Senhor nos dá a sua santa paz, o que menos se tem num lar vitimado pelo Alzheimer é uma paz alegre, amistosa, e, pelo contrário, torna-se aquele um lar de pranto, intriga, confusão e divisões, muitas vezes desestrurantes e destrutivas até da união de sangue, pela qual todos até bem pouco tempo se esforçavam e curtiam com agradável aconchego.É claro que a Psicologia moderna, a Geriatria e até a Neurologia vão dizer que não se pode chamar de pecados às práticas de quem não tem mais a mínima consciência do que está fazendo! (Ora, ouvir essa gente é um perigo, pois eles quase sempre não reconhecem pecado algum em ninguém, e não é à-toa que a frase “não se reprima, não se arrependa de nada”, é tão louvada por psicólogos e outros sabichões, que acabam de fato “adoecendo” a sociedade!). De qualquer modo, o termo pecado cai bem em relação a práticas malignas trazidas da época em que a doença não havia chegado, e que, nos raros momentos seletivos de consciência – que então só pode ser diabólica –, reaparecem sob o viés permissivo, tal como é permissiva a supervisão dos pais modernos sobre o comportamento dos adolescentes e jovens de hoje, quando estes querem praticar atos que esconderiam de pais austeros.
Com efeito, se alguém tinha um vício, por exemplo, o de ser desorganizado e não colocar nada no lugar (um pecado gravíssimo, segundo as Escrituras), a chegada do Alzheimer geralmente ratifica e consolida tal prática, e pior, agora não podendo mais ser “cobrada” pela desaprovação social de uma cobrança feita a um alienado. O desorganizado que deixava o fogo do fogão aceso depois de cozinhar sua comida (pondo em risco toda a residência), agora não é mais pecador depois de virar ‘um pobre alienado’, mas também um lunático que pode incendiar a casa e matar a todos! E mais: se o adulto sadio da cabeça traía a esposa dentro de casa com as empregadas, sua memória remanescente vai lhe ensinar o truque de bolinar a ‘servente’ e fingir-se de louco, para que sua mulher jamais pense que ele de fato a estava traindo! Talvez até a empregada creia nisso, o que será muito melhor para ele!
Enfim, é este o quadro que o Alzheimer esconde, ou antes, que todos parecem querer esquecer que existe, como se todos os doentes e todas as fases da doença fossem debilitantes, ou que a demência fosse de tal ordem que lembranças insistentes nem fossem notadas pela incidência majoritária dos esquecimentos desastrosos. O doente que todo dia às seis da manhã pede para ir à banca de jornal do Sr. Cintra, não pode ser encarado como alguém que esqueceu de tudo [Ora, aqui ele lembrou da hora exata (6 horas), da banca de jornal “Leia-bem”, da “Praça Lins”, do proprietário “X” da banca (o Sr. Cintra), e também daquilo que vai fazer lá, i.e., pegar o seu jornal diário!]. Assim, ao contrário, o que se vê não é um esquecimento, mas é sempre uma desordem mental que se acorrenta a determinadas memórias (geralmente as mais agradáveis e as de seus antigos vícios!) e se livra voluntariamente de outras, como se o resto de consciência ali presente lhe dissesse, com clareza e precisão: “já que você não se lembra mais de nada que antigamente lhe era de alguma serventia, então aferre-se ao que lhe dá prazer e esqueça tudo o mais, pois ninguém tem o direito de meter a mão na sua vida e lhe impedir de seguir suas preferências, por mais egoísticas que sejam!”. É este o diálogo interior que a mente alienada ainda pode formular, e ninguém pode dizer o quanto isso acontece em termos estatísticos.
De todo modo, o quadro inteiro aponta para uma realidade aterradora: nenhum cristão dirá que o inimigo não previu este cenário e não preparou o terreno para plantar a infelicidade e o sofrimento nos familiares, sobretudo se a doença ocorrer num lar cristão! Não é à-toa nem exagero pensar que alguns eventos familiares e sociais são uma ferramenta diabólica para infligir flagelos e misérias aos membros de um grupo, mormente a uma família cristã, onde por um lado se exige a misericórdia constante, e por outro se sabe que ela pode constituir o lugar onde “os inimigos do homem serão os de sua própria casa!”. E aí ninguém é de ferro e só Cristo agiria com perfeição, embora O tenhamos visto perder a paciência com quem alimentava seus vícios com o dinheiro do Templo! – Pior: Jesus “fez questão” de morrer cedo demais, e assim não nos deu chance de saber como Ele ficaria na velhice, como Ele lidaria com outros velhos e como nós O encararíamos quando a senilidade O atacasse! Será que Sua mente humana chegaria à caduquice? Ou Ele usaria de um milagre para não ficar “caduco”? E este milagre não seria uma violação da “Lei de Submissão à Natureza” que Ele mesmo criou e obedeceu desde o nascimento virginal? Enfim, não há saída alguma para este enredo macabro.
