Você acha que é bonzinho? Veja se é…

O argumento que calou todo mundo foi dado por CS Lewis e inspirado pela mente de Cristo, única capaz de responder a esta questão em definitivo, pondo um ponto final na presunção humana.

“Ninguém pode saber de nada sem tentar aprender na prática aquilo que pressupõe saber, conforme a teoria”. Parece uma frase simples… e, a rigor não deixa de ser, se a olharmos apenas pelo nosso velho vício de fugir de aprofundamentos e coisas “trabalhosas”. Porém sua eficácia e validade apenas acontecem quando se cumpre o que ela mesma sugere, a saber, ir lá pessoalmente e tentar fazer.

Não admira que todo o Plano salvífico de Deus também esteja intrinsecamente relacionado a esta verdade, e as almas só terão a perder se desacreditarem disto ou desdenharem do que CS Lewis explicou a respeito. Inobstante, se este texto for lido por leitores protestantes, a grande maioria irá perguntar por que cargas d’água a bondade humana teria algum valor para a salvação da alma(?). Aqui a leitura do livro “Cristianismo Puro e Simples”, encontrado gratuitamente aqui, se faz urgente e necessária, e por isso entregamos agora o trecho referido:

Este processo de entrega, este movimento para trás a toda velocidade, isso é o que os cristãos chamam de arrependimento. Ora, arrepender-se não é uma brincadeira, absolutamente. É muito mais penoso do que humildemente desculpar-se muito. Significa deixarmos toda presunção e vontade própria que temos exercitado por muitos anos. Significa matarmos uma parte de nós mesmos, sofrermos uma espécie de morte. De fato, para arrepender-se é preciso ser bom. E aqui está a dificuldade. Só uma pessoa má precisa arrepender-se; só uma pessoa boa pode fazê-lo perfeitamente. Quanto pior formos, mais precisamos nos arrepender e menos somos capazes de fazê-lo. A única pessoa que poderia arrepender-se perfeitamente seria uma pessoa perfeita, e ela não precisaria se arrepender.”… (Capítulo 4: O perfeito penitente; Livro II, 7o parágrafo).

Ninguém sabe o quanto é mau até ter procurado muito seriamente ser bom.” (Capítulo 11, “A Fé”, Livro III, 7o parágrafo).

Ficaram claras algumas verdades:

1a- A fé sozinha não é suficiente para a salvação (Tiago 2,24), não apenas porque é um sentimento (sentimentos são volúveis, falhando nas horas de terror e dor), mas porque podem favorecer o inchaço do ego e a presunção;

2a- As obras em si não são capazes de salvar ninguém, enquanto o hábito da sua constância não tiver se fixado na consciência, gerando o bom caráter (caracterizado pela predisposição e pela naturalidade em sua operação);

3a- Almas que não tenham adquirido o bom caráter (pelo hábito natural e constante de praticar boas obras), nunca chegarão à bondade interior, e se não chegarem a ser boas, jamais serão amáveis e jamais apreciarão o ambiente “moralista” (santo) da pátria celestial, e por isso preferirão abandoná-la;

Aqui se vislumbra o argumento principal deste artigo: ninguém consegue descobrir se é bom, ótimo, mau ou péssimo profissional, se nunca tentar executar as tarefas requeridas para o cargo pretendido. Da mesma forma, ninguém consegue descobrir se é boa, ótima, má ou péssima criatura se nunca tentar ser uma boa pessoa, e é aqui que a coisa pega. Com efeito, é justamente a prática da tentativa de ser bom que vai nos mostrar o quanto falhamos e o quanto o ideal de Deus está longe de nós! E, com a bofetada das duas descobertas (a deficiência de nossas “caridades” e a fé falha), todas as nossas ilusões vão por água abaixo, e – se formos honestos – veremos que a situação é pungente e até mesmo desesperadora; ou seja: nem conseguimos confiar em Deus o suficiente para não desanimá-LO; nem conseguimos praticar boas ações com regularidade e exatidão; e nem desejamos uma ingerência externa que limite os nossos excessos.

Portanto, a maioria das fórmulas de salvação encontradas no meio da cristandade não passam de convenções convenientes, atendendo aos interesses próprios de cada credo e denominação, e garantindo quorum suficiente para manter templos e salários pastorais. Neste espírito, a verdade em si, a rigor, nem chega a suscitar maiores interesses por parte dos “pregadores” eclesiais, pois eles já sabem (por experiência e desistência próprias) que “a verdade não faz amigos*”, e se não faz amigos não faz dizimistas.

Porque a única salvação que existe periclita entre a cruz da confiança e a espada da mansidão e consiste no resgate voluntário das almas humildes, acostumadas à miséria da vida e à rejeição, e por isso mesmo habituais no sofrimento e na ajuda aos demais excluídos da sociedade. Com o coração mole e de carne trespassada, podem degustar e gostar dos “poucos” bens que a vida lhes permitiu ter, na Alegria de receber permissão de pelo menos desatar as correias das sandálias do Nazareno.

No último momento da subida e no primeiro da entrada, os humildes nem se lembrarão da fé (as constantes falhas desta darão até vergonha de lembrar dela) e nem verão a caridade que fizeram, dada a pequenez e insignificância dos pequeninos que a receberam. Só terão olhos para chorar de alegria por terem chegado até ali, e talvez ainda perguntem, acanhados: “podemos ficar?”…

Nunca chegaram a ser “bons”, no sentido literal e divinal da palavra. Mas sua humildade (que reconhece muito bem este fato) constituiu aquilo pelo qual Deus julgou ter valido a pena amar até a morte de cruz, e também aquilo que os possibilitou ver com olhos limpos o quanto se afastaram do amor de Deus. Só ali, naquele preciso átimo, houve salvação naquela casa.

(*) – Frase que ficou famosa com a fala do morcegão no filme de desenho animado “Ferngully – As aventuras de Zack e Crysta na Floresta Tropical”.

 

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