Não se pode tapar o sol com uma peneira, mesmo que ornada com o ouro de Ofir! Os antigos explicavam uma maldição como uma reviravolta na vontade dos deuses, quando se viam traídos ou contrariados pelos seus seguidores, e por isso revidavam com uma sentença de anti-graça, o que veio depois a significar “desgraça”. Vê-se muito bem os dois paralelos na Bíblia Sagrada, quando Moisés escreveu que quem obedece pai e mãe terá vida longa na Terra, e quem desrespeita pai e mãe terá vida curta. Ou seja: sobre os desobedientes cairá a maldição da morte prematura, e o repertório de maldições é muito vasto, como provou Deus em seu combate contra o faraó do Egito. Como uma maldição é o principal veículo de desassossegos, conflitos, divisões e infelicidades, a família que for “sorteada” com um pai ou mãe dementes (cuja morte pareça ter sumido do dicionário mesmo após inúmeras orações pedindo por ela – e Deus sabe o quanto ela traria alívio, e também “o quão preciosa seria aos olhos do Senhor a morte de seus santos”) não poderá sequer esquivar-se de tal pensamento, pois a convivência com o doente de Alzheimer expõe todos os ingredientes de uma maldição braba, que deixa na família a eterna dúvida: “o que foi que fizemos para merecer isto? Que grande pecado cometemos?”… Pior, os que são católicos ouvirão o seu padre confessor rebater em rosto o eco da maldição, ao repetirem: “quem não respeitar pai e mãe terá vida curta”. Portanto, é uma maldição chancelada e oficializada pela Igreja, para não dizer, pela Bíblia.
Eu sei bem: somente nas Escrituras Sagradas do Cristianismo a desgraça humana fica evidente a olhos vistos, e o Mal de Alzheimer jamais poderá não ser incluído entre as desgraças oriundas do pecado! Todas as doenças, afinal, vieram dele! Ele é uma agressão à bondade de Deus, uma falta contra a caridade e uma intromissão usurpadora de um anjo maligno, que usa de tudo e de todos para infernizar a Terra, enquanto não a vir por inteiro no Inferno. Lembro-me do garoto possesso de Marcos 9 que nem os apóstolos conseguiram ajudar, embora o tivessem tentado com todo o seu bom interesse. Somente Jesus pôde fazer alguma coisa, embora os repreendesse pela falta de oração e jejum. Vejo naquele episódio um paralelo atordoante com o Mal de Alzheimer: somente Jesus poderia ajudar, e como não somos bons como os apóstolos, nem mesmo as nossas orações e jejum ajudariam muito. Não sei. Às vezes acho que só o perdão de Deus porá as coisas em ordem, perdoando principalmente a quem lida com o demente (se é que o demente mereceu perdão, quando pecava consciente). E valeu também se tivermos perdoado o demente antes da doença se instalar, quando ele entendia o perdão; então talvez “nem precisemos perdoá-lo agora”, quando é instrumento inconsciente do inimigo, como até Pedro consciente foi.
Detalhe: nada do que estou dizendo aqui isenta ou nega a incidência de pecados na família ou mesmo nos cuidadores pagos. Todo mundo tem pecados o tempo todo! Eu, você e qualquer um! O que estou dizendo é que quando o drama é a maldição do Alzheimer, ninguém olha ou vela pela dor da família, dos filhos e sobretudo de quem cuida do “morto-vivo”… e este cuidador muitas vezes entra em parafuso com sua consciência atordoada (e sempre ‘desavisada’, porque ninguém espera ganhar um “prêmio” desses!), principalmente se não for um crente bem preparado! É um drama dantesco, enfim, e no fundo todo mundo queria um planeta onde tal tragédia não existisse!…
Finalmente, que os leitores majoritários da caridade humana tenham a máxima compreensão para com o desabafo aqui exposto, e não interpretem meu lamento como uma reprovação ao trato benevolente e “permissivo” dedicado aos portadores de Alzheimer. Pelo contrário, serve como auto-confissão e mea-culpa da mais profunda sinceridade, e quisera eu ter um milímetro a mais de santidade para poder expressar-me de outro modo, e principalmente, agir de outro modo, na convivência com um familiar que nunca, desde que nasci, me amou como deveria e a doença apenas externou o desamor. De fato, este artigo é primeiro uma conversa com Deus, e não com ninguém, pois nem o meu padre poderia ouvi-la sem horrorizar-se. Não fugirei à repreensão do Senhor, e não a tomarei como maldição.
6 respostas a Uma maldição chamada “Alzheimer”